artigo publicado no jornal O estado do Maranhão
“Tu
pisavas nos astros, distraída” da música
Chão de Estrelas, de Orestes Barbosa, foi considerado por Manuel
Bandeira o mais bonito verso da língua portuguesa.
O fato de tê-lo escolhido não de um
poema concebido inicialmente para ser apenas lido (como a maioria) sugere que a
escolha de um verso bonito não é tão simples assim e demanda atenção, percepção
e sensibilidades típicas de alguém do ramo, no caso um poeta da envergadura de
Manuel Bandeira.
Talvez
porque a captação da emoção propiciada pela beleza, tal como ocorre na atração
física, envolva submeter-se inicialmente ao impacto do conjunto e, somente no
instante seguinte, aos detalhes que suportam e evidenciam essa atração. No caso
da atração física, a harmonia do conjunto é sucedida pelo êxtase concedido pela
contemplação separada de olhos, boca, postura, etc. No caso da leitura a
repetição raramente é feita fragmentando-se os elementos distintos que compõem
a teia de sedução.
Por isso, ao
indagar-se a alguém pelo poema mais bonito que leu muitos hão de se lembrar de
seu favorito com alguma facilidade, enquanto que à indagação de seu verso
favorito, poucos se arriscarão a uma resposta. Imagino que alguns poemas tornados
clássicos, se destacariam na preferência coletiva, casos de A Canção do Exílio,
de Gonçalves Dias, As Pombas, de Raimundo Correia, Soneto da Fidelidade de
Vinícius de Moraes ou algum poema de Augusto dos Anjos. Outros menos votados
somente surgiriam de uma leitura e preferência pessoal. No meu caso, entre os
brasileiros prefiro A Mosca Azul de Machado de Assis, ainda que o escritor
carioca seja mais conhecido como romancista do que como poeta. Mas, e o verso?
Quantos se arriscariam a dizer?
Certamente
não seria o “escarra nesta boca que te beija”, ainda que coexista muito à
vontade no soneto popular e belíssimo de Augusto de Anjos. Uma nova leitura do
poema Versos Íntimos, focada apenas neste verso, sobrepõe, porém, com nitidez o
fato de que um poema bonito subsiste a não ter sequer um grande verso ou, até
mesmo, versos bizarros como esse. Em a Canção do Exílio, até
surpreendentemente, nenhum verso se distingue sozinho, compondo uma peça
poética que, mesmo sem ser cantada produz acordes nostálgicos de alta vibração,
com harmonia e ritmo tão apropriados à fala que poucas canções chegam perto.
Assim como este não sente falta de um belo verso, versos muito bonitos podem
sobreviver a poemas sofríveis.
Dito isso,
alguém poderia ajudar-me a escolher o ‘meu’ Verso mais Bonito? Lembro, de supetão, de algumas construções dos grandes
de nossa terra que nos deixaram há pouco como “Palavra, escrevo-a nua: água”,
de Nauro Machado ou “Um pássaro preso, mesmo cantando é mudo”, de José Chagas
ou , de mais longe, “Homem livre, hás de
sempre estremecer o mar”, de Charles Baudelaire.
Como não fui
capaz, porém, de escolher um entre
tantos , resta-me a opção de render-me ao talento do poeta pernambucano e
concluir que sim, de fato, o verso escolhido por ele é o mais bonito. Mesmo porque, se não for, ele ainda assim
terá acertado, pois o verso mais belo será sempre aquele capaz de nos postar
extasiados diante de sua sedução, enfim aquele capaz de nos fazer pisarmos nos
astros, distraídos.
José Ewerton Neto é autor de O oficio de matar suicidas
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