SOBRE FRUTO FARPADO, de Kyssian Castro
José Ewerton
Neto
...”É esse tipo de sensação que Fruto Farpado, de Kissian Castro, nos provoca”...
Comentar ou fazer a apresentação de uma
obra de arte requer para o sucesso pleno dessa tarefa que algumas peculiaridades
intrínsecas a essa obra sejam apontadas o que nem sempre é possível dada a abrangência
e a intensidade de tudo o que se publicou e se publica. Como seria bom poder
dizer diante de uma obra que “Sim, há algo de novo, jamais dantes visto sob o
sol!”
Sobre essa dificuldade Gilberto
Mendonça Teles em Retórica do Silêncio
esclarece a distinção entre a crítica e o prefácio: (...) Produzido a partir da obra prefaciada, o texto do prefácio não parece,
à primeira vista, diferenciar-se do texto de crítica literária: ambos são
formas de metalinguagem, fazendo da obra literária ou não a sua
linguagem-objeto. Existem, no entanto, diferenças relevantes entre as duas
formas. E o próprio lugar do prefácio tem muito a ver com isso: rigorosamente falando
ele não é feito para ser publicado fora do livro, como se
dá com o texto crítico: o seu lugar é dentro, guardando relações de contiguidade metonímica
com o texto principal, a que remete, num contato bastante íntimo,
principalmente de conteúdo, a ponto de o prefácio às vezes não passar de mera
síntese e funcionar apenas como um aperitivo, isto é um beberete destinado a
abrir, despertar o apetite do leitor. (...)
Pois esse “beberete”, no caso de
tantos livros (e especificamente deste Fruto Farpado
de Kissisan Castro) é facilitado, no meu modo de ver, primeiro pelo deslumbramento diante daquilo
que se lê, vindo somente a seguir, a percepção de haver descoberto o que há de
original na obra, a ponto de se sentir desperto por sensações inusitadas “Fascina-me em particular a forma de crítica
que tenta descobrir um segredo não praticado antes por nenhum outro observador”.
Charles Rouen, músico e crítico
literário.
No caso de Fruto Farpado, a mim ofertado pelo poeta, poupo-me ao trabalho de expressar a sedução que surge diante de
versos como esses a seguir.... Como não ser arrebatado por vozes que dizem!
(...) procurar as
palavras para lhes dar nomes... / palavras colhidas na fúria de palavras sem ideias ...Chegar antes das
ideias. Bouchetiana.
Ou em Gravata (...).
Há um poema em volta de mim, na minha
cola. Afoito, evito aquilo que depois se joga fora.
Ou em Peso
O apuro dos gritos
mastiga meu sono/ e estou só.../ amparado por esse verso mínimo, quase palavra.
Essas vozes destacadas do conjunto é
que distinguem a poesia de Kissian do que comumente se vê em tantos trabalhos. Quando
certas vozes não soam tão vibrantes a ponto de brilharem como independentes de
sua aparente missão de serem coerentes com o título e o conjunto, surgem para o leitor, especialmente
aquele menos afeito ao traquejo poético, como contradições que tendem ao hermetismo
e ao incompreensível. Não se trata aqui apenas da ambiguidade que é própria do
exercício poético, ou ao uso de metáforas peculiares ao gênero, são vozes que no
caso dessas poetas buscam explicação porque caíram fora do silêncio que há
entre a palavra e seu significado, enfim, porque, no caso, o poeta não
conseguiu ser senhor desse silêncio que, durante a leitura, tanto pertence ao
leitor como ao autor quando estão em sintonia.
“A
literatura verdadeira é aquela que se sabe essencialmente linguagem, é aquela
procura de um estado intermediário entre as coisas e a palavra, é aquela tensão
de uma consciência que é ao mesmo tempo levada e limitada pelas palavras, que
dispõem através delas de um poder ao mesmo tempo absoluto e improvável “ Roland
Barthes.
O poema inicial que dá título ao livro,
por exemplo, já anuncia esse traço da poética de Kissian. A ambiguidade
necessária a todo poema não é explícita, mas sugerida, e não surge no todo
monolítico ou através de um título capaz de explicar sua presença na
arquitetura do poema. Tem significados intencionais ao pertencimento do autor, mas
estão disponíveis ao leitor para serem capturados.
(...) o tempo me apalpa cavando fundo/ contudo ergo a cabeça e o azul banha meus olhos.
Assim, Kyssian não é o poeta dos
devaneios, das metáforas e dos sonhos, mas da realidade nua, crua e plural que
se nutre de uma ambiguidade, como sabemos, própria do sentido de vida humano e
de suas perguntas e repostas não equacionáveis - que se interpenetram nos edifícios da realidade.
Como se fosse Kyssian Castro um poeta dotado de lâminas-vivas em forma de
versos para duelar nessa proximidade, que não é a arena da realidade e sequer dos
devaneios. Kyssian foge desses extremos para brandir poemas que pairam em torno
da verossimilhança de quem não busca a beleza escancarada e fotográfica, mas a
beleza que há no silêncio das coisas.
“Poeta
não é o que fala em verso sobre as flores, os animais da terra, as aves do ar,
os peixes, as águas, os capacetes dourados das nuvens ao por do sol. Poeta é o
que expressa, através da palavra as imagens do mundo, exterior e objetivo,
alteradas quando se internalizam no mundo interior e subjetivo de cada homem,
dando-nos uma terceira visão dessas imagens: a visão mágica da realidade. ” César Leal
“Que
alegria então em haurir a palavra do poeta, em sonhar com ele, em acreditar
naquilo que ele diz, em viver no mundo que nos oferece, ao colocar o mundo sob
o signo do objeto, de uma fruta do mundo, de uma flor do mundo!” Gaston Bachelard .
É esse tipo de sensação que Fruto Farpado, de Kissian Castro, nos provoca.
José
Ewerton Neto é romancista, poeta e membro da Academia Maranhense de Letras.