artigo publicado na seção Hoje é dia de...Caderno Alternativo,
jornal O estado do Maranhão, hoje, sábado
“A felicidade pode ser comprada.
93% dos brasileiros afirmaram para uma pesquisa de consultoria da Skandia International, Revista Isto É, desta semana, que com um salário de 23 mil teriam a
felicidade”.
Encontraram-se
no réveillon do Copacabana Palace, no Rio. A princípio, Solinei não quis
acreditar.
-
Você por aqui?
É
que Solinei, empresário bem-sucedido na ilha, não podia esperar que Vicente
tivesse grana para estar ali, como ele, torrando-a num dia de Reveillon. Foram colegas de escola no segundo grau de um
colégio pobre. Na última vez em que o vira, coisa de cinco anos atrás Vicente lhe
causou até constrangimento quando veio cumprimentá-lo: sabia-o um funcionário público modesto, dirigindo um Fiesta
velho, comprado sabe-se lá como.
-
Sou eu mesmo, Solinei. Estou aqui com minha família.
Solinei
procurou em vão. Vicente apontou para um grupo adiante.
-
Estão lá. – Solinei engoliu em seco. Eram
mais de quinze pessoas.
Conversaram.
Solinei , a princípio, quis se livrar da
incômoda companhia de Vicente, mas morria de curiosidade em saber de onde
Vicente tirara tanta grana. Na verdade, Solinei começou a sentir-se frustrado. (Uma de suas alegrias era mandar publicar nas colunas sociais dos
jornais da província que podia pagar o
réveillon do Copacabana Palace). É como
se a presença de Vicente por ali
desmentisse esse poder. Conversaram, trocaram idéias, as confidências iam e
vinham embaladas pelo uísque que corria à solta. Lembraram dos velhos tempos de
escola, mas Solinei perdera a
espontaneidade e, sem uma razão definida, não conseguia se alegrar. Havia algo de doentio na presença de Vicente, mas
Solinei não conseguia abandoná-lo. Como
se estivesse contaminado.
-
Mas, você está feliz? – perguntou, de repente, Solinei.
Vicente
hesitou
-
Bem...Tenho que estar não é? Eu paguei para isso.
Solinei
interpretou aquilo como uma indireta. Ficou triste. Lá fora os fogos de
artifício começaram a ribombar no céu. Era fogo para todo lado, um espetáculo
tão bonito quanto inútil, mas a droga, agora, é que Solinei , não conseguia se
livrar da incômoda pergunta a si mesmo sobre o que estava fazendo ali. “Merda, para que
serve, ao final, tanta palhaçada, tanto
fogo de artifício por causa da passagem de uma
noite que, ao final de contas, é uma noite qualquer?” “ E por que eu
tenho de estar eternamente ao lado do
mesmo bando de panacas: Peruas encarquilhadas e bestalhões buxudos e arrogantes?”.
Solinei começou a se sentir mal.
-
Está mesmo gostando disso?
-
Bem..Vicente hesitou – Preciso estar não é? Eu paguei para isso.
Solinei
percebeu que aquela resposta já havia sido dada. De
repente, tudo se tornara muito vago, estranho, vazio. Queria se
livrar da presença definitivamente incômoda de Vicente que lhe fazia sentir-se tão mal. Procurou pela jovem esposa, ao longe, mas ela parecia
indiferente , junto a um grupo carioca que ele não conhecia. Estranho!
-
Vicente, passei a vir de São Luis para
cá desde que comecei a ter grana sobrando.
Como você sabe ganho bem mais de vinte e três mil por mês – falou com orgulho, fitando Vicente de cima para baixo. No começo dessas festas achava tudo uma grande
tolice, um bando de panacas enfeitados, mas acabei me acostumando. A gente se acostuma,
não é?
Vicente teve um pressentimento.
-
Toma mais um gole, Solinei. Brindemos à felicidade!
-
A felicidade? Que felicidade, Vicente?
-
Aquela que se pode comprar, Solinei.
Solinei
julgou ter entendido : “ Aquela que eu finjo que compro todo fim de ano e , agora, ele também”.Levantou
de um salto. Vicente se interpôs entre ele e sua intenção. Não foi suficiente: Solinei
era mais forte e o empurrou. Vicente chamou os seguranças. Vicente é que parecia agora nervoso, fora de
si.
-
Segurem-no, não o deixem ficar só.
Os
seguranças demoravam a chegar, os vizinhos
acudiram e seguraram Solinei tentando demovê-lo de algo que não sabiam o que
era. Vicente explicou:
-
Ele pode fazer a besteira que quiser, pode até se matar, mas não hoje. Se hoje não
conseguiu felicidade tem dinheiro para comprá-la
de novo amanhã, depois ou o dia que
quiser. A minha não, só vale para hoje, custou-me muito caro e ai de quem me impedir de gozá-la até o
fim.