domingo, 20 de agosto de 2017

A ARTE DE PISAR NOS ASTROS





artigo publicado no jornal O estado do Maranhão

“Tu pisavas nos astros, distraída” da música  Chão de Estrelas, de Orestes Barbosa, foi considerado por Manuel Bandeira o mais bonito verso da língua portuguesa.
            O fato de tê-lo escolhido não de um poema concebido inicialmente para ser apenas lido (como a maioria) sugere que a escolha de um verso bonito não é tão simples assim e demanda atenção, percepção e sensibilidades típicas de alguém do ramo, no caso um poeta da envergadura de Manuel Bandeira.
            Talvez porque a captação da emoção propiciada pela beleza, tal como ocorre na atração física, envolva submeter-se inicialmente ao impacto do conjunto e, somente no instante seguinte, aos detalhes que suportam e evidenciam essa atração. No caso da atração física, a harmonia do conjunto é sucedida pelo êxtase concedido pela contemplação separada de olhos, boca, postura, etc. No caso da leitura a repetição raramente é feita fragmentando-se os elementos distintos que compõem a teia de sedução.  
            Por isso, ao indagar-se a alguém pelo poema mais bonito que leu muitos hão de se lembrar de seu favorito com alguma facilidade, enquanto que à indagação de seu verso favorito, poucos se arriscarão a uma resposta. Imagino que alguns poemas tornados clássicos, se destacariam na preferência coletiva, casos de A Canção do Exílio, de Gonçalves Dias, As Pombas, de Raimundo Correia, Soneto da Fidelidade de Vinícius de Moraes ou algum poema de Augusto dos Anjos. Outros menos votados somente surgiriam de uma leitura e preferência pessoal. No meu caso, entre os brasileiros prefiro A Mosca Azul de Machado de Assis, ainda que o escritor carioca seja mais conhecido como romancista do que como poeta. Mas, e o verso? Quantos se arriscariam a dizer? 
            Certamente não seria o “escarra nesta boca que te beija”, ainda que coexista muito à vontade no soneto popular e belíssimo de Augusto de Anjos. Uma nova leitura do poema Versos Íntimos, focada apenas neste verso, sobrepõe, porém, com nitidez o fato de que um poema bonito subsiste a não ter sequer um grande verso ou, até mesmo, versos bizarros como esse. Em a Canção do Exílio, até surpreendentemente, nenhum verso se distingue sozinho, compondo uma peça poética que, mesmo sem ser cantada produz acordes nostálgicos de alta vibração, com harmonia e ritmo tão apropriados à fala que poucas canções chegam perto. Assim como este não sente falta de um belo verso, versos muito bonitos podem sobreviver a poemas sofríveis.
            Dito isso, alguém poderia ajudar-me a escolher o ‘meu’ Verso mais Bonito? Lembro,  de supetão, de algumas construções dos grandes de nossa terra que nos deixaram há pouco como “Palavra, escrevo-a nua: água”, de Nauro Machado ou “Um pássaro preso, mesmo cantando é mudo”, de José Chagas ou , de mais longe,  “Homem livre, hás de sempre estremecer o mar”, de Charles Baudelaire.







            Como não fui capaz, porém,  de escolher um entre tantos , resta-me a opção de render-me ao talento do poeta pernambucano e concluir que sim, de fato, o verso escolhido por ele é o mais bonito.  Mesmo porque, se não for, ele ainda assim terá acertado, pois o verso mais belo será sempre aquele capaz de nos postar extasiados diante de sua sedução, enfim aquele capaz de nos fazer pisarmos nos astros, distraídos.

                                                                                              ewerton.neto@hotmail.com


José Ewerton Neto é autor de O oficio de matar suicidas





Nenhum comentário:

Postar um comentário