domingo, 27 de novembro de 2022

ERASMO TREMENDÃO CARLOS


 

ERASMO TREMENDÃO CARLOS

 José Ewerton Neto

A juventude é a maior de todas as liberdades. ( Esta frase pontua no epílogo do conto Farol da Juventude do livro Dicionário de paixões cruzadas ).  

O que dizer então dos sonhos, de toda juventude?

Pois foi dos sonhos da juventude  da década 60/70 que faziam parte  aqueles caras, aquele programa chamado Jovem Guarda, aquela sensação de liberdade,  que voava do palco rumo à cabeça dos jovens. E, como o solo era fértil, germinava.

Os caras eram Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Wanderléia e alguns outros. Havia também,  no mesmo diapasão,  os Beatles, mas que viviam distantes, remotamente. Palpáveis para a juventude brasileira, era  aquela turma de cantores. Não importava se fossem feios ou bonitos, rebeldes com causa ou sem causa, de esquerda ou de direita, o que importava era a música que faziam e que fazia vibrar os sonhos embrionários até de quem era pré-adolescente, como eu.

Não importava se fossem repudiados por respeitáveis músicos da MPB, que se  julgavam de superior intelecto. Nem que os jornalistas desse nicho se dirigissem a RC o  epicentro desses cantores,  como “Baixo, subnutrido e cabeludo, assim é o novo ídolo da juventude brasileira”  com má vontade não disfarçada. (Revista Realidade)

Apesar da má vontade foi uma festa enquanto durou. Embora arrebatadores,  os sonhos da juventude fenecem com a mesma,   como disse lá fora John Lennon “ O sonho acabou ”. Por aqui aconteceu em 1967, com o fim da Jovem Guarda.

E foi só então quando deixou  de ser  “o sonho dos jovens  ” que Erasmo Carlos, o Tremendão, percebeu que tinha de rumar em outra direção para ser aceito como o pródigo compositor que já era. Em seu livro Minha fama de Mau - que li e recomendo - Erasmo se refere à guinada que deu à sua vida enveredando para baladas-rock quando Roberto Carlos já tinha  partido para uma pegada mais bolerística. Erasmo conta que vibrou quando aqueles mesmos cantores, que o repudiavam,  afinal o aceitaram a ponto de chorar quando Elis Regina  cantou pela primeira vez uma música sua “Se você pensa”.

A partir dela, a nata dos músicos da MPB se rendeu ao talento  desse ‘gigante de delicadeza”, como disse Bethania, contrariando a sua tal fama de mau, que era mais uma ode ao seu aspecto de guardião do rock, esse rock que adorava desde que originário da Zona Norte era um garoto que como eu amava Bill Halley & his comets  e que o tirou do destino de garoto pobre da Tijuca, para seguir rumo aos palcos da zona Sul , compondo músicas com seu parceiro RC,  até dentro do Lotação.

Poucos dias antes de morrer depois de vencer  o Grammy Latino com o disco a Jovem Guarda é o futuro Erasmo  disse em depoimento que morreria feliz por ter trazido alento à juventude brasileira, ao alimentar seus sonhos. 

 Nessa ocasião soou como ironia os versos de uma de suas melhores musicas que diz “Preciso lembrar que eu existo, que eu existo,  que eu existo...”,   desnecessários no seu clamor  porque, como todos sabem,  aqueles que existiram nos sonhos jovens , como ele, falecem , mas continuam existindo.

terça-feira, 22 de novembro de 2022

A HORA E AVEZ DOS MANÉS

 

E, de repente, como teria dito minha avó, Mané virou doce na boca de tanta gente.

Infelizmente, não como nos bons tempos de glória do  futebol brasileiro. Nos idos dos anos 60  o termo era useiro e vezeiro na boca dos nativos por causa de um gênio do futebol, Mané Garrincha. Então simbolizava vitórias. Mané, esse gênio das pernas tortas que nos trouxe duas copas era um vencedor. E que vencedor!

Atualmente, porém, na boca dessa gente que hoje repete Mané a três por quatro, Mané é símbolo de perdedor, de espezinhado. E essa gente toda  que deprecia  Mané, ou os Manés, parece agir assim porque se considera vencedor. Talvez porque sejam  poderosos, votados, abastados e acreditem que, por isso,  possam ser presunçosos e arrogantes.

O primeiro deles foi um ministro do STF, Barroso,  um vencedor em elevado patamar ( na visão que tem de si mesmo). Foi o primeiro a vociferar : “Não aporrinha  Mané. Você é um perdedor”  Logo a seguir, mesmo com a ponderação de setores da sociedade que acharam demais uma saraivada de tantos Manés saindo por uma boca, foi a vez de Randolfe Rodrigues,  deputado, também poderoso, rico, votado. Também ele achou por bem repetir: “Não amola, Mané. Você é uma perdedora.”  Pobres Manés!

Será que essa gente  - para quem todo perdedor é um Mané e vice-versa, se lembra de que, um dia, existiu um Mané ( Garrincha) que foi muito mais vencedor que todos eles e que foi vitorioso não  pela empáfia e pela arrogância, mas pelo talento?

Certamente que não, mas deveriam aproveitar a proximidade da Copa para  saber mais sobre Mané Garrincha e Manés. Então talvez descobrissem que estão trocando com eles a posição na escala de vitória se a dignidade humana  for o troféu a ser atingido. Perdedores nunca serão cidadãos honestos e que lutam pela subsistência,  mas são aqueles que atiram no ralo a nobreza do cargo que ocupam.

Assim, assistindo aos dribles de Mané e suas jogadas de gênio,  quem sabe pedissem perdão pelos insultos proferidos e dissessem : “Salve Mané Garrincha e todos  os Manés deste Brasil!” 

artigo publicado no site do imirante.com , versão virtual do extinto jornal O estadoma 

quarta-feira, 16 de novembro de 2022

MEU NOME É GAL


 

MEU NOME É GAL

José Ewerton Neto

 

Meu nome é Gal.

Gal é o nome artístico de Maria da Graça Costa, cantora baiana morta semana passada aos 77 anos de idade.

A canção, assim intitulada, sem que seja um primor de composição, sempre me tocou de um jeito muito peculiar. O impacto inicial foi o  da pronunciação do nome curto e acariciante , tendo ao fundo o sotaque baiano com uma voz afinadíssima afirmando que ali estava a moça Maria da Graça querendo dizer alguma coisa de si mesma através do nome ( e da canção, e do seu talento...).

Por que razão então quando soube de sua morte a primeira coisa que lembrei foi dessa música a ponto de, num primeiro impulso, compartilhá-la com os amigos nas redes sociais?

Não sei, não consigo explicar, já que nunca fui um fã ardoroso dessa composição de Roberto e Erasmo Carlos. Lembro  que as canções em que Gal é mais Gal e que melhor a representaram para mim foram  Baby de Caetano Veloso e Folhetim , de Chico Buarque. Nenhum outro intérprete entraria na pele o no osso dessas duas melodias como Gal. Quando em Folhetim ela diz sou dessas mulheres que só dizem sim, no belo  verso de Chico Buarque , está claro que Gal é a única mulher que diz sim , assim  e, por isso mesmo, se inseriu na melodia e na letra mais até do que seu autor.

A cantora Gal Costa tinha certamente esse dom: o de extravasar   certos significados. Nem sempre o seu tom agudo se adaptava a todas as melodias que interpretava  como em Índia, como podiam fazê-lo outras intérpretes de sua época, Clara Nunes, Elis Regina e Maysa,  que talvez tivessem mais domínio daquilo que pretendiam buscar : Clara Nunes, no samba, Maysa, no samba-canção e Elis Regina na MPB pós-João Gilberto...

Mas Gal era uma intérprete cuja especificidade estava em fazer pulsar através da música, aquela mulher meio tímida, sem grandes arroubos, uma moça de beleza comum, que não teve filhos nem grandes romances, reservada, cujo afeto  consigo mesma extravasa na letra título desta crônica, e que ainda hoje soa como se  a moça de então estivesse se apresentando na fila da eternidade apresentando seu currículo e dizendo: “Meu nome é Gal.  Guardem  esse nome.”   

  

artigo publicado no site do IMIRANTE.COM, versão virtual do antigo jornal

o ESTADO DO MARANHÃO

domingo, 2 de outubro de 2022

O INFINITO


 

Artigo publicado no site https://imirante.com ( antigo jornal O estado do Maranhão)

A VERDADEIRA HISTÓRIA DO INFINITO 

 

Desconfia-se que o Infinito,  (que ninguém sabe  se existe de verdade )  só deu as caras pelo mundo quando alguma  questão estava difícil de resolver. O primeiro recurso dos humanos, como se sabe,  sempre foi recorrer a Deus, e quando este começou a dar para trás, foi necessário inventar o Infinito.

Para questões quantitativas os matemáticos  um belo dia criaram  o Coeficiente de Segurança K que passou a aparecer solenemente nas fórmulas quando a equação não fechava. Óbvio que para questões mais abstratas e poderosas os matemáticos não poderiam se socorrer de um coeficiente de segurança e, neste caso, surgiu o Infinito, que deve  ter aparecido na mesma toada: “ Bota um infinito aí na coisa,  e pronto, temos solucionada a questão. ”

O infinito, portanto,  é uma espécie de coeficiente de segurança da ilusão do conhecimento humano.

1.A HISTÓRIA ( Primeira Tentativa )

O problema do infinito e do seu significado para a matemática, a filosofia e a teologia – era discutido havia mais de 2 mil anos. Utilizada por Aristóteles, a palavra grega “apeiron”  era debatida há muito tempo pela sua multiplicidade de significados. Curiosamente ela queria dizer sem limites, incerto, absurdamente grande, mas possuía também uma conotação negativa, correspondente ao caos do qual o mundo se formou, ou, em outras palavras, do incognoscível.

Aristóteles, de fato, via a infinitude como imperfeição. Foi somente no início da era cristã que se identificou o “infinito” ao “Um” divino. Recentemente o papa João Paulo II disse: ”Sem Deus as contas não fecham”,  mas não se referiu ao infinito. O fato é que ambos se tangenciam,  mas é bom não mexer nesse assunto , justamente porque entre Deus e o Infinito ninguém sabe onde termina um e começa outro e não pegaria muito bem botar Deus numa fórmula porque aí sim é que a briga da Ciência com a Igreja não chegaria ao fim.

2.A HISTÓRIA  ( Segunda Tentativa )

Foi o sacerdote e matemático inglês John Wallis (1616-1703) quem usou o símbolo do infinito pela primeira vez na matemática, em 1655. Sobre esse uso  não se sabe ao certo no que Wallis se baseou, mas há argumentos de que a escolha tenha se inspirado no numeral romano mil, utilizado na época como sinônimo de muitos. E sua forma naquele período lembra mesmo o símbolo do infinito: CƆ, um oito deitado, tão conhecido  hoje quanto indescritível.   

3. A VERDADE  ( Terceira Tentativa) Para um sujeito tão complicado assim, como o Infinito, talvez seja mais fácil encarar a sua verdade histórica via poesia. Foi o que tentou fazer, um dia, dia determinado autor em seu livro Cidade  Aritmética:

O infinito, na Matemática / mal consegue disfarçar/ sua sina de impostor / Suas mãos úmidas de estrelas/ ao cravar-se nas fórmulas/da essência dos signos se apropria/ e reluz a insana farsa/ de caber-se no tempo sendo eterno/ na fração sendo infinito./ Pela  soberba , talvez, de sendo tudo/ Imaginar que só lhe basta/Vestir-se do avesso para ser nada.

 

domingo, 21 de agosto de 2022


 

VOCÊ NÃO PASSA DE UMA ILUSÃO

 

José Ewerton Neto, publicações aos sábados no site imirante.com 

 

Sim, caro leitor,  você é uma ilusão. Nosso eu é uma ilusão, não passamos de ilusões. E nem estou me referindo à vida humana, essa de quem, com muito maior razão, já se desconfiava “A vida de alguém é a soma de suas ilusões” já dizia Henry James.

Estou me referindo a esse Eu, que todo mundo pensa que é e que, agora, a ciência desmente como apenas um conceito, dissociado da realidade. Como diz o neurocientista Daniel Dennet em seu livro “A perigosa ideia de Darwin”.  Ele atesta, assim como outros especialistas, que a mente humana é apenas uma constante sucessão de ideias, lembranças, sentimentos, disputa por atenção etc. que passa por nossa consciência, de forma não linear. Para ele a forma de dar sentido a esse turbilhão é dizer que há um Eu que está experimentando, ou no comando de seus pensamentos. Mas esse eu unificado é apenas um conceito, portanto, um impostor.  

Para ilustrar essa realidade pode-se imaginar o seguinte diálogo entre um homem e seu espelho, ao  perceber que, dentro da moldura, a imagem o encara fixamente, como se estivesse viva e fosse outro ser. O homem, intrigado, pergunta àquele que julgava ser apenas a  réplica de si mesmo.

 

- Quem é você?

- Eu sou você.

- Nada disso. Você é apenas a minha imagem. Eu sou eu.

- Não se iluda. Eu sou você.

- Idiota! Se você for eu, quem, afinal, eu sou?

- Uma ilusão. Somente isso e mais nada , meu caro.

- Ah, quer dizer então que eu como, bebo, respiro, transo, posso te mandar à puta que pariu agora mesmo e,  mesmo assim,  eu não sou eu. Enquanto que você, sem corpo e sem vida, por trás da lente de um espelho é a minha pessoa...

- Eu pelo menos sou sua imagem. Você  nem isso, simplesmente é uma fantasia criada por você mesmo.

- Essa é boa! Vejo que você pretende me tirar do sério. Quer dizer que sequer uma imagem eu consigo ser, ou ter?

- Claro! Basta pensar. Daqui a um segundo você já terá outra imagem. Eu poderei ser sempre sua imagem atualizada, basta vir até a mim. Já você, ao sair daqui, pensará  que sua imagem ainda será a mesma de agora, esquecido de que esta já se tornou outra, envelhecida pela passagem de mais um segundo.  E, assim por diante, uma sucessão de rostos se deteriorando até morrer.

- Peraí. E meu pensamento?

- Seu pensamento é uma soma de sensações que você teve,  imitou dos outros ou lhe impuseram, portanto, nada exclusivo seu.

- E meu relógio? Meus pais? Meus genes? Minha carteira de identidade?

- Não são seus. Você os tem apenas provisoriamente.

- Nada existe então de meu? De minha pessoa?

- Nada, você é pó, e ao pó retornarás, lembra? Já eu não. Hoje sou você, amanhã posso ser outro, mais outro. Pelo menos sou uma imagem. Valho mais que você.

- Miserável! Vou te matar criatura, seja lá quem você for.

- Vamos lá, pegue uma pedra atire em minha direção e me quebre. E assim perderá a oportunidade de continuar vendo  a ilusão que você é. O resto é memória. Quando fica.