sábado, 27 de março de 2010

DE EX-LEILAS A EX-TESSÁLIAS

Texto publicado em O Estado do Maranhão,
hoje, sábado, seção Hoje é dia de...



DE EX-LEILAS A EX-TESSÁLIAS


José Ewerton Neto, membro da AML

ewerton.neto@hotmail.com




Estava outro dia em frente a uma banca de revistas, especialista em revistas novas e usadas quando deparei com duas Playboy, próximas, que apresentavam na capa, em uma delas a foto de Leila Lopes e no outro a de Tessália Serighelli. A de Tessália, ex BBB, é a ultima edição da revista e a outra, de 97, ainda em bom estado. Curiosamente, nas duas, a foto de capa não tinha apelo erótico, mas apresentava apenas o rosto das duas mulheres.
A revista mais antiga, com Leila Lopes, exibia o retrato de uma mulher bonita, mais para o lado cândido – na época ela criou fama como professorinha, na novela O rei do Gado. Talvez estivesse aí a fonte de insinuação erótica: a sensual fêmea escondida por trás da aparente ingenuidade da professora, a ser investigada nas páginas internas, um prato para preencher as fantasias masculinas. No ensaio, ela faz força para executar muito bem o seu papel de prostituta.
( Prostituta? Talvez os leitores considerem esse termo muito forte, afinal de contas, posar nua não é suficiente para caracterizar uma prostituta. Ou não? Recorrendo ao dicionário Larousse vemos que prostituta é aquela que se prostitui, sendo prostituir o ato de fazer algo conflitante com os próprios valores, por dinheiro; degradar-se ou aviltar-se. Portanto, o cronista está correto, mas esse não foi o motivo de ter escolhido propositadamente o termo, mas sim, o de aproveitar o ensejo para extrair daí uma verdade: estamos numa sociedade onde o que choca não é a atitude, mas a palavra ou a circunstância em que se fala. ) Voltando ao ensaio, ele é bonito, mas nada extravasa em termos de luxúria: Leila não tem o apelo erótico de uma Juliana Paz, por exemplo. Decididamente, estava mais para professorinha do que para vulcão sexual. Estou falando dela no passado, porque... Será que alguém se lembra dela? No fim do ano passado, morreu. Suicidou-se.
Já Tessália, que agora povoa o batalhão das celebridades sexy, ao exibir também sua nudez por dinheiro, tem em comum com a outra uma aparência doce. Seu ensaio resulta no que os especialistas chamariam de competente, porém, pouco sedutor. Assim como a primeira, Tessália apenas tenta cumprir o seu papel de subir na vida às custas de sua razoável beleza. Para isso tem um blog na Internet, para isso se candidatou ao BBB e se imbecilizou em companhia de gente estranha e estúpida, para isso rolou pelas camas com os machos, para isso se sujeitou a ouvir insinuações de um picareta chamado Pedro Bial. “Jogo da vida”, ela diria, o que, para ela, é suficiente para cumprir a sina que povoa o imaginário da maioria: Ser bonita, cavoucar celebridades pela Internet, cair num reality-show, posar nua, faturar uma grana, virar ex-BBB para o resto da vida e...
Não, não sejamos mórbidos ao imaginar que Tessália possa ter, um dia, o mesmo destino da outra. Suicidar-se um dia? Como e por quê? Para quê? Por que uma mulher bonita tentaria contra a própria vida? Não, decididamente Tessália não tem motivos, posou para a Playboy, vai virar Ex BBB, aconteça o que acontecer, pelo menos, terá a felicidade medíocre, de tantas.
E, no entanto, pelos mesmos motivos, quem pensaria, na época, que Leila Lopes se mataria? Que fã conceberia que ela um dia faria isso, aos quarenta e um anos, ainda bonita. Quem poderia explicar sua atitude? Lembro de alguns detalhes da carta que escreveu, antes de sua morte, e que li, numa revista: falava em Deus, dizia que não se suicidaria por necessidade financeira, mas por cansaço. Estava simplesmente cansada da vida e agora queria Deus. Apenas isso.
Não explicou, porém, porque razão precisaria morrer para chegar ao deus que, agora, ansiava. Entre uma das razões aventadas pelos amigos mais próximos para explicar sua atitude uma delas é a de ter feito, pouco antes de sua morte, um filme pornô. Depois disso, alijada do cenário artístico global, passou a sofrer uma condenação moral implícita no ambiente onde ainda queria sobreviver, o que a fragilizou definitivamente.
Donde se conclui que o mesmo meio que estimula o sexo
desenfreado em suas novelas, que mostra cenas de sexo em público nos seus reality shows, que exibe piadas obscenas para crianças, e que (ao mesmo tempo em que condena) insinua a pedofilia através de gestos e danças eróticas de crianças; esse mesmo ambiente repudia aqueles que assumem abertamente a “coragem” de se prostituir. Ou seja, estimular a prostituição e incentivar a pedofilia e outras aberrações sexuais é permitido, mas ter a coragem de assumi-las é condenável. Tal hipocrisia é do mesmo teor do comportamento da sociedade que, no passado, fechava as casas de prostituição que se intitulassem rendez-vous, admitindo as que passaram a se intitular motéis, que proliferaram do mesmo jeito.
Resta desejar que Tessália, a nova iniciante, a bem de nunca se suicidar, conviva naturalmente com as possibilidades do meio que escolheu, e que aprenda cada vez mais a ser hipócrita. Que não assuma jamais diante da própria filha que foi prostituta num programa de baixo nível, e que entenda definitivamente que o meio televisivo, que escolheu para subir na vida, é uma religião que não admite verdades. Assim como a Rede Globo sequer fez menção à sua ex-artista quando morreu, homenageando-a ou tendo uma breve compaixão pelo seu destino, que Tessália continue a ter vergonha também da realidade e conviva naturalmente e para sempre, (como tanta gente faz e gosta) sob a divindade da ilusão e da hipocrisia.



DE EX-LEILAS A EX-TESSÁLIAS


José Ewerton Neto, membro da AML

ewerton.neto@hotmail.com




Estava outro dia em frente a uma banca de revistas, especialista em revistas novas e usadas quando deparei com duas Playboy, próximas, que apresentavam na capa, em uma delas a foto de Leila Lopes e no outro a de Tessália Serighelli. A de Tessália, ex BBB, é a ultima edição da revista e a outra, de 97, ainda em bom estado. Curiosamente, nas duas, a foto de capa não tinha apelo erótico, mas apresentava apenas o rosto das duas mulheres.
A revista mais antiga, com Leila Lopes, exibia o retrato de uma mulher bonita, mais para o lado cândido – na época ela criou fama como professorinha, na novela O rei do Gado. Talvez estivesse aí a fonte de insinuação erótica: a sensual fêmea escondida por trás da aparente ingenuidade da professora, a ser investigada nas páginas internas, um prato para preencher as fantasias masculinas. No ensaio, ela faz força para executar muito bem o seu papel de prostituta.
( Prostituta? Talvez os leitores considerem esse termo muito forte, afinal de contas, posar nua não é suficiente para caracterizar uma prostituta. Ou não? Recorrendo ao dicionário Larousse vemos que prostituta é aquela que se prostitui, sendo prostituir o ato de fazer algo conflitante com os próprios valores, por dinheiro; degradar-se ou aviltar-se. Portanto, o cronista está correto, mas esse não foi o motivo de ter escolhido propositadamente o termo, mas sim, o de aproveitar o ensejo para extrair daí uma verdade: estamos numa sociedade onde o que choca não é a atitude, mas a palavra ou a circunstância em que se fala. ) Voltando ao ensaio, ele é bonito, mas nada extravasa em termos de luxúria: Leila não tem o apelo erótico de uma Juliana Paz, por exemplo. Decididamente, estava mais para professorinha do que para vulcão sexual. Estou falando dela no passado, porque... Será que alguém se lembra dela? No fim do ano passado, morreu. Suicidou-se.
Já Tessália, que agora povoa o batalhão das celebridades sexy, ao exibir também sua nudez por dinheiro, tem em comum com a outra uma aparência doce. Seu ensaio resulta no que os especialistas chamariam de competente, porém, pouco sedutor. Assim como a primeira, Tessália apenas tenta cumprir o seu papel de subir na vida às custas de sua razoável beleza. Para isso tem um blog na Internet, para isso se candidatou ao BBB e se imbecilizou em companhia de gente estranha e estúpida, para isso rolou pelas camas com os machos, para isso se sujeitou a ouvir insinuações de um picareta chamado Pedro Bial. “Jogo da vida”, ela diria, o que, para ela, é suficiente para cumprir a sina que povoa o imaginário da maioria: Ser bonita, cavoucar celebridades pela Internet, cair num reality-show, posar nua, faturar uma grana, virar ex-BBB para o resto da vida e...
Não, não sejamos mórbidos ao imaginar que Tessália possa ter, um dia, o mesmo destino da outra. Suicidar-se um dia? Como e por quê? Para quê? Por que uma mulher bonita tentaria contra a própria vida? Não, decididamente Tessália não tem motivos, posou para a Playboy, vai virar Ex BBB, aconteça o que acontecer, pelo menos, terá a felicidade medíocre, de tantas.
E, no entanto, pelos mesmos motivos, quem pensaria, na época, que Leila Lopes se mataria? Que fã conceberia que ela um dia faria isso, aos quarenta e um anos, ainda bonita. Quem poderia explicar sua atitude? Lembro de alguns detalhes da carta que escreveu, antes de sua morte, e que li, numa revista: falava em Deus, dizia que não se suicidaria por necessidade financeira, mas por cansaço. Estava simplesmente cansada da vida e agora queria Deus. Apenas isso.
Não explicou, porém, porque razão precisaria morrer para chegar ao deus que, agora, ansiava. Entre uma das razões aventadas pelos amigos mais próximos para explicar sua atitude uma delas é a de ter feito, pouco antes de sua morte, um filme pornô. Depois disso, alijada do cenário artístico global, passou a sofrer uma condenação moral implícita no ambiente onde ainda queria sobreviver, o que a fragilizou definitivamente.
Donde se conclui que o mesmo meio que estimula o sexo desenfreado em suas novelas, que mostra cenas de sexo em público nos seus reality shows, que exibe piadas obscenas para crianças, e que (ao mesmo tempo em que condena) insinua a pedofilia através de gestos e danças eróticas de crianças; esse mesmo ambiente repudia aqueles que assumem abertamente a “coragem” de se prostituir. Ou seja, estimular a prostituição e incentivar a pedofilia e outras aberrações sexuais é permitido, mas ter a coragem de assumi-las é condenável. Tal hipocrisia é do mesmo teor do comportamento da sociedade que, no passado, fechava as casas de prostituição que se intitulassem rendez-vous, admitindo as que passaram a se intitular motéis, que proliferaram do mesmo jeito.
Resta desejar que Tessália, a nova iniciante, a bem de nunca se suicidar, conviva naturalmente com as possibilidades do meio que escolheu, e que aprenda cada vez mais a ser hipócrita. Que não assuma jamais diante da própria filha que foi prostituta num programa de baixo nível, e que entenda definitivamente que o meio televisivo, que escolheu para subir na vida, é uma religião que não admite verdades. Assim como a Rede Globo sequer fez menção à sua ex-artista quando morreu, homenageando-a ou tendo uma breve compaixão pelo seu destino, que Tessália continue a ter vergonha também da realidade e conviva naturalmente e para sempre, (como tanta gente faz e gosta) sob a divindade da ilusão e da hipocrisia.



sábado, 20 de março de 2010

DOENÇAS MUITO ESTRANHAS ( OU NEM TANTO)

Texto publicado no jornal O Estado do Maranhão,
hoje, sábado, seção Hoje é dia de...

DOENÇAS MUITO ESTRANHAS ( OU NEM TANTO )


José Ewerton Neto, membro da AML

ewerton.neto@hotmail.com


Nestes dias de gripe A, uma pesquisa do jornal australiano Sydney Morning Herald relacionou dez das síndromes mais estranhas que atingem o ser humano. Todas essas doenças existem e mobilizam médicos e pesquisadores na busca de uma cura. Curiosamente, porém vê-se que a maioria delas já aconteceu no Brasil ou, pelo menos, alguma equivalente.

1. Síndrome do Sotaque Estrangeiro – Provocado por uma lesão no cérebro, o distúrbio faz com que suas vítimas passem a falar com sotaque – na maioria dos casos as vítimas sequer conhecem o novo idioma. Um dos casos mais recentes ocorreu em 2006, quando a britânica Lynda Walker sofreu um infarto e acordou falando inglês com sotaque jamaicano.
Doença muito semelhante ocorre com muitos brasileiros. Basta viajarem para o exterior: Paris, Londres, Nova Iorque etc. para propagar esse fato e ostentar – com sotaque interiorano - detalhes da viagem como se isso não fosse um fato tão corriqueiro hoje em dia. A doença não lhes permite perceber que num mundo tão globalizado como o de hoje, onde as diferenças culturais não são mais tão marcantes, nada justifica tanto alarde. Algum tempo atrás a televisão exibiu um desses doentes em visita ao exterior “chorando” de emoção porque estava vendo neve pela primeira vez na vida. Isso enquanto os de lá “choram”, mas de raiva, já que a neve, para eles, não passa do nosso equivalente em lama e aporrinhação.
Aparentemente, nossos doentes não se deram conta ainda que sofrem
desse mal, embora não se possa dizer que sofram da síndrome do sotaque estrangeiro, mas sim do complexo do sub-desenvolvido, ou do vira-lata, de que falava Nelson Rodrigues.

2. Síndrome da mão estranha. Em inglês “alien hand syndrome” ( síndrome da mão alienígena). Quem é acometido por essa doença vê uma das mãos ganhar vida própria. Os efeitos da falta de controle sobre a mão podem ser reduzidos dando a ela uma tarefa qualquer, como segurar um objeto.
Consta que alguns políticos, envolvidos com o mensalão, tentaram justificar a rapinagem do dinheiro público, apresentando-se como vítimas dessa doença. ( No caso, a anomalia teria acontecido, pela incapacidade de controlar as próprias mãos, todas as vezes em que sentem cheiro de dinheiro por perto.)
O Ministério Público ainda não se pronunciou a respeito, tanto é assim
que eles continuam à solta, mas e você? O que acha disso, caríssimo leitor?

3. Maldição de Ondina. Ondina é a ninfa das águas na mitologia pagã européia. As vítimas dessa doença perdem o controle da respiração, esquecendo-se de respirar e, muitas vezes, morrem sufocadas. Alguns, preventivamente, têm de dormir com um ventilador. Descoberta há 30 anos a síndrome registra cerca de 400 casos no mundo.
No Brasil o equivalente de maldição de Ondina não faz o doente perder o controle da respiração, mas do ouvido. Nossos doentes, se esquecem de pensar e, com o ouvido deteriorado, invadem as ruas com sons a decibéis de dar em doido. Somente através da doença se conseguiu finalmente explicar como a barulheira infernal não lhes corrompe os tímpanos. O que nunca vai dar para explicar é a perda da noção de que nem todo mundo está com o ouvido suficientemente atrofiado, para se deleitar com a parafernália.

4. Síndrome de Cotard. Espécie de depressão extrema que leva o doente a acreditar que já morrreu, e que todos ao seu redor também são cadáveres. Em casos extremos o doente pode até ter a impressão de sentir sua carne apodrecendo, e vermes passeando pelo seu corpo.
Especialistas julgam que o primeiro caso da síndrome de Cotard aqui no Brasil pode estar ocorrendo com a famosa atriz Suzana Vieira. Crente de que já morreu e que não tem satisfação alguma a dar ao mundo dos vivos ela deve ter a impressão de que sua carne está apodrecendo ( ver fotografias recentes). Daí o seu esforço em enganar a si própria, cometendo cada vez mais bizarrices, como a de rebolar seus oitenta anos, de forma grotesca, no carnaval. Uma razão adicional para acreditar que ela sofre mesmo da síndrome de Cottard é a de que ela realmente sente os vermes passearem sobre o seu corpo. Recorde-se de que, para os moralistas, um gigolô não passa de um verme.

5. Síndrome da redução Genital – Também conhecida como Koro, esse distúrbio mental deixa a pessoa convencida de que seus genitais estão desaparecendo. Em Cingapura, 1967, o serviço local registrou centenas de casos de homens que acreditavam que o seu pênis estava sumindo. No Brasil, um caso foi registrado no Instituto de Psiquiatria da USP, quando o doente, tentou se matar com duas facadas.
Como são as coisas! Na Cingapura centenas de casos ocorreram, mas ninguém chegou a ponto de tentar contra a própria vida. No Brasil, bastou acontecer uma primeira vez para que alguém tentasse se matar. Parece bastante razoável, portanto, que, num surto de previdência, um deputado tenha solicitado um projeto de lei autorizando a distribuição gratuita de viagras para a população. Dessa forma, estaria plenamente justificada a criação de mais uma bolsa: desta vez, o Bolsa-Aparece.

6. Síndrome de Capgras – Após sofrer uma desilusão com alguém próximo a pessoa passa a acreditar que eles foram seqüestrados e substituídos por impostores. O sintoma evolui até o ponto da vítima acreditar que ela também se tornou um farsante.
Um episódio recente, de repercussão internacional, corrobora a suspeita de que a síndrome de Capgras, infelizmente, chegou ao Brasil.
Quando Lula, um ex-sindicalista e grevista, e que já fez greve de fome, se pronunciou abertamente contra aquele que se suicidou através dela em Cuba, chamando-o de bandido, a favor de Fidel Castro, pairou a sensação de que de Lula , o ex-sindicalista, foi seqüestrado e que deve existir agora alguém muito parecido em seu lugar.
E pior, quando aceitamos tudo isso: acreditamos em Dunga e na transposição do Rio São Francisco; e suportamos Ivete Sangalo, Arnaldo Jabor e o Big-Brother, não resta a menor dúvida. Nós brasileiros, vítimas de uma gigantesca epidemia, também acreditamos que somos farsantes. Não passamos de réplicas. Nosso problema maior – Deus nos salve! - não é a gripe A, mas a síndrome de Capgras.

sábado, 13 de março de 2010

O ULTIMO ESCRITOR

Texto publicado em O estado do Maranhão,
seção hoje é dia de..., hoje, sábado

O ÚLTIMO ESCRITOR


José Ewerton Neto, membro da AML

ewerton.neto@hotmail.com



Esta cena não vai demorar a acontecer, daqui a uns vinte anos talvez, possivelmente menos. Talvez não aconteça dessa forma, mas seu contexto já está na imaginação de muita gente. Pode-se dizer que os estratos que dirigem esta nação e a imensa maioria do povo age como se isso já estivesse acontecendo.
- Mãe, o que é aquilo mãe?
O filho, aflito, aperta com intensidade a mão da mãe, e contempla alguém não identificado, um personagem sim, mas em tudo estranho aos seus olhos. Estamos num parque e o tal personagem está sentado num banco, com um ou dois livros do lado, escrevendo num caderno. O pequeno, assustado, parece se incomodar muito com isso.
- Sei não, filho, mas acho que é um escritor. Deve ser o mesmo que me parou outro dia na rua para me vender um livro. Que audácia! Quem vai gastar seu dinheiro com livro?
- Como? Escritor? Que é isso, mãe?O que é aquilo que ele segura? O que faz?
- Pare de fazer tantas perguntas bobas, menino!
Num ato impulsivo de curiosidade, próprio das crianças, o menino faz um gesto em direção do homem.
- Cuidado! Calma, menino! Não chegue perto, jamais chegue perto de um homem desses. Não falei que se trata um escritor?
- Sim mãe, mas o que é escritor? Veja, ele não tem cara de quem faz mal a alguém.
- Como não? Já te falei muitas vezes, não vou mais te repetir: Cauã!, fuja de quem faz coisas estranhas. Esse homem escreve, deve escrever muito Ele lê muito, passa o dia escrevendo. Por quê? Para quê? Isso é muito esquisito, filho, por que ele não procura outra ocupação? Se gosta tanto assim de ler, por que não se tornou um professor ? Por que não estudou para ser médico? E se não tem dinheiro para pagar faculdade porque não vai ser guardador de carro, que dá muito mais dinheiro?
- Ele é um vagabundo, então?
- Se não é, faz tudo para ser. O que pode pretender uma pessoa que passa o dia todo escrevendo? Não tem mulher? Não tem família? Sei que mora neste bairro porque já o vi antes. Mas nunca vi esse homem num supermercado, nunca o vi dando risadas, nunca o vi junto de um carro de som, botando conversa fora e escutando forró, como todo mundo. Certamente julga que seja bom viver desse negócio de livro. Ora, por que uma pessoa compraria um troço desses, se não serve para nada?
- Mãe, o que é mesmo um livro?
- Observe com atenção. Daqui dá para olhar.
O filho faz novamente menção de chegar mais perto para ver.
- Não vou te avisar outra vez, Cauã! Já avisei, não se aproxime dele, é perigoso.
O menino conteve-se e aguardou.
- Livro era esse negócio esquisito que ninguém mais usa. Sabia que houve tempo em que as crianças iam para a escola e carregavam um monte deles? Era feito de papel e ainda bem que hoje isso acabou. Hoje você tem e-book, tem celular, tem I-Pod. Enquanto a professora dá as lições, o aluno pode se distrair fazendo joguinhos e espiando coisas instrutivas como Big-Brother, novela, jogo de futebol. Você acredita que houve tempo que nos obrigavam a ler as histórias que vinham nesses livros e que chamavam de romances?
- Mãe, a senhora também chegou a ler algum?
- Tentei sim, era obrigada a isso, mas jamais consegui. Toda vez que tentava ler um, dormia.
- Era uma espécie de remédio, então, mãe?
- Pior, muito pior. Era uma tortura, filhinho. Os professores os usavam para nos meter medo. Tínhamos que ler histórias desagradáveis desses homens de muito tempo atrás, desses que viraram estátuas. Ora, se a gente podia ver novelas e filmes cheias de imagens, porque a gente tinha de matar a cabeça para entender essas mesmas imagens numa letra atrás da outra? Era coisa de gente perversa mesmo, de quem não gostava de criança. Queriam que a gente deixasse de escutar forró, de ver o Big-Brother, de assistir filmes, de namorar, tudo isso para ver esses livros escritos por psicopatas como esse daí. Você sabia filho? Alguns desses escritores se mataram. Teve um até que...
- Céus, como devia ser muito ruim nesse tempo, mamãe. Não deixar a gente ver Big-Brother, aquelas mulheres gostosas, não é mãezinha?
- Ah, safadinho! Sim, meu filho, era muita maldade. Mas ainda bem que o mundo evoluiu. Um dia você vai dar valor ao que a gente teve de agüentar para que as crianças do mundo de hoje...
De repente, o menino queda, extasiado, em contemplação profunda, o que interrompe a fala da mãe num quase grito
- Mãe, e agora, o que ele está fazendo?
- Filho, ele está pensando. Ele deve ter parado para pensar, é isso: parou para pensar, para refletir sobre alguma coisa.
- Para que mesmo, mãe? Refletir? Como se faz isso?
- Eu não te disse que ele é doido? Se existe tanto som para escutar, tanta gente para conversar, tanta coisa para fazer, tanta novela para assistir por que um ser humano pode pensar em pensar? Quem pode gostar de pensamento e silêncio?
- Mãe, não seria melhor chamar logo a polícia?
- Deixa para lá filho. Estamos no Brasil, eles demorariam para chegar. E depois, não precisa temer, esse é o último!


sábado, 6 de março de 2010

A ARTE DE SER CORNO

Texto publicado no jornal O estado do Maranhão,
seção Hoje é dia de...neste sábado

A ARTE DE SER CORNO


José Ewerton Neto, membro da AML

ewerton.neto@hotmail.com




A grande dificuldade de se medir o talento de um corno é saber até onde essa é uma arte sua, natural e exclusiva, ou apenas uma conseqüência do talento para botar chifres da parceira que escolheu. De forma que o talento do corno parece não se revelar apenas no ato em si, mas nas decisões que toma a posteriori.
Talentoso ou não, a ciência prova todo homem tem um potencial nato para ser chifrudo o que significa dizer que todo macho é uma cabeça à espera de um chifre, embora nem sempre tenha sido assim. Antigamente - e bote milhares de anos nisso - quando ainda éramos macacos não sabíamos que podíamos ser cornos. Mas já desconfiávamos. Segundo a teoria evolutiva todo esse ciúme, que o macho sente pela fêmea que julga sua, nasceu da impossibilidade de nossos tataravôs macacos saberem se o embrião que fazia a barriga da companheira avolumar-se era, de fato, seu. Podemos imaginar o drama. Se hoje em dia, com exame de DNA e tudo, as dúvidas persistem imagine nessa época.! (recente reportagem de uma científica atesta que, atualmente, 8 % dos filhos reconhecidos por seus pais, como seus legítimos descendentes, não o são, na realidade)
Não é de estranhar, portanto, que muito tempo depois, na idade
média, os homens tenham tentado proteger a exclusividade de seus genes com a invenção do cinto de castidade. Coitados, não conheciam, ou faziam de conta que não conheciam a primeira Lei Universal dos Cornos que diz: “não há equipamento capaz de prevenir um homem de se tornar corno” ( que é apenas uma versão – piorada - da muito popular Lei Universal da Natureza Feminina que diz: “fogo de morro acima, água de morro abaixo e mulher quando quer dar, ninguém segura”).
Cerca de oitocentos anos a mais de evolução, esse ciúme, tão instintivo e avassalador, gerou nas páginas do mestre Machado de Assis um verdadeiro tratado sobre o tema chamado Dom Casmurro. Neste romance ele relata, elegantemente, o drama de um corno chamado Bentinho, para sempre em dúvida quanto a verdade do seu gene na barriga da amada Capitu, atormentando-se por causa disso, capítulo após capítulo, sem coragem de dar a volta por cima. O certo é que, se evoluímos, passando de macacos para homens, o sofrimento, porém, continuou.
E, ao que tudo indica, nunca acabará. Nestes dias que correm,
de Internet, Big-Brother e pílulas de felicidade, uma notícia de chifre ganhou mais assunto na imprensa internacional do que a nova queda nas ações da bolsa européia. Trata-se do lateral Bridge, da seleção inglesa, que, traído pela namorada com um companheiro de time e de farra, Terry, decidiu abandonar o English Team. “Não posso usar a mesma camisa de um cara que pode ter usado as minhas camisinhas” teria dito ele, e, desde então, só se fala nisso na Europa.
O que teria acontecido, para que um acontecimento tão banal tenha adquirido tons de tragédia mundial? Parece que Bridge, ao dar uma de vítima, descuidou-se de uma das regras fundamentais do Manual Universal dos Cornos que diz: “todo chifre nasce do mesmo tamanho, mas aumenta desproporcionalmente, quanto mais se fala nele”. Por desconhecimento de uma regra elementar, o zagueiro, que se revelou um corno de raro talento ao se despedir voluntariamente da seleção, corre o risco de ficar mais famoso nessa arte que na de jogador de futebol.
Com o intuito didático de evitar que mais cornos se tornem famosos como Bridge lembraremos, a seguir, alguns itens desse manual Que este não se torne uma Bridge ( ponte, em português ) que o conduza, ao invés, para o outro lado, caríssimo leitor:

1. O sujeito que tem vergonha de ser corno deveria se lembrar que todo ser humano não passa de um corno, pois sua sina é ser traído e abandonado um dia por aquela que mais ama: a própria vida.

2. Todo homem que ama uma mulher acima de todas as coisas corre o sério risco de vê-la rapidamente abaixo das coisas do primeiro homem que aparece.

3. Numa relação homem-mulher nunca dá empate, sempre um dos dois está ganhando. Se o homem julga que sua relação está empatada é porque já está perdendo.

4. O bom corno não é mais corno não só porque o dia tenha só 24 horas, mas porque o alfabeto só tem vinte e três letras e o espelho só tem uma imagem.

5. Nunca existiu nem jamais vai existir equipamento de Proteção Individual para o corno. O melhor que já inventaram foi a camisinha, mas quem usa, quando interessa, é o outro.

6. Um corno pode ser perfeito, o não-corno jamais. Depois que inventaram a fantasia feminina não dá para escapar. Na melhor das hipóteses o sujeito toma chifre do Brad Pitt, na pior da Angelina Jolie. (ou vice-versa, com queiram).

7. O chifre foi a melhor forma já inventada por uma mulher para colocar os homens nos seus devidos lugares. Seu marido no seu (dele). Seu amante no seu (dela)