artigo publicado hoje na seção Hoje é dia de...Caderno Alternativo,
jornal O Estado do Maranhão
Careca,
eis aí um nome feio. Porém, mais feio do que o nome é o que representa. Cada vez mais procurava imaginar a sensação, iminente,
dos que a possuem em plenitude: um deserto na cabeça, a vizinhança dos astros,
strip-tease do coco, placa luminosa, saudação aos pássaros? Não, nenhuma razão
para aceitar, passivamente, a derrota.
Decidido, atravessei aquela porta
sofisticada demais para os meus costumes. ( Eu, que só cortava cabelo com o Marivaldo,
dono de botequim e que corta cabelo em pé, entre uma cachaça e outra, cobrando de três a cinco reais - a depender
de quanto o Moto Clube perde a noite passada). Fui atraído pelo cartaz, enquanto
caminhava pelos corredores do Shopping : Raul`s
Unissex , know-how francês, método revolucionário de criar ondas. “Será
algum feiticeiro do mar?”, perguntei-me.
Adentrei o ambiente como um caubói
do antigo faroeste adentrava o saloom: como um bom Charles Bronson, ou melhor, como
Yul Brinner - de 7 homens e um destino -
por razões óbvias. Só que a ausência do
chapéu me dava uma sensação de desamparo. Adiante de mim o barbeiro, ou melhor o cabeleireiro, ou melhor, o coiffeur, segurava uma arma: o pente.
Tentei ser o mais másculo possível
porque o que via ali me deixava atordoado. Eram homens, mulheres ou nem uma
coisa nem outra? De qualquer forma, falei:
- Quero cortar o cabelo - da mesma forma como diria, “ Quero cortar o
pescoço”
- Cortar o cabelo? – perguntou o meu
‘salvador’, com a voz tão fina que não parecia ter saído dele, mas do fio do
secador que segurava. A atenção do público se voltava para mim, talvez pretendendo
adivinhar que cabelo eu ia cortar.
- Aqui não corta cabelo de homem?
- U-N-I-S-S-E-X – Respondeu o cabeleireiro, separando tanto as sílabas que o
que ele disse não pareceu significar um sexo, mas milhares. - Deseja fazer unha
também?
- Não, acho que já nasceram feitas, por
favor!
- Hum, já entendi. Kátia! Leve o senhor
para lavar a cabeça - ordenou aquele que eu supus que fosse Raul.
Notei que ele não falou cabelos, mas
cabeça. Lembrei com pesar do Alfredão, da barbearia de minha infância quando os
meus cabelos eram fartos e eu não precisava passar por isso: havia uma mistura
de mijo com Glostora e retratos de Xuxa e Luiza Brunet nuas, pregadas na
parede, ao redor do espelho.
- Você quer frisado, taqueado,
escovinha, com topete, à la
Neymar , para trás, para o lado, para cima ou para baixo?
Não, não era um profissional, era um
mágico.
- Como?!
- Alguma forma preferida de corte? –
Notei um pingo em seu sorriso e percebi que esse pingo estava mais para ser de
ironia do que de shampoo..
- Bem, eu prefiro mesmo aquele que
fica em cima da cabeça - assenti sem
muita convicção.
Fechei os olhos para não ver. Que
angústia!Os dedos dele dançavam um carnaval frenético na minha cabeça. A
maldita sensação de a minha cabeça ser um pandeiro, era fácil suportar. O que não
dava para agüentar eram as técnicas francesas de Raul. Um vento quente aquecia
minha nuca constantemente. Pensei que fosse o secador até quando lembrei de que
secador não tem mal-hálito.
Hora e meia de eternidade depois de
tanto sofrimento ( cuja duração só entendi como uma forma de justificar a
partida sem regresso do meu último cinqüentinha) o resultado:
- Mas... – e eu olhei de um lado
para o outro aturdido – Cadê?
- Cadê o quê? – indagou o
cabeleireiro
- Meus cabelos! – gritei com todas
as forças do meu pulmão
Raul, impassível, parecia não entender a
extensão do meu problema.
- Você quer dizer, seus tufos de
cabelo? Ora, não seja ridículo. Fiz a única coisa possível diante de sua carência
de pelos cranianos: uma careca decente. Se não estiver satisfeito compre uma
peruca e caso não tenha dinheiro use um guarda-chuva ou um boné. Na sua
situação qualquer coisa serve.
Foi um bom conselho que sigo à
risca. Integrado à minha careca mais rápido do que imaginava o guarda-chuva, ou
o boné me livram da sensação de nudez em cima da minha cabeça que me apavora.
Ah, ia me esquecendo: voltei ao Marivaldo.
Não, não para cortar cabelo. Para falar sobre o custo de vida – e a economia de
não ter cabelos.
ewerton.neto@hotmail.com