sábado, 25 de maio de 2013

COM QUEM SE PARECEM AS PALAVRAS



artigo publicado na seção Hoje é dia de...Caderno Alternativo,
jornal o Estado do Maranhão, hoje, sábado



“As palavras, como se sabe, são seres vivos.” Vítor Hugo.

                De vez em quando leio nas manchetes dos jornais frases que denunciam a ação de alguns estúpidos: “Vândalos destroem patrimônio público.”, deixando-me  a incômoda impressão de que os autores do delito estão sendo elogiados. Sim, porque a palavra  vândalo soa muito bonita para classificar esse tipo de gente, é sonoramente agradável, parecendo recusar-se a simbolizar os indivíduos em questão, mesmo que esteja aí para isso. Enfim, quando a palavra resiste ao significado que se pretende da mesma, tudo indica que ela cumpre sua obrigação de representar,  seja lá o que for, a contragosto e, neste caso, por ser sonoramente agradável, insurge-se  com certa rebeldia contra o que se pretende dela, mais ou menos como o denunciado pelo romancista francês na epígrafe acima.                                                                  
 Nesse caso, melhor para eles, os selvagens,  quando são cognominados de vândalos porque ao invés de serem achincalhados são, no meu modo de entender,  estimulados. “A palavra é tão bonita que dá até vontade de fazer o que eles fazem   só para merecer ser chamado de palavra tão bonita”, não é mesmo?
                 
                                          
                                                           
                Tal impropriedade não parece atingir todas as palavras, ao contrário, pois umas são,  exatamente,  a feição   daquilo que delas se diz. Só para dar um exemplo próximo a palavra achincalhar do parágrafo acima, nunca me pareceu tão bem investida em sua tarefa de significar o que, no popularesco, seria equivalente a  esculhambar ou escorraçar. (Teria a sílaba lha essa característica,  de proporcionar pela sua sonoridade essa conotação de menosprezar, como na palavra canalha? Os lingüistas que me ajudem nessa associação se houver).
                Lembro que o escritor mineiro Oto Lara Rezende dizia que a palavra mais bonita da língua portuguesa é lêndea, essa mesma facilmente incluída entre aquelas que se rebelam contra seu destino e sina. Embora não chegue a mesma conclusão do escritor mineiro, é fácil concordar com ele em que a sonoridade elegante e poética da palavra em nada condiz com o ovo de um piolho, que representa. Estão igualmente nesse time, a meu ver, tantas outras como Lúcifer, Melancolia, Apocalipse, Vendaval, ou Holocausto. Caso não representasse o demo tenho certeza de que muitos pais teriam grande orgulho em colocar em seus filhos o nome de Lúcifer de tão bonito que é. (Se você, leitor, resiste neste instante em considerá-lo assim, é porque está preso a uma consciência de pré-raciocínio, senão, responda depressa: qual nome é mais bonito: Lúcifer ou Cauã? Lúcifer ou Caíque? Existe nome mais horroroso que se possa dar a um filho de que Cauã? Se nos abstrairmos da significância anterior é evidente que o nome  Lúcifer soa muito mais bonito, com a sua sonoridade elegante e angelical, do que Cauã,  que parece com tudo menos com nome de gente.  Ou, então,  Caíque...Esse não tem mesmo a aparência de uma canoa de segunda?).  E, assim por diante, ao nos abstrairmos do que significam e atentarmos para suas características  os nomes apresentam personalidades, as mais inesperadas possíveis.

                                                                         
Quem pode negar que Melancolia teria a cara da Monalisa, independente do que ela está pensando por trás do seu indecifrável sorriso? E Vendaval, não se parece muito mais com um guerreiro lendário? E Rouxinol, não parece um jovem- um tanto efeminado, vá lá – que toca muito bem violino? Ora, se reconhecemos que as palavras têm suas personalidades o mínimo que deveríamos fazer com respeito a isso seria evitar sua degradação, como, por exemplo, estamos fazendo com a palavra  corrupto. Se corrupto alguma vez teve muito mais a semelhança natural apropriada a alguém que pertenceria  a uma seita religiosa meio misteriosa e passou ‘pela obrigação lingüística que lhe foi imposta’ a representar  o indivíduo vil que se corrompe, a sua banalização num país como  o nosso, está fazendo com que fique cada vez mais parecida a um sujeito enfatuado e buxudão, com uma perua ex- bonita do lado, num carrão importado e se achando muito orgulhoso  por fazer jus a um epíteto  tão nobre e corriqueiro (para a sociedade hoje em dia )  como corrupto.

                                              
                                             
Contra isso, essa contínua e imperdoável  interferência dos homens nas palavras, nas suas personalidades e seus significados, permanecem aquelas que, indeléveis, permanecerão para sempre intocáveis. Como a palavra pássaro, por exemplo. A palavra pássaro é outro pássaro.

                                                       
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sábado, 18 de maio de 2013

NO TRÂNSITO, ESSE GUERREIRO É VOCÊ



Artigo publicado hoje, sábado, na seção Hoje é dia de...
Caderno Alternativo, jornal o Estado do Maranhão


Não duvide: esse guerreiro é você.  Mesmo sem armas e sem perfeita consciência disso saiba que você está indo para uma guerra, talvez, a pior de todas: a guerra do cotidiano. E é dessa que menos chances você tem de voltar vivo. Basta lembrar os seus inimigos:

1.Motoqueiros.  Eles surgirão dos quatro cantos do mundo e mais um: aquele que você menos espera. Nem adianta tentar se antecipar para prevenir: eles o cortarão pela direita, esquerda, por cima ou por baixo. Mantenha a reta, segure firme o volante, contenha-se para não ter um colapso cardíaco, chegou finalmente o sinal. Ufa!
E pensar que coisa de dez anos atrás eles não disputavam com você os raros espaços que sobravam nas avenidas, você era feliz e não sabia. Outro dia disparou um de dentro de um caixa eletrônico. Você se assustou, freou bruscamente. Nem deu tempo de  perguntar o que ele estava fazendo lá dentro com moto e tudo, já ele veio perguntando o que você queria lá também. Você tentou chamar um guarda, mas, ao invés dele, surgiu uma nuvem de motoqueiros ameaçando linchá-lo. Você, claro, desistiu de ponderar diante de argumentos tão convincentes e teve que pagar o conserto da moto (e da caixa eletrônica, idem), dando graças a Deus por ter voltado para casa. Quando ao amassado do seu próprio carro, você finge até hoje que é só uma ilusão de ótica passageira.

                                                

2.Barreiras eletrônicas e radares. Você pensava que conhecia as barreiras eletrônicas uma por uma. Pode-se dizer até que com alguma  intimidade, já que elas passaram a povoar seus pesadelos depois que você pagou uma saravaida de multas.  É capaz de dizer qual a mais afoita e até por quais  times  elas torcem. (tem uma que deve ser da  Gaviões da Fiel, porque mata com sinalizador). Tanta intimidade não evitou que elas o transformassem no inimigo público número 1. A coisa deve ser absolutamente pessoal porque até quando você passa com o pneu furado, a vinte por hora, elas o multam. Do jeito como proliferam (além delas, os radares ) , você está pensando em adotar uma e levar para casa a fim de multar as muriçocas que passaram a visitar sua casa , a cem por hora. Quem sabe, assim teriam alguma utilidade. 

                                  

3.Animais. 50 anos atrás os animais já invadiam o trânsito, mas até que você não se preocupava tanto, desde que fossem de 4 patas: jumentos , cachorros, vacas e galinhas,eram quase inofensivos. O que você passou a temer mesmo, de algum tempo para cá, são os humanos que, na disputa do trânsito, estão sempre próximos de atingir a perfeição animalesca quando pegam num volante. Então urram, esperneiam, berram, uivam, cada um  se esmerando em ser mais feroz que o outro, contando para isso com a parafernália tecnológica de seus automóveis. Se  querem zurrar usam uma caixa de som, se querem uivar , usam uma buzina, se querem espernear usam o acelerador e se querem escoicear...Bem, aí tentam xingá-lo, mas claro que você finge que não tem  ouvidos, senão se transforma em mais um.


                                           
                                             


4.Vagas.Bem que você batalhou, suou, penou, teve de escutar muito alarme de despertador e apito de fábrica,   até que conseguiu, finalmente, comprar seu carro com prestações a perder de vista e com juros que doem a vista. Só para descobrir que não existe lugar para colocá-lo, esteja o veículo se movendo ou, principalmente,  parado.  Se nas ruas já é difícil, nos estacionamentos, pior ainda. Antigamente, isso acontecia só  no Centro da cidade, agora é em shopping  center, farmácia, hospital ou cemitério.
A guerra por uma vaga você já aprendeu que é uma batalha vã, mas você não pode desistir,  você é um guerreiro. Depois de mil avisos de proibição: “Esta é para táxi”, “Esta é para moto” “Esta é para helicóptero”, você, guerreiro escolado, volta para casa e estaciona em sua própria garagem. Tem a perfeita consciência de que gastou gasolina, paciência, tempo e disposição, mas não pode deixar de ser acometido pela sensação, ainda que tardia, de como pode ser gostosa  essa sensação de vitória: a de ainda estar vivo.

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sábado, 11 de maio de 2013

A MÃE SEGUNDO A VIDA QUE CHEGA



artigo publicado na seção Hoje é dia de...
Caderno Alternativo, jornal o Estado do Maranhão, hoje
sábado


Um esperma fecunda um óvulo e, logo depois, surge o embrião de uma vida humana. A partir daí... (Bem, não vamos entrar nessa discussão sobre a partir de quando é vida ou não e, muito menos, em que condições se deveria  ser a favor do aborto ou não. Há tempo para isso). Primeiro vamos acompanhar a vida que chega a partir do quarto mês, quando esta já adquiriu, digamos assim, alguma maturidade. A partir de então...

                        4o mês: Aqui estou. Não sei direito quem eu sou, mas, com certeza, se estou aprendendo a pensar, então existo. Tanto penso que, embora muitas vezes fique nervoso, quando escuto o barulho da água fico mais tranqüilo. Existir, pelo que estou vendo, não significa muita coisa, eu quero mais é viver.  Segundo um  tal de Oscar Wilde, que eu lerei no futuro, viver é muito raro, a maioria das pessoas apenas existe. Portanto, existo e já estou treinando, minuto a minuto, para viver.


                                                                        


                        5o mês: Aprendi a urinar. Claro que engulo minha urina, ora bolas, se não há outro jeito... No mais, a vida aqui é confortável, as noites e os dias são iguais. Há um silêncio muito profundo e bom, às vezes ouço um tuc tuc como o de um relógio e sinto uma coisa assim profunda dentro de mim que não sei explicar, parece algo assim como um relógio de esperança que bate sem pressa; quando chego à conclusão de que é isso mesmo: bate profundo, em mim, o ritmo da esperança e  esse é o primeiro presente que vou levar para fora quando me derem as boas-vindas : um olhar cheio de esperança.

                        6º mês: Ninguém me olha nem me vê por enquanto, chego a pensar que isso é uma quase felicidade. Ninguém me acha gordo, bonito, feio ou magro, ninguém fala mal de mim ainda. Às vezes, acho que eu poderia continuar eternamente nessa viagem, rumo ao mundo, sem muito prejuízo, já que não preciso lutar para comer, durmo umas 22 horas por dia e ninguém se importa com isso, nem me chama de vagabundo. O que faço nas duas horas que faltam? Penso, e acho até que faço isso cada vez melhor. Às vezes, fico imaginando quando chegar a hora. Sei que me desprotegerão a partir desse dia e logo conhecerei o sol e a chuva. Depois virá a morte, mas não quero pensar nisso agora, cada coisa a seu tempo. Sonhei ontem que Deus disse que não nos devemos preocupar com o amanhã, que basta ao dia o seu próprio mal. Disse também: “Olhai as aves do céu e os lírios do campo, eles não tecem nem fiam e nem Salomão com toda a sua glória se vestiu como um deles”.


                                                           
                                                                   

                        7o mês: Meus olhos já se abrem e fecham o que, a rigor, nem precisava. Também não preciso de brinquedo, se tenho o meu cordão umbilical prá isso. Aviso aos navegantes: não estou indo de trem nem de avião, esse transporte que me conduz e protege, ao mesmo tempo em que me torna parte do futuro, tem um nome e uma explicação que jamais será encontrada nas leis físicas que um dia tentarão explicar tudo: chama-se mãe. Acho que acabo de conhecer o único meio de transporte capaz de levar alguém das trevas para a luz.

                        8o mês: Estou cada vez mais apertado neste meu cantinho e começo a ficar incomodado. Mas não é por causa de estar aqui, ao contrário do que os cientistas pensam. Certo, já não consigo movimentar-me muito bem, mas isso seria o de menos comparado a permanecer assim, mais do que junto , dentro dela. O que me incomoda mesmo é que ela deve estar penando para me carregar dum lado para o outro. Só por isso anseio que chegue logo esse dia do parto que deveria chamar-se, ao invés, como disse alguém, dia do fico. Pois não estarei partindo, mas ficando, não é?

                                                      

                                                           
                        9o mês: Bem, agora todos sabem que eu sou. E não apenas mais um, agora sou alguém, sou único, sou universal e principalmente eterno, pois jamais sairei da memória mais valiosa para mim que é a desta que ainda me carrega.  Chamo-me vida, vim através dela. Descubro que ela, bem mais que humana, é divina, mas continuarei a chamá-la de mãe que dá no mesmo.  

                                                          A todas as mães do mundo e à memória da minha.


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sábado, 4 de maio de 2013

ETERNIDADE: A HISTÓRIA VERDADEIRA



artigo publicado na seção Hoje é dia de...Caderno Alternativo,
jornal o Estado do Maranhão, hoje, sábado




A  eternidade  deve ter realmente começado quando  Deus, cansado de tê-la ao redor, sem nenhuma serventia (sequer a de ser uma companhia agradável)  explodiu de ira.
                - Agora basta! Já estou cansado dessa tua aporrinhação sem fim. Vá-se à...
                A imensa ira de Deus só poderia mesmo desandar numa fúria em dimensões  jamais vistas,  e  foi então,  que aconteceu essa tal explosão a quem, nós, humanos, demos  o  nome de big-bang  e da qual somos apenas mais uma de suas míseras fagulhas.  No instante seguinte, Deus, certamente  mais calmo, deve ter pensado que ‘antes só do que mal-acompanhado desse tal de Universo’,  mas aí já era tarde.
                A eternidade, portanto, deve ter começado ‘oficialmente’ nesse ponto, quando esse algo que já não era mais o nada ( o Nada é um fingidor, finge tão completamente, que chega a fingir que é Nada esse Nada que realmente é - como diria um certo poeta português)  teve consciência do tudo e do todo. “Queimo, logo existo”, deve ter pensado também, enquanto ardia, algum átomo de Hidrogênio um pouquinho mais inteligente do que os demais, quem sabe inspirado pelo fogaréu que o consumia. 

                                                                    
  
                Dá para imaginar como ela, a eternidade, deve ter ficado em polvorosa ao  ter sido revelado, de uma hora para outra, seu perfil de embusteira. Principalmente quando viu Deus providenciando sua substituição provisória por uma entidade chamada tempo. Viu-se então na contingência de ou explicar-se  ou  sumir por uns tempos. Claro que, diante da recém-apreendida ira de Deus, foi o que resolveu  fazer: “nada de explicar-me, vou ficar rondando esse tal de tempo  para ver que merda isso vai dar”.

                2. Foi por isso que só se voltou  a pensar  em eternidade muito tempo depois, mais especificamente quando um ser  muito bronco, (o macaco que nos antecipou)  lá pras bandas de um minúsculo planeta  chamado  Terra, queria se perpetuar  por trás de sua fêmea,  pensando “esse negócio é tão bom que nunca mais devia parar” . Antes que levasse um safanão da macaca -  que só veio aprender  o que era gozar árduas estações mais tarde -  sedimentou-se pela primeira vez , no cérebro de alguém, o embrião do que podia ser eternidade, embora, claro, o animal não tivesse a mínima  consciência disso.


                                                                   


                Pois foi com a eternidade na cabeça que nasceram milhões de anos depois,  linguajem, palavras, religiões,filosofias , angústia existencial  etc. A eternidade, providencialmente, vinha bem  a calhar  para dar suporte a todas essas idéias ainda mais que o tal do tempo já  dava sinais progressivos de cansaço para explicar determinadas coisas, ou, sendo mais direto:  para explicar o inexplicável. Expressões inventadas com o único propósito de ‘dourar’ a crueza  da vida como paixão, felicidade, infinito, e outras ilusões careciam da velha eternidade para poder explicar-se e pronto, a ETERNIDADE (essa vontade de perpetuar determinadas coisas e, mais que isso, de se perpetuar)  estava de volta  e  assim reinou  durante toda a era antiga e moderna.

3.Sucedeu,porém que, assim como o macaco-homem que a concebeu,    a eternidade também evoluiu, tornou-se pós-moderna e  hoje aprendeu a executar o jogo da existência , para não provocar outra fúria de Deus.
‘Sou uma eternidade pós-moderna, ao gosto do freguês’  parece dizer a nova eternidade.  Quer  eternidade maior que a corrupção no Brasil? Ou, a permanência numa fila de um Hospital Público? Ou, por outra, existe eternidade mais infinita que a de alguém no trânsito engarrafado desta capital, ao meio-dia?”

                                                     

                Enfim, hoje a eternidade está de volta, personalizada e disfarçada ao invés da anterior universal e abrangente, e não vê a hora de chegar-se a Deus, proclamar sua vitória e dizer “ Eu não disse que, apesar dos pesares, mesmo sem ser confiável eu era preferível para sua companhia do que esse tal de tempo? Não era melhor ter previsto  a merda que ia dar?”
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