quarta-feira, 22 de agosto de 2018

OS SANGUINÁRIOS TAMBÉM AMAM



PINTURA DE HITLER

artigo publicado no jornal O estado do Maranhão




O poder desumaniza as pessoas?  Há alguns anos, cientistas começaram a estudar as formas como o poder  afeta o cérebro humano. Eles descobriram que o poder faz com que as pessoas se tornem mais impulsivas, menos conscientes dos riscos e menos capazes de ter empatia pelos outros. As consequências em termos de gravidade são equivalentes a danos cerebrais.
             “O poder não modifica as pessoas, apenas mostra o que elas são”. Esta frase, sábia e conhecida, significa que existiria todo um potencial de vaidade, arrogância, empáfia e até mesmo crueldade inata ao ser humano, prestes a ser revelada desde que surjam condições efetivas para isso.
            
            Essas reflexões vêm a propósito do que li recentemente em revista científica revelando que alguns ditadores, causadores de grandes atrocidades, foram também capazes de momentos de afeto e bondade, aparentemente inconcebíveis no imaginário construído a respeito de suas biografias. Por exemplo, Hitler não foi sempre o homem que ordenou a morte de milhões. Eduard Bloch, o médico da família do alemão, era judeu. Hitler ficou tão agradecido pelo cuidado que ele teve com sua mãe, que colocou a família do homem sob  proteção do governo em 1938 e acelerou sua emigração para os Estados Unidos.
            Stálin também,  enviava regularmente limões a sua esposa. Fazendeiro,  plantou limão toda a sua vida. Seus filhos achavam que ele era “mais suave” que a mãe, e seus sentimentos por sua esposa não eram teatro político. Quando Nadya cometeu suicídio, Stalin ficou tão perturbado que teve que ser vigiado para não fazer o mesmo.
            Igualmente, muitas dessas “feras” tinham pendores artísticos. Hitler foi um pintor obstinado embora mal sucedido. Recordo também que na juventude travei conhecimento com a poesia de Mao Tse Tung. Impactado pela descoberta, levei-a ao saudoso Erasmo Dias que, entusiasmado, avalizou como, de fato belos, os poemas do ditador chinês.





            Muammar Gaddafi foi outro poeta e escritor  que escreveu uma coleção de contos. Outro ditador artista foi Saddam Hussein, com seu romance “Zabiba e o Rei”, uma trama romântica num contexto de aventura. Aliás, os guardas que vigiaram Saddam ficaram muito tristes com a sua morte, tal a empatia com ele estabelecida no convívio final. Tudo indica que estes homens “humanos, demasiadamente humanos” talvez não levassem a pecha de sanguinários  caso  não tivessem sido guindados ao poder.
            Nestes dias de eleições e de caça ao poder, em que tantos se digladiam e o tom de ataques recíprocos atinge níveis de virulência elevados, nunca é demais lembrar que o poder não é um mal em si, o mal é se deixar seduzir pelo mesmo e tornar seu exercício, “desumano, demasiadamente desumano”. Isso acontece com os destruidores de esperanças tão logo assumem o poder, como, por exemplo, na Venezuela, o execrável Nicólas Maduro.   


José Ewerton Neto é autor de O entrevistador de lendas




sexta-feira, 10 de agosto de 2018

TODA BELEZA É TRISTE





artigo publicado no jornal O estado do Maranhão



Ao longo de minha vida adquiri muitos livros que hoje compõem o que se poderia chamar de uma modesta biblioteca,  senão no tamanho pelo menos na qualidade.
Esse indescritível deleite se reveste de um dom especial  quando, vez por outra, entre os inúmeros livros que guardei , me deparo com a satisfação propiciada pela descoberta de um grande autor, até então desconhecido para mim , resgatado num sebo qualquer ou em alguma livraria desconhecida e pobre.
            A arquitetura dessa magia se instala mais ou menos assim: um autor incógnito que oferece o seu texto a preço de banana me acenando das páginas do livro, insinuando justificar as inúmeras horas que passo à procura. Aqui a fascinação é a da garimpagem em busca do tesouro escondido. Os tantos livros que vim a adquirir, portanto,  ficam por conta dessa virtual atração: “Como posso deixar de levar uma fortuna oferecida a  um preço tão baixo? Isso é um crime que não posso cometer comigo mesmo!” E, assim, se amontoaram livros e mais livros a ponto de não haver lido nem metade do que gostaria.
            Essa  impossibilidade faz com que, vez por outra, eu tente privilegiar alguns, colocando-os  na categoria dos próximos a ler, relevando os demais a uma leitura fortuita sabe-se lá quando. Eis que, mais por acaso do que por pertencer a alguma lista de preferência,  deparei  semana passada  com o Livro Beleza e Tristeza de Yasunari Kawabata. Ao averiguá-lo, foi como a reedição de um novo achado, pois não tive a menor lembrança de onde e quando o adquiri.









 Reli então a orelha e descobri a possível razão de tê-lo trazido. Primeiro, o título, de uma singeleza arrebatadora porque traduz uma verdade pouco lembrada: a de que é difícil haver beleza plena sem um toque de tristeza, ainda que mínima, ou vice-versa. Mas, além disso, a fascinação pela capa com uma gravura japonesa e a alegoria de um perscrutador mistério.  
            Yasunari Kawabata, seu autor, ganhou o prêmio Nobel em 1968 e suicidou-se em 1972. 









A história por ele  narrada, comum, torna-se fascinante pela sua forma de condução da narrativa,  sublimando as paixões intensas que descambam para um desenrolar trágico previsível , ao sobrepor um tom de contemplação estética que suaviza o quadro de opressiva tristeza , pela introdução, inclusive nos diálogos, do êxtase em face da beleza  física ou artística, no caso,  mais desejada que verdadeira . 
            Uma obra-prima, de leitura gratificante e, portanto  imperdível , mas que , por isso mesmo,  veio me rechear das duas  sensações sugeridas pelo título do livro:   de Beleza, pelas obras-primas de autores para mim desconhecidos e que guardo em minhas estantes; e de Tristeza por saber que, por mais que me dedique ao exercício de uma leitura intensa  jamais conseguirei ler a todas.

José Ewerton Neto é autor de O ofício de matar suicidas




domingo, 5 de agosto de 2018

ENTREVISTANDO LENDAS






Nesta edição de fim de semana o jornal O estado do Maranhão publica entrevista com José Ewerton Neto sobre A Lenda do Olho D'Água que estará na próxima edição de O entrevistador de Lendas,
cuja primeira edição está esgotada.

A lenda do Olho d'Àgua mereceu crônica do autor, abaixo.




1.A LENDA DO VIRA-PORCO

Foi na São Luís de outrora, de ruas mal iluminadas, clareadas apenas pela lua e raras fogueiras. Seres esquisitos apareciam do escuro e, avançando sobre os desavisados, os punham para correr nas noites de sexta-feira e de lua cheia. Ninguém duvidava de que certas pessoas haviam adquirido o dom de se transformar em porcos.  No dia seguinte às aparições, bastava uma aparência um pouco mais esquisita para ser logo apontado como um vira-porco em potencial na boca do povo. Certamente, se já houvesse então jornais como hoje, toda essa gente bizarra que se vê nas fotos das colunas sociais teria sido promovida a  vira-porco.
            Acontece  que  ruas mal iluminadas e mal cheirosas eram constantes na cidade de então como diz Domingos Vieira Filho no seu livro Ruas de São Luis “Quanto à limpeza das ruas as autoridades municipais sempre viveram em luta aberta contra os moradores. A rua, nessa época, era lugar para tudo. Nela torrava-se café e estendia-se roupa lavada. Era rio de águas servidas, amontoado de animais mortos, de lixo em suma. “
            Não é de admirar que num ambiente desses, os vira-porcos tivessem meio caminho andado. Quem sabe,  o porco já existisse antes até do humano. Não seria razoável acreditar  que o horror que causavam estivesse mais no fedor  que exalavam do que na aparência em si?
            Nunca se saberá a resposta, mas o fato é que a transformação arrefeceu com o tempo e, hoje, só aparece pros lados dos subúrbios, assim mesmo em forma de cachorro ou de touro, como no Quebra-Pote. Sinais dos tempos. Sendo Touros podem ganhar uma estadia de graça na Expoema e sendo cachorros, uma vaga no desfile de pet da TV Mirante.








2.A LENDA DO OLHO DÁGUA.

            Aconteceu na faixa de praia que hoje corresponde ao bairro do Olho D`água. Uma bela índia, filha do cacique Itaporan enamorou-se de um fogoso índio e era por ele correspondida. Enquanto as núpcias não aconteciam o jovem apreciava banhar na praia defronte, quem sabe para esfriar o fogo de seu ímpeto. Tudo ia bem até que uma mãe d`água, metade peixe , metade mulher-,  botou também o olho no índio e logo enfeitiçou  o rapaz. (Nesse triângulo amoroso  o que não faltava, portanto,  era índio, água e olho). Mal olhado ou não, o certo é que a sedutora mãe d`água levou o rapaz para o fundo do mar e este nunca mais apareceu.
            Os rivais do índio  apressaram-se a explicar que o desaparecido não passava de um aproveitador e, em tempos de escassez de comida, deve ter se aproximado da mãe d`´agua para comer primeiro  de sua metade peixe e, de sobremesa, de sua parte mulher, numa competição muito desfavorável para a filha do cacique.  Para estes, o oportunista continuou vivo em algum palácio no fundo do mar num banquete pra homem nenhum botar defeito, comendo ora peixe, ora mulher, ou os dois ao mesmo tempo.


O certo é que a indiazinha não suportou seu destino inglório e logo morreu de desgosto. Tantas foram as  lágrimas que elas continuaram a jorrar de seus olhos mesmo depois de morta, gerando uma nascente de lágrima abundante que corre para o mar até hoje.
            Lágrima ou água? Sendo comprovadamente lágrima  é melhor acreditar que a índia continua revoltada, porém, muito mais  com a  CAEMA,  que hoje cobra de seus descendentes pelas lágrimas de sua nascente como se fosse água.


            Esse pessoal tira proveito até das lágrimas de uma índia!


José Ewerton Neto é autor de O entrevistador de lendas