sábado, 28 de março de 2015

A CAIXA-PRETA DE VERDADE




Artigo publicado na seção Hoje é dia de...
Caderno Alternativo, jornal o Estado do Maranhão, hoje, sábado

Caixa-Preta. Taí uma coisa que eu gostaria de entender melhor. Basta cair um avião para que todos saiam atrás desse equipamento, tão perdido em algum lugar do planeta quanto os passageiros do avião. A diferença é que os passageiros são seres humanos e a caixa-preta... Bem, a caixa-preta é aquilo que nunca dizem exatamente o que é embora seja tratada como se fosse mais importante do que   qualquer infeliz que estava a bordo.
            E tudo isso para que se continue a dizer que o avião é o meio de transporte mais seguro do mundo, que é imune a falhas comuns, ou que na sua concepção e no seu aprimoramento a engenharia humana alcançou as raias da quase perfeição divina. “Bem, de fato, morreram alguns seres humanos”, dizem os donos das empresas de aviação “mas ainda resta a caixa-preta, só depois do que ela mostrar, poderemos nos pronunciar a respeito”. Mais ou menos como se a caixa-preta, de repente, fosse capaz de ressuscitar os mortos ou pudesse amenizar o desconforto dos seus parentes.




                                                 






            O fato é que virou rotina, de alguns anos para cá, a queda de um Boeing em algum lugar ermo do planeta, a ponto de já nem nos surpreendermos quando o noticiário anuncia a queda de mais um. E, se não mais nos impressionamos com as mortes,  tampouco nos impressionamos com a voz monocórdia dos responsáveis, ou do presidente da república, com afetada consternação a tentar remediar a tragédia, sugerindo uma impossível solução:  “Ficamos tristes por todos, mas não chorem, estamos atrás da caixa-preta”.
            “Cadê a caixa-preta”, reproduzimos como papagaios. Cadê a caixa-preta, “repetem os repórteres” “Ainda resta a caixa-preta”, repetem também,  sem outra alternativa, até os parentes. E quando a caixa-preta surge - o que é raro hoje em dia-, pouco esclarece, pouco elucida como no caso recente do avião que caiu na França. É quando a coisa chega às raias do ininteligível, porque (acreditem!) tem mais de uma caixa-preta no meio.  Como dizem os investigadores: “Descobrimos uma caixa-preta, mas precisamos encontrar a outra. Continuamos a análise,  mas até o momento não temos a menor explicação É necessário confrontar os dados das duas caixas-pretas para saber o que aconteceu. Isso pode levar dias, semanas ou meses.” O que mostra  que a procura da caixa-preta seja uma , sejam duas, ou sejam oitocentas, ao final de contas, para nada serve. 




                                                      





 Na falta de solução palpável eis  o que parece a função principal da caixa-preta:  serve muito mais para que os donos das empresas ganhem tempo e que as autoridades iludam a plateia aparentando estarem em busca de uma solução. Não seria lógico esperar que, no estágio a que chegamos em tecnologia de comunicação, as informações pudessem transmitidas on-line para não depender da busca de caixas-pretas atiradas nas sombras?
            A empulhação, mesmo para leigos se torna evidente porque...Alguém sabe mesmo o que existe dentro de uma caixa-preta? E por que cargas d’água são chamadas desse jeito? Não seria por anteciparem em seu nome o negrume total, a ausência de clareza e solução, quando sombras e mais sombras aparecem no destino de inocentes?  
            A tal da caixa-preta parece ter sido fabricada sob encomenda  para nos distrairmos com a ilusão de que não há morte em nosso futuro, que isso não é irremediável quer queiramos ou não, quer aceitemos ou não, hajam caixas-pretas ou não. Por trás do nome sombrio e de sua ineficácia serve apenas para estimular a ideia orgulhosa de que atingimos um patamar de tecnologia superior capaz de afirmar o ser humano diante da imprevisibilidade e do inesperado.




                                                      





            No fundo é uma caixa-preta nos moldes da eterna pergunta nunca respondida pelos cientistas e jamais solucionável: “O que somos, de onde viemos, para onde vamos?” . Não seria mais fácil e menos hipócrita que as autoridades amparassem as vítimas de modo efetivo e, mesmo sendo ateus, se dessem as mãos e dissessem: “Que Deus tenha piedade de todos e de nossa imensa fragilidade diante do destino”?

                                                                                   ewerton.neto@hotmail.com
                                                           http://www.joseewertonneto.blogspot.com




sábado, 21 de março de 2015

A ARTE DE BOTAR BANCA




artigo publicado hoje, na seção Hoje é dia de...
Caderno Alternativo, jornal o Estado do Maranhão, hoje, sábado


Desde que retornei a São Luís, na década de oitenta, que sou freguês do Seu João, proprietário de uma simpática banca na Praça João Lisboa. Tudo começou quando lhe pedi para guardar alguns jornais do Rio e de São Paulo com seus cadernos de literatura, especialmente o Prosa e Verso do JB do dia de sábado, além das revistas semanais, jornais da ilha, etc. O tempo passou, o JB se foi, mas continuo freguês da banca e dos jornais de São Paulo, no sábado. Prefiro-os à Internet, porque aproveito para descobrir na banca alguma preciosidade de informação científica ou cultural, em revistas como Superinteressante, Galileu, Scientific American, História, etc. Pode-se dizer que em uma banca há sempre uma mini biblioteca disponível, de modo muito prático e relativamente  barato   
   .
            Aos poucos, descobri que ser dono de banca, como Seu João, não é para qualquer um. Embora exerçam uma atividade de divulgação cultural de retorno evidente para a população em termos de conhecimento e saber, o lucro dos proprietários é pequeno e o trabalho complicado.  A venda de revistas é consignada e a devolução das mesmas  sequencial e ininterrupta. Sendo assim, um dono de banca não pode tirar férias O produto de venda, no caso livros e revistas, é sujeito a deterioração, roubo, respingos de água etc. sem contar que não há contrapartida do poder público em termos de prover a segurança necessária para o exercício dessa atividade que é comercial, mas, sobretudo, cultural.  Por esse motivo as bancas da ilha tem sido constantemente arrombadas com prejuízos para os proprietários, sendo o ultimo caso, o mais notório, o de uma banca no Renascença que foi incendiada por marginais revoltados por simplesmente  não encontrarem o dinheiro fácil que desejavam, causando à sua dona, segundo consta,  um prejuízo de 70 mil reais.

            Por tudo isso, não se trata de exagero intuir que  ‘botar uma banca’ para funcionar e nela trabalhar é uma sina que, pródiga, embute uma espécie de  arte que deveria ser estimulada e conservada pelo poder público: a arte de lidar e abastecer a sociedade de um bem cultural.  



                                                   






            Domingo passado, ao procurar a referida banca para pegar o meu jornal fui surpreendido. Ela havia sido removida para detrás do abrigo da mesma praça, num local ermo e pouco frequentado. O dono bem que tentou me explicar, resignado, mas atônito. Sob o suposto de um projeto de  recuperação da Praça João Lisboa, haviam retirado sua banca como se fosse um monturo descartável. Sem dó nem piedade do conteúdo da mesma, lá estavam  livros e revistas amontoados  ao Deus dará, sabe-se lá até quando. Pelo que deduzi, nada a respeito de indenização do dono pelo prejuízo,  nada a respeito de qual será o seu destino, nada a respeito de como ficará sua situação, nada além de desprezo quase ostensivo a alguém que tendo se dedicado a vida inteira a exercer uma atividade comercial cultural em prol da comunidade, principia a vislumbrar o nada pela frente, como se estivesse sendo punido por algum malfeito, enfim, como se estivesse comercializando algum tipo de droga ao invés de livros e revistas.

            Claro que as justificativas aparecem a bojo de um projeto de melhoria e embelezamento das praças, patrocinado ao que me parece, pelo IPHAN. Nada contra, a administração pública precisa zelar pelo bem público, mas porque a má vontade para com bancas de revista, cujo objetivo também é o bem público? Não me consta que bancas tenham sido retiradas das grandes avenidas e praças das grandes metrópoles como São Paulo, Rio, ou até mais perto, Fortaleza com suas tradicionais bancas no entorno da Praça do Ferreira.





                                               






            Foi então que  veio à minha mente o termo “Botar Banca”, cujo uso era muito comum tempos atrás, para designar uma atitude de arrogância e imposição. O que leva à conclusão, inerente ao assunto,  de que existem dois tipos de arte, com a mesma expressão , referindo-se a finalidades distintas.  





                                                






A primeira, a arte já sugerida acima, do seu João: alguém que botando uma banca para funcionar e por ela zelando diariamente associa seu labor e dedicação à divulgação de arte e cultura, por isso mesmo se tornando um artista também. Por outro lado, outro tipo de banca imposta: aquela que é  oriunda da insensibilidade de alguns burocratas da administração pública que acham oportuno se desfazer dos empreendimentos  já sedimentados e antigos, mas que continuam necessários para o alcance do objetivo final ideal: no caso, vias públicas ordenadas e civilizadas, mas onde pessoas possam sempre ter acesso a um bem cultural.

            "Que esse segundo tipo de banca, não se sobreponha à primeira".
                                                                       ewerton.neto@hotmail.com
                                                           http://www.joseewertonneto.blogspot.com


sábado, 14 de março de 2015

MAIS BELA





Artigo publicado na seção Hoje é dia de... Caderno Alternativo,
jornal o Estado do Maranhão, hoje, sábado




                Na década de setenta, os convidados do museu de cera de Madame Tussaud, em Londres, eram convidados a selecionar as mulheres mais belas dos ‘tempos modernos’, então. As escolhidas em 1970 foram pela ordem: Elizabeth Taylor; Sophia Loren; Raquel Welch; Brigite Bardot e Marilyn Monroe. Elizabeth Taylor, Sophia Loren e Marylin Monroe se repetiram em todas as listas anuais da década. Esse time, de fato,  era pra ninguém botar defeito.




                                                       





            Hoje em dia a coisa não parece ser tão fácil assim, por falta de unanimidade em torno. São tantas as belas e, como a cada quinze segundos surge uma mais bonita, a coisa não se estratifica: não há tempo para fazer da beleza uma personagem de si mesmas,  como fizeram as três citadas acima. A mais infeliz,  Marilyn, incorporou à sua beleza a aura trágica do suicídio.  Nesse mundo atual de belezas pulverizadas pela necessidade midiática de renovação sobra até mesmo para nossa Gisele Bundchen – aquela que nem no nome tem uma bunda completa, como assim exibe em seu título: Gisele  Bund-(a)-chen.

            E já que falamos de personagem, talvez seja um exercício  mais fácil tentar  descobrir a  mais bela personagem da literatura.

            Lembro, de saída, de Catarina Earnshaw de “O Morro dos ventos uivantes” Bela sim, desde criança , mas não sei se sua beleza meio ‘bucólica’ sobreviveria plenamente  longe dos ventos uivantes dos morros a açoitar seus cabelos. Parece-me que perdeu um tanto de seu charme selvagem depois que abandonou a charneca, e na minha imaginação já não era tão bela quando morreu nos braços do cigano que a amava desesperadamente  “O amor não é fogo cuja chama se apague com a morte”, ele disse. E quanto a Capitu, a célebre adúltera de Machado de Assis? Será que era bonita, de verdade? Claro que não era feia, mas nada indica que fosse dona de uma beleza mais que razoável, o suficiente apenas para provocar a insegurança do parceiro. Ora, parece óbvio que para botar chifres num sujeito autoindulgente como Bentinho, uma mulher sequer precisaria ser bonita.  E Ana Karenina?
            Devia ser bela sim, no padrão antigo, possivelmente um pouco gorda para a apreciação de hoje. Morreu debaixo de um trem,  e mulheres lindas de verdade não morrem debaixo de um trem. Já Madame Bovary,  acho até que era parecida com a russa não só na busca do adultério como redenção para a sensaboria da vida cotidiana. 



                                                  
                                                   





É provável que Ana Karenina fosse até mais bonita que Ema Bovary mas a dama criada por Flaubert tinha um  tom a mais de luxúria sempre a pique  de extravasar, o que a tornava mais desejável.
            E assim por diante, já que o espaço é curto,  até chegarmos à inevitável Iracema, de Jose de Alencar. Mas qual, um autor exagerado e romântico como José de Alencar certamente ampliava os dons naturais da índia quando falava  na ‘virgem dos lábios de mel eu tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna’. Dá pra acreditar nisso? Vai ver que a indiazinha era um tanto buchudinha e tinha dentes cariados, de pouco trato.
            Curiosamente, essas heroínas dos livros, mesmo à mercê de nossa imaginação prodigiosa e fértil, podem tornar-se mais belas e mais palpáveis quando associadas às atrizes que as representam. Lembro  de Lara,  do romance Doutor Jivago, corporificando-me uma beleza transcendental, ao mesmo tempo poética e selvagem, quando vi a representação de Julie Christie nesse filme. A cena em que Lara-Julie, pobremente vestida, atravessa o salão de aristocratas para dar um tiro no homem que a prostituiu, ofusca todo o resto e resplandece de sua beleza sensual e avassaladora. Ela teria tudo para ser a  heroína mais bela das versões cinematográficas da literatura se ...




                                                        






            Se não existisse Sophia Loren em Duas Mulheres, baseado em A Ciociara de Alberto Moravia, cujo livro já  havia lido quando vi o filme. Nele surgiu, para mim, a personagem mais bela da literatura por ter ficado associada em definitivo à beleza  dessa atriz, que interpretou a mãe de uma adolescente, na  tela. E Sofia Loren tinha, certamente, um rosto mais bonito do que qualquer imaginação seria capaz de criar.
                                                                                  ewerton.neto@hotmail.com
                                                           http://www.joseewertonneto.blogspot.com


sábado, 7 de março de 2015

A MULHER ( DO CORAÇÃO À PALAVRA)




artigo publicado na seção Hoje é dia de...
Caderno Alternativo, jornal o Estado do Maranhão, hoje, sábado


A mulher penou muito para chegar, perseverante e paciente, até onde chegou. Basta que se diga que a própria Bíblia é pródiga em definições e sentenças desfavoráveis à mulher. Como por exemplo: Coríntios 11,3 “ A cabeça do homem é Cristo, a cabeça da mulher é o homem, e a cabeça de Cristo é Deus; Colossenses 3,18 “Mulheres, sede submissas aos seus maridos como convêm no senhor; Coríntios 11,9  “O homem não foi criado para a mulher, mas a mulher para o homem”; Deuteronômio 22,20 -21 “Se uma jovem é dada por esposa a um homem e este descobre que ela não é virgem, então será levada para a entrada da casa de seu pai e a apedrejarão até a morte”. etc. etc. O que é desolador se  pensarmos que a escrita da Bíblia já aconteceu num estágio de civilização bem avançado em relação aos tempos muito mais duros de milhares  de anos anteriores.




                                             





            Não cabe no espaço  desta crônica esmiuçar o quanto foi árdua a batalha feminina para superar preconceitos ao logo dos séculos, nem mesmo lembrar que essa carga de opressão, oriunda da mentalidade competitiva e opaca de grande parte da população masculina, ainda vai levar muito tempo para se desvanecer totalmente, como mostram alguns fatos do cotidiano. Aqui, basta que se diga que de batalha em batalha em batalha a mulher principiou a galgar, especialmente   a partir do último século, um espaço que lhe era devido pela própria condição de ser superior ao homem nos aspectos mais dignificantes  da conduta humana. Como, aliás, comprova facilmente a ciência quando se comparam as suas características físicas intrínsecas ao equivalente masculino.

            1.Coração. O coração do homem é 30% maior que o feminino. Por sua vez, o da mulher bate 10% mais rápido que o masculino.
            O que comprova, mais uma vez, que tamanho não é documento, soando  estranho que os 30% a mais de coração masculino pareçam ter serventia apenas para brigarem e se matarem nos campos de futebol. Por sua vez, elas parecem obter enorme proveito dos 10% a mais na velocidade de seus batimentos, já que sabem apurar a sensibilidade para fazê-la pulsar no compasso da vida.

            2.O cérebro. O cérebro dos homens é em média 15% maior e em média 10% mais pesado. No entanto, no cérebro das mulheres as conexões entre os neurônios são muito mais numerosas.
            Que importa o tamanho do cérebro se faltar comunicação entre os neurônios? O que leva a pensar  que falta não  deve fazer uns 10 % a mais de diálogo entre os neurônios masculinos. Quantas guerras teriam sido evitadas  - não é mesmo? -  se as mulheres estivessem nos lugares dos homens,  ou seja, houvesse expressiva melhora na comunicação entre os líderes das grandes nações.

            3.O pulmão. O volume do pulmão masculino é 20% maior que o feminino, ou seja, a capacidade respiratória masculina é maior.
            Se os homens respiram com mais eficiência, isso não lhes serve para muita coisa, eis que chegam mais depressa à morte. Ora, se respirar mais não se traduz em mais tempo de vida, melhor um suspiro na mão (e como elas suspiram!) que dois voando.

            4.Pressão. Por influência dos hormônios femininos, a pressão arterial das mulheres é mais baixa. Depois da menopausa os níveis de pressão se equivalem.
            Já pensou se a pressão feminina fosse um pouco mais alta? Ao que se sabe a única coisa que suporta bem a pressão feminina são suas calças apertadas e suas calcinhas idem. A pressão feminina sempre foi demolidora para os cérebros masculinos, porque sempre vem junto a choro e ranger de dentes. De posse dessa preciosa informação acima se deduz que os homens deveriam se acautelar mais ainda diante de qualquer alteração na pressão de suas companheiras: “Por favor, acalme-se,  vamos dar uma pausa, afinal ainda não é a menopausa.”

            5.Paladar. O paladar masculino é mais aguçado para distinguir sabores amargos e salgados, enquanto as mulheres se saem melhor na identificação dos gostos doces.
            Deve ser por isso que a maioria dos homens demora tanto a compreender o quanto é doce a companhia de uma mulher.

            6.Pele. A pele feminina é dez vezes mais fina e sensível ao toque que a masculina – o que ajuda a explicar a maior propensão das mulheres ao frio e as rugas.
            Vez por outra, os homens se preocupam com as mulheres  para o bem ou para o mal. Para suas rugas, os homens do mal inventaram o botox (que modificou o expressivo e sempre belo rosto das mulheres transformando-os em rostos de estátuas). Já para o frio, os homens do bem inventaram o abraço.

            7. Dor As mulheres são mais sensíveis à dor e por isso a sentem por mais tempo e com mais intensidade que os homens.




                                               





            Isso significa que as mulheres tem mais conhecimento da dor, pois sofrem com mais profundidade. Termina por ser uma de suas maiores virtudes,   pois do sofrimento vem a sabedoria.
            8.Palavra. As mulheres falam muito mais porque tem várias regiões do cérebro relacionadas à linguajem. Elas usam em média 7000 palavras por dia contra 3000 dos homens.
            Se as palavras, como disse Vítor Hugo, são seres vivos, nada mais natural que as mulheres, especialistas na geração de seres vivos durante 9 meses, tenham para com elas, as palavras,  tanta intimidade, tanto traquejo, e tanta necessidade de lidar com as mesmas. Guardar, gostar e tratar de seres vivos é com elas  mesmo, e vai ver que é também por causa disso que elas vivem mais.
                                                                                  ewerton.neto@hotmail.com
                                                           http://www.joseewertonneto.blogspot.com



quarta-feira, 4 de março de 2015

O MELHOR FAROESTE QUE VI ( E QUE NEM ASSISTI)










artigo publicado na seção Hoje é dia de...
Caderno Alternativo, jornal o Estado do Maranhão, hoje, sábado


Qual o melhor filme? Os brutos também amam, O homem dos vales perdidos ou Shane? Na verdade, todos os três, já que se tratava do mesmo filme. Vá lá, a estas alturas os cinéfilos da ilha já relacionaram Shane, o faroeste que ganhou o Oscar em 1954, à sua versão brasileira de título Os Brutos Também Amam (aliás,  bem melhor que  o original), mas será que alguém, mesmo os bons cinéfilos, se lembram de O homem dos Vales Perdidos?

Pois foi com o título de O Homem dos Vales Perdidos que vi um dos  melhores filmes da minha vida - quiçá o melhor - sem sequer tê-lo assistido na tela. Explico: na época em que era pre-adolescente e lia tudo quanto era revista em quadrinhos, de Capricho a Tarzan, Fantasma a Cisco Kid, apareceu uma série de revistas de formato um pouco menor, publicadas por uma editora cujo nome era, se não me engano, Editormex, que reproduziam filmes, com fotos P&B.



                                     



As aventuras destas, claro, ganhavam das demais em maturidade e realismo,  o  que deslumbrava  as crianças como eu que, por essa época, faziam a transição das histórias em quadrinhos para os livros. Os títulos, por alguma razão, não eram os mesmos dos filmes, de forma que só algum tempo mais tarde percebi que as aventuras se referiam, de fato, a filmes famosos nas telas. Por exemplo, as aventuras de Tarzan eram reproduzidas com o título de Antar,  fosse com o ator John Weissmuller ou Gordon Scott. Mas foi,  sem dúvida, O homem dos Vales perdidos  - ou Os Brutos também Amam, ou Shane -  a que mais me  marcou a ponto de ainda hoje acreditar que não haverá filme  assistido no cinema capaz de reproduzir a emoção que a leitura dessa revista me causou,  o que me fez pedir à minha tia para conservá-la numa encadernação com outras cinco, num volume que reli várias vezes  e cujo extravio  hoje tanto me pesar me causa.
            Possivelmente, os felizardos que viram o filme no cinema ou na tevê puderam apreciá-lo de forma equivalente,  e devem ter saído com a impressão de um dos melhores faroestes de todos os tempos, o que não é pouco. Ali estão reproduzidos todos os sintomas típicos de sedução da saga peculiar aos  westerns ; a valentia, a luta do bem contra o mal, a batalha pela sobrevivência num ambiente inóspito só que, neste caso,  acrescidos dos mecanismos existenciais que o tornaram um faroeste único: a paixão de corações brutos, ‘que também amam’;  o extravasamento violento, mas surpreendentemente elegante,  dos sentimentos reprimidos e, sobretudo,  a maior de todas as liberdades que é a da juventude a derivar na idealização de um personagem de contos de fadas, tão real quanto possível: solitário,  misterioso e indestrutível. Enfim, o eterno  mito da valentia generosa, surgida sem onde nem pra onde, e sabe-se  lá porquê.                                                     
Todas essas nuances podem ser percebidas na tela, talvez, porém, quando reproduzidas em fotos sequenciais, como as que estiveram ao meu alcance, adquirem uma dimensão vários graus mais elevada, como se o efêmero das imagens na tela as impedisse de estratificar plenamente no coração do  receptor as sensações de obra de arte jamais concebida. Cenas memoráveis como as do enlevo adúltero da mãe do menino Joey, ao ser  contemplada pelo cavaleiro solitário, na penumbra. Ou o da face da maldade no expressivo rosto de  Jack Palance , ao liquidar num riso sardônico um pobre posseiro, concentram-se nas fotos e dela se apropriam, como se o fantasma do acontecido, (como um orgasmo ou algum outro tipo de êxtase)  pudesse perdurar através da foto infinitamente.



                                                 



            A motivação para escrever esta crônica me veio de um texto lido de Sérgio Augusto, dias atrás em o Estado de São Paulo, quando este se referiu a um livro escrito nos USA, no qual o autor se dava ao direito de fantasiar sobre os finais inconclusos de grandes filmes como Casablanca, ET e o próprio “Shane”. Mas, no caso deste último, a  qual se referia: o da tela, ou o da revista que li?



                                                   
                                               


            Porque o do filme que vi, na revista, jamais poderia ter outro epílogo, ou continuação. Quando o menino Joey grita para as montanhas dos vales perdidos clamando por Shane! Shane!,  e o pistoleiro solitário desaparece no horizonte,  o que está indo embora não é um homem valente apenas, mas as esperanças da juventude repentinamente frustradas na idealização de um sonho irrealizável. Mais ou menos como descrito no célebre soneto As Pombas de Raimundo Correia quando, a reboque do fulgor da juventude os sonhos céleres voam, mas, como diz o verso final e todo mundo sabe,  ‘estes aos corações não voltam mais’.

                                                                                  Jose Ewerton Neto                                                                http://www.joseewertonneto.blogspot.com