Acreditem o homem-celular, ou o celular-homem (porque é mais
celular do que homem) chegou mais cedo do que se esperava. E no Brasil.
Um detento, após uma saidinha de 7 dias, ao retornar à cela na
Colônia Agrícola Penal de Florianópolis foi flagrado por um scanner corporal
com 10 celulares e 52 objetos no estômago. Entre os 52 objetos estranhos havia
cabos USB, chips etc. e ainda sobrou para isqueiro e drogas. Diante de tanto objeto
bizarro encontrado no estômago do rapaz de 24 anos a atendente se confessou surpresa por haver encontrado, do
lado de fora do estômago, um prosaico umbigo.
Pode-se dizer que algo nesses moldes já era esperado pela
comunidade científica, eis que o homem-celular foi anunciado há algum tempo pelos
especialistas como um produto inevitável da evolução da AI (inteligência
artificial). O comportamento da sociedade nas filas, nas missas, nos
casamentos, nos auditórios e no consultório médico (os médicos, bem mais que os
pacientes) já apontava para isso. O que espantou foi o inusitado fato de o
primeiro objeto dessa mutação ter se apresentado como uma loja ambulante.
Independente da intenção real isso demonstra, segundo os psicanalistas, um
anseio da população para se transformar em máquina, inclusive engolindo celulares
para acelerar esse processo.
O fato é que, após a cirurgia, o nosso homem (talvez ainda
possamos chama-lo assim) foi entrevistado e passa bem, mas ao preencher a ficha
surpreendeu a atendente demonstrando aquilo que ela imaginou, a princípio, como
sendo alguma perturbação mental.
- Está se sentindo bem?
- Sim
- Alguma necessidade imediata.
- De carga. Estou descarregado.
- Como? Não entendi.
- Por favor, me conecte logo.
- Hum! Há algo errado aqui.
Ainda se lembra do seu nome?
- Nome? O que é isso? Procure o meu código.
- Por favor, senhor, lembre o nome de seu pai então.
- Pergunte para a operadora.
- Idade?
- Veja o prazo de garantia.
- Família?
- Androide.
Diante do estado do homem a atendente convocou a assistente
social e, daí, os psicólogos, que optaram por diagnosticar uma possível contaminação
cerebral a partir dos celulares depositados por tanto tempo no estômago. Como a
ficha precisava ser encerrada a atendente pediu a ajuda da assistente social
para encerrá-la.
- Senhor, seja objetivo e tente se concentrar. O senhor tem
consciência de que não é mais um ser humano e está agindo como um celular?
- Não faço ideia, mas isso não interessa. Estou com fome.
- Claro, iremos providenciar. Que prefere? Temos sopa de feijão
e batata fritas com suco de laranja.
- Não quero isso. Por favor, se não trouxerem de volta pelo
menos dois celulares ao meu estômago
morrerei de fome.
José Ewerton Neto é autor de O ofício de matar suicidas