sábado, 25 de julho de 2015

CARROS DE LUXO ( COMO COLECIONAR)




Artigo publicado na seção Hoje é dia de...
Caderno Alternativo, jornal O Estado do Maranhão, hoje sábado.


E, de repente, não mais que de repente, como diria o poeta, esta Nação se tornou um paraíso para os colecionadores. Isso mesmo, para os colecionadores. Mas não de coleções manjadas tipo livros, selos, flores, garrafas de cachaça, camisa de time etc. Coleções como essas existem em todo lugar e estão accessíveis a qualquer povo. Num país amado por Deus, como nosso povo se gaba, as coleções têm de ser  especiais, espetaculares, originais. E bote especial nisso
            As pessoas só passaram a atentar, um pouco tardiamente, para esse fenômeno quando a seleção de Felipão começou a colecionar gols ao inverso, vamos dizer assim. Ou seja, não na área adversária como sempre foi muito comum, mas na sua própria. Isso foi apenas a premonição do que viria pela frente, uma vasta saga de coleções brasileiras de tudo que é insólito: escândalos de corrupção, (coleções típicas de deputado e empresário); férias na cadeia (coleções inerentes a mensaleiros);  delações premiadas (executivos da Petrobrás); negação de culpa (ministros e presidentes) etc. etc. isso sem contar as coleções menos nobres, de gente menos favorecida. Para essas: coleção de fugas da cadeia via túnel (prisioneiros); manifestações (qualquer grupo de mais de dez pessoas); enchentes e desabamentos( desvalidos de qualquer ordem). Enfim, neste Brasil de hoje cada um faz sua coleção como quer e como pode, mas o fato é que ninguém deixa de ser um colecionador.
            Porém, de todas as coleções possíveis segue agora um resumo daquela que á mais chique, mais luxuosa e mais exuberante de todas: a de carros luxo. Isso para que, num esforço de utilidade pública, forneçamos ao leitor algumas dicas de como chegar lá.

            Como colecionar carros de luxo




                                          






            Carro de luxo, você sabe, não é para qualquer um. Se você nasceu no planeta Terra, é mais fácil sua mulher já ter lhe botado chifre com um ET (acabaram de descobrir um planeta semelhante, o que faz aumentar essa possibilidade) do que um de seus habitantes  juntar dinheiro para comprar um.  Imagine colecioná-los! A não ser que você seja um marajá, desses que nasceram de rabo pra lua, nadando em cima de poços de petróleo Mesmo assim, para ter uma coleção!... só se você morar no Brasil e possuir algumas qualidades inatas. Não basta, por exemplo, ser poderoso, até para presidente da república, a coisa é complicada. O presidente do país mais forte do mundo, Barack Obama, por exemplo, não consta que tenha algum carro de luxo na garagem de sua casa. O príncipe da Inglaterra, idem, a rainha brasileira da Suécia, também.  Enfim, coleção de carro de luxo não  é para qualquer um.

            Porém, se você nasceu no Brasil e, mais especificamente, em Alagoas, e, ainda por cima  for político, pode acreditar que seu mapa astral pode estar se movendo na direção de sua almejada coleção. Imagine que você não seja ainda marajá, mas se intitule caçador de marajás. 




                                                






Além disso, é impetuoso, cínico, inescrupuloso, capaz de montar uma farsa atrás de si, com o apoio de interesses poderosos, inclusive da rede Globo. E se candidata a presidente. Ganha a eleição, o que não é pouco provável num pais, digamos assim, feito para farsantes.
            A coisa melhora ainda mais, se o farsante, no caso, fizer um péssimo governo, meter os pés pelas mãos, ou em palavras mais exatas, meter a mão no dinheiro de pessoas honestas, humildes aposentados, etc. Brigar com a mulher, e praticar macumba são apenas dons inerentes a quem se predestina a esse fim. A coisa aparentemente (só aparentemente) ameaça ir por água abaixo quando o sujeito sai escorraçado do próprio palácio do planalto.

            O infortúnio surge como um aprendizado e o predestinado agora está pronto para se dar bem. Embora expulso da presidência ressurge com a maior cara de pau. Reelege-se, á aplaudido, ganha a confiança de antigos amigos e inimigos (no poder não existe isso), instala o expressivo nariz nos negócios da Petrobras e, agora, de posse da grana usurpada, começa a mandar bala: uma Ferrari, um Lamborghini, um Porsche, um  Kia , um Toyota, um Mercedes, um Citroen, um Cadillac, um Hiunday, um Honda, um Land Rover...e um Rolls Royce . E ainda sobra para um Gol,  que deve ser o carro do cachorro.  O homem tem tanto carro de luxo que se um dia for autuado (o que é pouco provável) vai se esconder em um deles. Vão demorar tanto tempo procurando que sua condenação terá prescrito.




                                       





            Aprendeu como colecionar carros de luxo, caro leitor? Certo, você não se chama exatamente Fernando Collor de Mello, mas já aprendeu como é fácil. De complicado, você só precisa encontrar gente que vote em você. Ora, desde que você tenha dons semelhantes aos de Collor, acredite, neste país não será difícil.
                                                                                              ewerton.neto@hotmail.com
                                                           http://www.joseewertonneto.blogspot.com


sábado, 18 de julho de 2015

A PRECISÃO DE UM HAIKAI




Artigo publicado na seção Hoje é dia de...
Caderno Alternativo, jornal O estado do Maranhão, hoje, sábado


Dalton Trevisan, um de nossos mais consagrados escritores atuais, disse que gostaria que seus contos tivessem a precisão de um hai-kai. Por isso aprimorou-se em fazê-los curtíssimos, mas, sei não, acho que precisão parecida a de um hai-kai só esteve perto de conseguir quando, referindo-se ao romance Grande Sertão, Veredas, de Guimarães Rosa, disse que nunca tinha visto uma história de travesti tão inverossímil quanto essa. De fato, uma mulher fazendo-se de homem, no meio de cabras machos do sertão, sem que ninguém desconfiasse....

            Mas, voltando ao hai-kai, foi o saudoso Erasmo Dias quem, na minha juventude, chamou-me a atenção e explicou pela primeira vez do que se tratava: um poema curto, originado do Japão no qual se tenta sintetizar com poucas palavras um máximo de sentimento. É composto de 17 sílabas, formado por três versos de 5, 7 e novamente 5 sílabas, sendo derivado da tanka, por sua vez um poema de 31 sílabas do qual se descartam as ultimas 14 sílabas. “É muito difícil, mas quando se consegue é perfeito”, disse. E deu-me um exemplo: “Ganso, ganso selvagem, com que  idade fizeste tua primeira viagem?”, que é de autoria de Issa, um dos três maiores (os outros são Bashô e Buson)”. Poema tão ‘preciso’ que  resume  em dez palavras tudo o que se poderia dizer sobre a contemplação da natureza  contraposta à fugacidade de nossa existência.

            Para Octavio Paz “o hai-kai assume um compromisso ainda maior e, fundamentalmente estimulante, de certas reações implícitas em palavras que despertem o sentido de uma chave”, o que soa bastante coerente com o objetivo implícito, citado acima, de precisão, eis que uma chave não pode ser jamais imprecisa, ou inexata. Contudo, essa precisão, no caso, não deriva da ação, mas surpreendentemente, da reflexão e da contemplação, no que tangencia a filosofia, já que o hai-kai precisa ser compreendido em conexão profunda com o budismo-zen. Blyth, um dos mais agudos tradutores do hai-kai , afirma que “se dizemos que o hai-kai é uma forma de zen-budismo, não quer dizer que afirmemos que o hai-kai pertença ao zen, mas sim que o zen pertença ao hai-kai.




                                             





 Por isso o hai-kai e o zen-budismo acabam sendo sinônimos, compreendendo-se que este é, em última instância,  a norma suprema da vida”.

            ‘O verdor do verão foi tudo o que restou dos sonhos dos guerreiros mortos’, era outro hai-kai, de Bashô, também muito apreciado por Erasmo que o recitava, mais de uma vez, comovido. Mais tarde o descobri, também,  numa tradução de Olga Savary: ‘Relvas de verão, sob as quais os guerreiros sonham’,  



                                                           
uma adaptação provavelmente mais aproximada do original em japonês, que Erasmo apenas tornava mais didática, digamos assim. Anos mais tarde, estando em Fortaleza, e recebendo do amigo Jorge Tufic, poeta amazonense radicado no Ceará, seu livro de hai-kais do qual guardei esta preciosidade “Pétalas de mim cultivo num  jarro velho, que já  foi jardim“ tivemos oportunidade de comentar em como o ato de pensar e refletir foi relegado na vida atual em favor do abrir-se de boca, cada vez mais alto e sem a menor compostura possível, nas redes sociais, na televisão e no convívio social.  Enfim, ao inverso dos hai-kais.

            Ser ao mesmo tempo filosófico e contemplativo e, além disso,  alcançar precisão e singeleza, eis aí tarefa que, na execução de um poema, seguramente não é pra qualquer um,  mesmo os grandes poetas, que, apenas esporadicamente se atrevem a produzi-los. E, no entanto, a grande dádiva dessa forma de escrever poesia parece ser ensinar-nos  que o melhor do talento está na simplicidade. Sem carecer de artificialismos linguísticos ou estudos elaborados, tendo discernimento, espírito e oportunidade  pode ser reconhecida até na carroceria de um caminhão. Como o que  li semana passada:

            Pouco faz uma  presidente
            que faz pouco  de sua gente”.

            Não tem quase a precisão de um hai-kai?

                                                                       ewerton.neto@hotmail.com

                                               http://www.joseewertonneto.blogspot.com

sábado, 11 de julho de 2015

DESCONFIE DE SUAS VERDADES






artigo publicado na seção Hoje é dia de...
Caderno Alternativo, jornal o Estado do Maranhão, hoje, sábado

Jamais acredite piamente nas verdades que você aceita como definitivas, mesmo aquelas que aparentem origem científica. Como por exemplo:

1.O homem é o único animal gay.

Quem diz isso precisa parar de olhar tanto gay se beijando na novela das oito,  e se dar ao trabalho de observar os múltiplos gays  da vida selvagem e natural. A ciência fez isso, e catalogou mais de 1500 espécies que praticam o homossexualismo, entre mamíferos, anfíbios, insetos e...até vermes, o que significa  que, caso se escolhesse um membro de cada espécie numa rua de São Paulo, daria uma parada gay de fazer inveja às outras. Já pensou a  bicharada toda, (sem trocadilhos),  reunida na  Av. Paulista? Ao invés da habitual e manjada turma de cantoras lésbicas, poderíamos ter, com vantagem, um gracioso cisne negro na linha de frente do desfile. 


                                  


Como se sabe,  25 % dos cisnes negros preferem indivíduos do mesmo sexo para serem seus parceiros ao longo da vida.

2.O homem veio do macaco.

Calma, não pule de alegria em sua cadeira! Se você é criacionista, rejeita a ideia de ter vindo de um símio, e nunca se observou no espelho para constatar o quanto é parecido com um gorila, não se alvoroce porque a ciência concluiu que, de fato, o homem não veio do macaco. A coisa é muito pior! Certo, você não veio do macaco, mas, com certeza, é parente dele porque as duas espécies, o homem e o macaco, vieram de um ancestral comum, o elo perdido, como chamam. Ou seja, se você ficava puto da vida por seus antepassados terem sido macacos, saiba que seu venerado tetravô pode muito bem ter sido uma mistura de homem com macaco. Algo parecido com um Faustão.  Já pensou?

                                    



3.Cabeça grande não é sinal de inteligência.

Se você morria de tristeza por acreditar que sua pouca inteligência era decorrente de sua cabeça pequena, agora saiba que você é burro porque é burro mesmo.  Ou seja, cabeça grande nunca fez ninguém ficar mais inteligente. Se fosse assim, o hipopótamo seria 44 mil vezes mais inteligente que a abelha que, comprovadamente, é animal superinteligente, tanto assim que na sua comunidade quem manda é a abelha-rainha, de governança muito mais salutar para o seu povo do que, por exemplo,  a governança da mulher-sapiens-presidenta em sua Terra Brasilis. (Não é isso mesmo, senhores súditos?).

4. O homem é o único animal racional.

Logo se vê que quem disse isso estava longe de ser racional. O homo sapiens sempre foi mestre em subestimar as habilidades cognitivas  das outras espécies cuja inteligência fica tão evidente quando se mostra, por exemplo, a capacidade de um bonobo (parente do chimpanzé), denominado Kansi , que aprendeu nada menos de 400 palavras com a pesquisadora americana Sue Savage. 


                                      



Esse  primata consegue até formar frases e conjugar verbos, ao contrário de muita gente tida como racional na sociedade brasileira cujo único verbo que aprende a conjugar na vida  é o de corromper. Cachorros, por exemplo, fazem planos para o futuro melhores, por  exemplo, que os recentes do PT para o Brasil. Elefantes ficam de luto quando morre algum amigo ou parente, mostrando mais consciência solidária do que alguns deputados, que se movem até em defesa de assassinos com menos de dezoito anos. Já certos corvos conseguem até se reconhecerem no espelho, ao contrário de certos humanos, como Felipão ou Suzana Vieira. Quem é mesmo o racional? 

5.Napoleão Bonaparte era baixinho.

Napoleão não era nada de baixinho. Tinha 1,68m, portanto bem maior que Jean Claude Van Damme ou Lionel Messi. Na época, então, sua altura era bem razoável, Mas, porque a fama de baixinho pegou e não desgrudou? Vai ver que isso se dava porque era frequentemente visto pelo povo à frente da Guarda Imperial francesa, cheia de  brutamontes. Outra razão para essa fama pode ter sido causada pela maledicência dos rivais ingleses, quando, então, a propaganda britânica não parava de ridicularizar o “pequeno corso”. Baixinho ou não, Napoleão parecia não se importar com isso, muito menos a tropa de amantes que ele tinha.


                                          




 Se Rui Barbosa, que era baixinho de verdade, dizia para os seus gozadores internacionais que na sua terra os homens se mediam do pescoço para cima, Napoleão podia muito bem responder aos ingleses que na sua terra os homens eram medidos da cintura para baixo e que,  desse jeito, “le jour de gloire est arrivé”.  

                                                                       ewerton.neto@hotmail.com
                                               http://www.joseewertonneto.blogspot.com


sábado, 4 de julho de 2015

CAPITU ( A PRIMEIRA ENTREVISTA)




texto publicado na seção Hoje é dia de...
Caderno Alternativo, jornal o Estado do Maranhão, hoje, sábado


A primeira entrevista de Capitu está abaixo. Sim, ela mesma: Capitu, a ambígua heroína de Machado de Assis, aquela do eterno “botou chifre no marido  ou não?”.
            A necessidade de reproduzi-la  ( já que foi publicada neste jornal  em 20/09/2008), advêm  de o escritor Mario Prata estar lançando um livro de entrevistas com  personagens do passado. Talvez Capitu esteja no seu livro, como estaria no meu, que se  chamaria Entrevistas com seres improváveis.
            Mario Prata, um de nossos melhores cronistas, claro, não tem culpa se alguém lá nos confins do Maranhão teve uma ideia parecida, deve ter tido mais tempo, talento – e quiçá- disposição e, assim, concluiu o livro que, ainda não li,  mas já gostei. Porém, antes que um dia alguém me acuse de plágio, registro que a primeira entrevista que alguém um dia ousou fazer com Capitu foi  essa. Ei-la:

            - A que devo sua visita, senhor?
            - Sou seu fã, há muito tempo.
            - De mim?
            - Sim, todos os leitores de Dom Casmurro são seus fãs, a senhora é um grande mistério na literatura.
            - E veio de tão longe por causa de um mistério? E, ainda por cima, da literatura?
            - Não é somente pelo mistério. É mais que isso, creia. Seus olhos oblíquos, de ressaca, parecendo uma epilepsia do mar. É uma fascinação tão grande!...Não sei como explicar.




                                                      





            - Vai dizer que se apaixonou por mim, um mero personagem.
            - Sim, como todos.
            - Correspondo à sua imagem?
            - Sim, é assim mesmo que eu  lhe via. Foi desse jeito a imagem que me ficou. Dia, após dia...
            - O senhor parece nervoso.  Gostaria de entender. Não passo de uma pobre personagem, de um grande escritor. O que quer de mim? O que todos querem de mim?
            - Na verdade...
            - Ah, já sei... A pergunta de sempre. Está em seus olhos.
            - Não me leve a mal, por favor. Não gostaria de ofendê-la.
            - Vamos lá, crie coragem. Pergunte se eu fui mesmo adúltera e satisfaça sua curiosidade mórbida. Todos querem me perguntar isso: a humanidade, o sol, o mar, a eternidade. Ninguém quer saber de mim, da mulher que eu personifiquei. Dá a impressão de que só valho por um potencial adultério, e não pela mulher que fui. 

                                               

                                                  


            - Não perguntarei mais. Isso pouco importa. Basta-me estar em sua presença, tê-la visto.
            - Mentira! Não seja hipócrita, faça seu papel. Pergunte, pois você sabe tanto quanto eu que foi para isso que veio.
            - Que assim seja,  dona Capitu. Acho que é hora mesmo de acabar com isso, com todo esse dilema. A senhora traiu Bentinho, ou não?
            - Quer mesmo que eu lhe diga?
            - Por favor!
            - Leia o livro ainda uma vez. Depois  repita, dez, cem, mil vezes. Você encontrará sempre a mesma Capitu. Todos sabem quem eu sou, o que fiz,  o que deixei de fazer, está muito claro. Façam teses literárias, especulem, deliciem-se com a minha sina, provoquem discussões estéreis e ainda serei a mesma Capitu, com o espírito eternamente sem paz por causa disso.  Mas a humanidade é mendiga de mistério e fofoca, não é mesmo? Até com personagens literários.  


                                               





            - Mas...que devo concluir?
            - Vejo que não entendeu e não entenderá nunca. Volte para casa e continue o mistério. Não tenha dó de mim, estarei sempre ponta para servir à imaginação do meu autor, para isso fui concebida por ele. Assim como Judas talvez tenha sido apenas um servo de Deus para trair Cristo, eu apenas sou sua serva para enredar-me na especulação sobre uma traição. Que o mistério permaneça para sempre à custa da pobre Capitu. Isso é sonho! Isso é literatura! Isso é romance!
                                                                                              ewerton.neto@hotmail.com
                                                                       http://www.joseewertonneto.blogspot.com