artigo publicado na seção Hoje é dia de...
Caderno Alternativo, jornal o Estado do Maranhão, hoje,
sábado
Esse
mundo anda meio chato faz tempo. São chatos o imposto de renda, o patriotismo oportunista
de Galvão Bueno e Felipão, o aquecimento
global, as manifestações e as barreiras eletrônicas. Oscar Wilde, o genial escritor
inglês dizia que não existe pecado maior que o tédio, mas não gostaria de arrolar
a chatice ao tédio. O tédio é parente da melancolia que por sua vez é filha da
tristeza, a que se deve a maioria das
obras de arte . Que o tédio fique em
paz, desta vez.
Estamos falando da chatice mesmo, algo que a sociedade moderna tornou imperativa, e cruel,
porque se sobrepõe à liberdade, pelo menos,
de se pensar. É tão
chato um vírus em seu computador como uma secretária eletrônica lhe atendendo. A
felicidade obrigatória dos livros de autoajuda é tão chata quanto o strip-tease
sentimental do facebook e a chatice de ser obrigado a votar é tão chata quanto a corrupção que vem depois. Mas a chatice só ganha contornos de
algo avassalador quando o que já é chato em si mesmo evolui para tornar-se
ainda mais chato. Como por exemplo:
durante muito se pensava que não podia existir algo tão chato quanto música
sertaneja, mas logo surgiu a música sertaneja universitária o que faz com que se tenha saudade da primeira – dá
pra acreditar? Quando se pensava que não poderia haver alguém tão chato quanto
Pedro Bial eis que o colocaram para dirigir o programa mais chato que alguém
poderia inventar, o tal Big-Brother. Esse é, pois, o drama do século: a
modernidade tornou-se especialista no poder de aprimorar a chatice.
Donde vem a
primeira tentativa de definir o que seja a chatice. Chatice seria a tendência que têm as aporrinhações
irremediáveis de se transformarem, naturalmente, em torturas. Mas, peraí...A isso
não se deveria chamar, ao invés, chatice crônica? Sim, porque, por definição, chatice
crônica deveria ser uma coisa e chatice
outra. E agora? Estamos vendo que o pior da chatice é justamente isso: não existem
termos capazes de classificar exatamente o que seja ela.
E não seriam
todas as definições da chatice tão chatas porque necessariamente insuficientes?
Fernando Sabino o escritor mineiro tinha
uma boa interpretação do que é ser enjoado quando dizia: “Chato é aquele que te
rouba a solidão sem te fazer companhia.” Montagne, o filósofo, dizia que toda
infelicidade do homem principia em não conseguir ficar sozinho em seu próprio
quarto. Alguns dirão que Montagne era um chato. Claro que Montagne não era
chato, muito menos o que fazia no quarto ( considerando que não havia revista
Playboy nesse tempo, e nem pornografias via celulares).
Outras
definições surgem, de repente, nessa vã tentativa
de resumir o chato e a chatice em uma frase. Eis algumas delas:
1.“O chato é um fingidor. Finge tão completamente que
consegue tornar-se um chato ainda maior
do que realmente é.” Parodiando Fernando
Pessoa.
2.“A vida, às vezes parece chata,
mas a outra opção é muito pior.”L.F.Veríssimo
3. “Certos escritores de autoajuda não são mais chatos
não só porque o dia tem só vinte e quatro horas, mas porque o alfabeto só tem
23 letras”.
4. “Os chatos parece que não morrem nunca. É fácil explicar:
Deus
não
os quer no céu, nem o diabo no inferno.”
5.“Somos um subproduto
da chatice. Se a eternidade não fosse tão chata Deus não teria inventado o Big-Bang,
por falta do que fazer.
6. “A única
vantagem de um sujeito ser escritor é que mesmo sendo um chato a vida inteira,
pode se tornar, dependendo do que escreveu, um sujeito agradável depois dela”.
7. “Nada a
ver com a vida em si. O chato de se viver é que por mais que se tente fazer
tudo certo as coisas acabam sempre irremediavelmente dando erradas. No final.”
A considerar que,
pelo menos uma das frases acima, seja merecedora de crédito no árduo intuito de se chegar perto do que
seja uma boa definição para o chato ou a chatice, já temos um bom começo para uma
possível Teoria Universal da Chatice. Se
o leitor agüentou o cronista até aqui, de uma coisa pode ficar certo: a crônica
até que não foi tão chata assim. E, por
favor, cuidado para não confundir chatice crônica com crônica chata. Obrigado!
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