sábado, 22 de novembro de 2014

NOMES, HIDRAMIXES E SOBRENOMES



artigo publicado na seção Hoje é dia de...
Caderno Alternativo, jornal o Estado do Maranhão, hoje, sábado


O que, afinal de contas, existe entre o indivíduo e a palavra que o nomeia? E esse nome, pertence a essa pessoa, ou o inverso é mais verdadeiro? E a partir de quando e até quando?
            São perguntas, cuja solução até agora ninguém, mesmo os especialistas, ousaram decifrar ou pesquisar. Por isso mesmo, não convêm cavoucar o vão misterioso dessa interface  que evoca questões jamais solucionáveis, do tipo: Que teria sido do Rei Pelé, sem o apelido, que o consagrou? Será que teria se tornado rei do futebol houvesse adotado para ídolo o  nome próprio, Edson Arantes do Nascimento, mais apropriado, aliás,   para síndico de condomínio ou gerente de  supermercado? Suas jogadas de craque reverberariam  na voz dos locutores com a mesma empatia de quando gritaram “Gol de Pelé”? Como  todo mundo sabe a questão do nome na trajetória do maior jogador de todos os tempos foi de tal maneira crucial que o próprio Edson Arantes do Nascimento  logo se distinguiu do ídolo Pelé, por vontade própria a ponto de se referir ao mesmo como se fosse outro.  E assim tantos, etc. etc


                                                 


            Sendo essa, a meu ver, a problemática fundamental inerente ao ato de nomear um indivíduo. Antes mesmo de se dar um nome a alguém já existe no âmago dessa procura, a questão do outro, a busca de alguém especial,  cujo nome ressoe capaz de incorporar ao vindouro  uma identidade mais nobre que a do destino que se lhe anuncia.  Nas classes desfavorecidas deste Brasil,  então, o costume de doar a um filho um  nome original e inventado,  perpassa toda a esperança de um título diferenciado, capaz de distingui-lo do ambiente que o cerca. (Como se fosse um título de nobreza jamais visto). Por isso, sempre achei lamentável a prática  de se ridicularizar esse costume popular , especialmente nos ambientes intelectualizados e universitários, enquanto a criação de neologismos, na literatura, é supervalorizada . Ora, por que o ato de inventar um nome próprio é sempre piada de segunda, e os neologismos de Manoel de Barros ou Guimarães Rosa são considerados, sempre, a quintessência  da arte?
            Poucas vezes, na ficção ou na realidade, essa ‘angústia’ do nome foi exposta de forma tão contundente quanto na reportagem do escritor e publicitário Nelin Vieira, divulgado na imprensa maranhense anos atrás. Nelin Vieira, cujo faro jornalístico para detectar preciosidades do comportamento humano que vão do tragicômico ao bizarro em questão de dois minutos ou três parágrafos, descobriu em sua cidade, São Mateus, um personagem que queria se chamar e já se intitulava Hidramix Rios-Raios-Paraíso Di-Forças Hahlmeixeixas Hinfinito. Ele, o personagem em questão, borracheiro, humilde de formação, chamado João de Deus da Silva, de repente, passou a abominar o nome de batismo e quis cognominar-se HIdramix, etc. e tal, passando – que coincidência! -  necessariamente por infinito, palavra cuja presença, em seu  nome de fantasia,  por si já é uma insinuação, um significado  e um clamor. Precisava que João de Deus explicasse a causa? Se precisasse,  a reportagem, ( cujo assunto mereceu, em janeiro de 2001 crônica do escritor José Sarney a respeito publicada  no jornal A Folha de São Paulo) exibia as palavras de João de Deus/Hidramix mostrando a motivação pré-anunciada: “Pretendi sair do anonimato, tornar-me um ser diferente, um novo alguém , fugir desse João de Deus da Silva que todo mundo é nesta cidade”
.
            Muito mais poderia ser dito e investigado a respeito desse tema, houvesse espaço nesta crônica. Para os que querem conhecer mais, não só de Hidramix (ele existe e é real) como  desse portentoso painel de seres especiais, exposto no livro O centésimo emprego de seu Lelé Bristol


                                                         





Nelin Vieira estará relançando o seu interessante livro - que expõe a face desfocada de seres comuns, a meio caminho entre a realidade e o sonho para destacar o que possam ter de mais humano e ao mesmo tempo sobrenatural e perene  -  em São Mateus, dia 29 deste. Lá estarão todos os personagens dessa imensa galeria: Hidramix, Chico Fumaça, Lelé Bristol etc. Por sua vez, para os que se mostram curiosos com a problemática do tema levantado acima, à guisa de investigação, aponto o trabalho deste cronista em seu trabalho de Pós-Graduação em jornalismo cultural, 2008,  A invenção de nomes próprios: algo mais do que um mero costume. Será arte?, em http://www.cambiassu.ufma.br.




                                                       




            Portanto, aos que tiverem o privilégio de  visitarem São Mateus nesse dia festivo, além do acesso ao livro, de quebra, a possível solução de uma das questões: Terá João de Deus da Silva encontrado seu Hidramix, ou ainda estará à procura?
                                                                                  ewerton.neto@hotmail.com

                                                           http://www.joseewertonneto.blogspot.com

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