Caderno Alternativo, jornal O estado do Maranhão
A Assembléia
Legislativa do Estado do Rio de Janeiro acaba de aprovar projeto de lei do
deputado Luis Martins (PDT) que confere à cachaça o status de Patrimônio
Histórico e Cultural do Estado do Rio de Janeiro. O projeto foi aprovado sem
discussão.
Pois é, quem diria... a cachaça agora vai virar
Patrimônio Histórico e Cultural (PHC) do estado do Rio e ao que tudo indica
será, em breve, nacional. Pensando bem, nada mais justo já que somos todos
cachaceiros, não é mesmo, senhores deputados? Os ilustres parlamentares cariocas
só esqueceram de lembrar também da ‘Bala Perdida’, esse patrimônio carioca, não
tão perdido assim, que , para os lados das favelas do Rio e dos apartamentos
luxuosos ao redor, sempre encontra um no caminho.
Por aqui o Tambor de
Crioula já foi considerado PHC nacional. Parece-me que o Bumba-Boi está
tentando, ou já conseguiu, e o Bloco Carnavalesco também. Neste Brasil em que
tudo é festa e tudo é cultura e vice-versa, nada mais justo que o PHC entre
como a cobertura do bolo da eterna festa da cultura. Nada como inserir novas
sugestões:
1.
O Guaraná Jesus.
Como falta imaginação para os nossos deputados! Enquanto os do Rio já elegeram
a cachaça, como se esta fosse deles, por que será que, por aqui, ninguém se lembrou da Jesus? Ninguém sabe até
hoje se seu sabor é de canela, de álcool, de sorvete, de açúcar, ou se
simplesmente tem sabor. Mas sabe-se perfeitamente que o Guaraná Jesus é um
fenômeno genuinamente maranhense que nos causa mais orgulho do que, por
exemplo, sermos do Estado onde se falava
o melhor português do Brasil ( alguém ainda se lembra disso?), tanto é assim
que os aeroportos de ida dos turistas maranhenses são repletos de caixas e mais
caixas de Jesus, como se esta fosse a nossa principal marca. Mas, nunca se viu
alguém com um livro de um autor maranhense. Mandem brasa, senhores deputados!
2.
A corrupção. Não sejamos tão pretensiosos
assim, esta é nacional. Onde encontrar fenômeno cultural brasileiro mais enraizado
do que este, num país em que tudo nasce corrompido: da água ( que vinda do poço
e é vendida como mineral) à cachoeira que jorra no Congresso? Até os bebês já
nascem corrompidos, porque são adquiridos pelas mães no vizinho, sem que o
marido saiba. Certo, alguém há de dizer que a corrupção não pode ser escolhida
como brasileira porque existe em todo lugar, já que é intrínseca à natureza
humana.
Vá
lá, mas nunca em outro país do mundo a corrupção é tão aceita, tão desejada e
tão festejada. Em nenhum lugar do mundo os acusados de corrupção são tão idolatrados
como no Brasil (recentemente, os abraços de Lula, nosso venerado ex-presidente,
em Paulo Maluf
são provas eloqüentes disso etc.etc.etc.). Que se torne logo, portanto, um PHC nacional
reconhecido universalmente, nem que para isso se torne necessário corromper
algum jurado. O que, aliás, para nós, seria tão fácil.
3. O grito de Gol de
Galvão Bueno. Existe som mais cultural e tipicamente nacional do que o grito de
gol de Galvão Bueno? Em tudo esse som estridente revela, como nenhum outro, a
alma brasileira. A cafagestada, o patriotismo de araque, o jogar para a
torcida, o oportunismo - de um farsante em favor de uma grana milionária.
Responda depressa, caro leitor. O que lhe arrepia mais em termos de simbolismo
patriótico: o Hino Nacional ou o grito de gol de Galvão Bueno? Ora, claro que é
o grito do locutor da Globo: interminável, agourento, insuportável, mas capaz
de aliviar todas as mágoas nacionais. Que se eternize, então, esse som como
símbolo de até onde pode chegar a riqueza da diversidade cultural brasileira.
4.
O horror à
literatura. Seria esse título o mais indicado para introduzir esse fenômeno
cultural tipicamente maranhense dos dias atuais, como nosso patrimônio
histórico cultural? Nossa terra já foi o
lugar onde outrora se falou o melhor
português do Brasil e foi também o lugar
considerado Atenas Brasileira. Hoje é um lugar onde seus universitários
lêem menos de um livro por ano e em que Feiras de Livro apresentam cantores como
principais atrações, porque senão ninguém vai. ( Vide Chico César, Imperatriz,
Feira do Livro). Em que se dilaceram concursos literários tradicionais e em que os autores premiados têm de ir à
Justiça para receber os prêmios que lhes foram outorgados.
“Toda mutação cultural generalizada deveria merecer tornar-se
também Patrimônio Histórico e Cultural”, principalmente numa festa em que todo
mundo pensa que deve caber todo mundo. Avante, senhores deputados!