sábado, 27 de dezembro de 2014

2014/ 2015 ( DISCURSOS DE POSSE E DESPEDIDA)





Artigo publicado na seção Hoje é dia de...
Caderno Alternativo, jornal o Estado do Maranhão, hoje, sábado

2014: DISCURSO DE DESPEDIDA




                                                






            “Não  serei hipócrita a ponto de dizer que foi legal. Não direi como os políticos que fiz o melhor que pude, nem como a presidenta, que nada vi, nem como Felipão que era assim que tinha que ser. Direi simplesmente que se o ano não foi melhor a culpa não foi minha.
            Sei que irão me amaldiçoar como um dos piores anos, afinal de contas, perder de sete a um, dentro de casa, em tempo de Copa do Mundo, é um ultraje e uma vergonha.  Respondam-me, porém: que culpa tive eu se o técnico que vocês escolheram,   e idolatraram,  é uma besta? (Todo arrogante é uma besta, certo?) Sim, mas, que culpa tem esse  besta, se sempre encontrará ingênuos para o idolatrarem, como os gaúchos que o chamaram, de novo, para técnico? Ora, os grandes bestas de sempre são aqueles que escolhem seus próprios vilões, como vocês, quando votam.  
            Que queriam que eu fizesse, por exemplo, ao fim do meu mandato para impedir que os deputados aumentassem seus próprios salários, como se já não bastasse os mensalões a que se dão o direito? Que eu poderia fazer para evitar isso? Mais fácil admitir que os prejudicados o fizessem, mas, onde as manifestações de rua, onde os revoltados, nas ruas, reclamando? Claro, manifestações indignadas nesse país só acontecem quando existe mídia por perto. 




                                           





Quem vai se manifestar no fim do ano? Assim é o vosso espírito: primeiro os comes e bebes, as festas,  e só quando a falsa alegria passar é que  vem a indignação. E eu é que levo a culpa de ter sido um ano ruim.
            Despeço-me pedindo  que não esperem do ano que chega que faça milagres, leiam mais, aprendam mais, trabalhem mais, e se isso lhes satisfaz ponham mais uma vez nas nossas costas toda cuipa pelo que de ruim aconteceu.”



2015: DISCURSO DE POSSE




                                                   

                                                




            “Não começo o meu discurso e minha jornada  como os políticos fazem,   colocando na conta do que se foi, 2014 as agruras  pelas quais passaremos. Meu compromisso é com a verdade: o ano será difícil, muito difícil, botem as barbas de molho, aliás,  não só as barbas como seus mais míseros pentelhos: a coisa não vai ser fácil. Vai subir preço de água, luz, cerveja, viagra e feijão. Anuncio também que já chegarei com Dengue, Dunga e Chikungunya. Querem pragas maiores que essas? Alguém de vocês já se preocupou em saber,  ao menos,  o que significa Chinkungunya?
            Claro, por enquanto estão mais preocupados em se divertir, encher a cara e a barriga. Eu os pouparia dessas saudações ridículas e de foguetes na minha chegada. Melhor fariam se estivessem se prevenindo para as enchentes quando eu mandar as chuvas e para a seca, quando eu mandar o sol. Previno-os que se acautelem para não serem surpreendidos, mas não por mim. Serei o mesmo tempo de sempre: com verão, inverno, outono e primavera, o mesmo céu, as mesmas nuvens, e as mesmas trovoadas, caminhando do mesmo jeito. Mas se acautelem, sobretudo,  de si mesmos, muito mais que no ano passado: previnam-se das doenças, das duplas sertanejas, do BBBrasil,  dos mensalões, dos motoqueiros, do imposto de renda, dos bilhetes da mega-sena, dos médicos cubanos, das mensagens de fim de ano etc.
            Finalizando, já que falei das pragas, que aprendam agora, pelo menos, o que significa CHICUNGUNYA. 





                                                  





Chico o quê? (Não, nada a ver com Chico Buarque, embora depois que tenha começado a escrever também tenha virado uma praga). O Chikugunya, como diz o caboclo, tem mais cara é de Xiiiii!...Que agonia! Perdoem-me o trocadilho infame do caboclo, mas não quero chegar ao final do ano conhecido como o ano do Xiii!... Que agonia! Façam por onde, por favor!”
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sábado, 20 de dezembro de 2014

CONFRATERNIZAÇÕES: SALVE E SALVE-SE



Artigo publicado na seção Hoje é dia de...
Caderno Alternativo, jornal o Estado do Maranhão, hoje, sábado


O fim de ano chegou e, com ele, as confraternizações. É confraternização que não acaba mais: do setor onde  se trabalha, do departamento onde se trabalha e da empresa,  onde se trabalha. Da igreja (sua e da  mulher  - o que  nem sempre coincide), do clube do bairro, do time de futebol, dos amigos de infância  e do condomínio. E ainda tem gente fazendo do Mês de dezembro também o mês das noivas e dos casamentos. Já pensou?
            Enfim, é como se você disputasse um campeonato de confraternizações, cujo primeiro  turno são as do trabalho,  o segundo são as extraprofissionais , até culminar na disputa final , que chega no Natal, com direito à grande prorrogação: o Reveillon.  Se você vai ser campeão ou não, nunca saberá, mas chegará facilmente à conclusão de que foi um vencedor. Você não havia prometido que  mudaria como pessoa a partir do próximo  ano? Pois é, você agora será  outro: estará mais gordo.
            Não há como  evitar, contudo,  aquela sensação de “salve as comemorações!”,  não havendo outra saída senão tomar algumas precauções para se salvar. Eis algumas essenciais:

            1.A bebida é de graça, mas nem tudo é graça.

            Certo, a empresa paga a bebida, afinal de contas, precisa dar a impressão universal de que se todos não são iguais perante o uísque, pelo menos são  diante da cerveja Schin, mais barata.  O problema é o excesso. Entende-se como excesso ( mais ou menos quinze minutos depois do início da festa),  fazer de conta que já se está bêbado o suficiente para chamar o garçom de meu chefe. Ao final da festa , contudo, o conceito de excesso terá evoluído tanto a ponto de não   se considerar excesso chamar o chefe de meu garçom.





                                                      







            2.Falar mal também é de graça, mas...

            Falar mal, como todo trabalhador sabe, é o passatempo preferido de qualquer organização, imagine em festa de fim de ano! A gerente de RH, por exemplo, que sempre pareceu com a Graça Foster, da Petrobrás, agora com essa  maquilagem, que lhe destaca o olho esquerdo,  está mais parecida com o  Nestor Cerveró . Já a nova secretária da presidência  que parecia a Anitta antes das cinquenta plásticas agora está mais parecida com a Suzana Viera , sem botox e photoshop. E assim por diante...                                              


            3.É bom “segurar”  o strip-tease.

            Certo, tudo vai terminar em strip-tease, mas é de bom som, não antecipar. Como seria bom se a mulherada procurasse se comportar, inspirada na velha lei do poeta do “que não seja inacessível posto que é mulher, mas espere pelo menos estar duro”, mas não é isso o que ocorre. A questão é que elas, que se sentem verdadeiros aviões nesses dias, já querem aterrissar arrasando. Da estagiária do recém-criado departamento da Transparência, até a assessora do financeiro todas estão irreconhecíveis. “Quem é aquela de calcinha verde transparente, não é a mulher do Renato?” “Que nada, rapaz, aquela é a namorada do Gumercindo!” “Já atentou bem para a tatuagem sexy na coxa dela?” “Cara, agora estou reconhecendo. É a vagabunda da minha ex- mulher. Conheço bem a tatuagem”




                                                






            4.Subir na mesa, só para a Diretoria.

            Subir na mesa é uma aventura que muita gente tenta a partir do quinto copo, mas nem sempre é muito seguro. A primeira tentativa nessa direção, geralmente malsucedida, é de um monte de braços de um monte de gente em direção a um pedaço de picanha. Lá pelo meio da festa a tentativa é do filhinho do Carlão, operário-padrão da companhia. Fazer Carlinhos, de 8 anos, pular em cima da mesa, por incrível que pareça, foi a única opção encontrada pelos pais  para  mantê-lo quieto. Vai daí que quando o presidente sobe na mesa para fazer o discurso ninguém estranha. Primeiro porque essa é a única opção de escutá-lo, segundo porque é a única de derrubá-lo. O pior é que a toalha da mesa é incapaz de deslizar,  as tentativas dão em nada  e o jeito vai ser ter que escutá-lo até o fim.                                               


            5.Sensualizar é permitido, mas...




                                                 




            Inibições superadas a partir do sétimo copo, dançar virou o esporte preferido de todo mundo. O diretor presidente dança com a recepcionista, o chefe de segurança dança com a avó de alguém e sua mulher com um dos garçons. Até a moça do cachorro-quente do portão da fábrica, que apareceu sem ter sido convidada, está ensinando cacuriá para um gringo. Tão animados ficam que são poucos a perceber que Mirtes, a médica da empresa, com fama de sapatão,  não está apenas dançando com um dos enfermeiros,  mas transando. “Ah, se eu fosse médica e sapatão”,  lamentam as menos afortunadas.


            6.A difícil hora de ir embora.

            Várias razões existem para que se adie a hora prevista de ir embora: cerveja no balde e gelada, o chefe animado e, melhor que isso, bêbado. Já faz algum tempo que a frase mais escutada em todo canto é: “Traz mais uma saideira”, inclusive no meio do discurso de um vereador sindicalista, descoberto meio por acaso, em uma das mesas. Já que ninguém vai embora mesmo, a decisão de debandar só acontecerá por motivo de força maior (e bote força maior nisso!). Como, por exemplo, a Hilux do diretor presidente que acaba de achatar no  estacionamento , o fiat uno de Brandão, operário do setor de despachos, que é DJ nas horas vagas e que abrilhantou a festa. “Pode deixar que eu pago o som!”, diz o diretor. “Como só o som? E o meu carro, chefe?” “Problema seu, Brandão. Quem manda surripiar o uísque da diretoria e vir tomar escondido, justo  no caminho da Hilux do seu diretor? Feliz Ano-Novo e estamos conversados”.

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sábado, 13 de dezembro de 2014

O CHORO DE DILMA, VERSÃO ZÉ DA ROSCA



artigo publicado hoje, seção Hoje é dia de...Caderno Alternativo,
jornal o Estado do Maranhão, hoje, sábado.


Dois pesos, duas medidas, palavras semelhantes ,em duas histórias que, aparentemente,  nada têm a ver,

História 1:

            Dilma Roussef, a presidente do Brasil, reconhecida heroína da luta contra o regime militar, no ultimo dia 10 recebeu da Comissão da Verdade o relatório final.
            (Comissão da Verdade? Não soa estranho  esse nome de Comissão da Verdade? Será que existiu ou existirá, algum dia, uma Comissão da Mentira? Vai ver que a escolha do nome deu-se porque no Brasil, onde existe tanta comissão de mentirinha, essa teve que se pré-anunciar da verdade, ou de verdade, para ter credibilidade).
            Pois bem, ao receber o relatório final, Dilma Roussef  a nossa heroína da luta contra o golpe militar disse: “Nós que acreditamos na verdade, esperamos que esse relatório contribua para que fantasmas de um passado doloroso e triste não possam mais se proteger nas sombras do silêncio e da omissão”. Muito emocionada, Dilma chorou ao dizer que o Brasil merecia conhecer a verdade sobre a ditadura militar. “Sobretudo”, continuou ela,  “merecem a verdade aqueles que perderam familiares e parentes e que continuam sofrendo como se eles morressem de novo e sempre a cada dia”. Em voz embargada, teve de interromper o discurso por causa do choro, enquanto era ovacionada, com justiça. 

  
História 2:




                                         






            Esta outra história, que agora segue secundando a primeira, teria de ser completamente diferente, até mesmo porque só se parece com a primeira nas palavras e no choro, não nos personagens:
            A primeira história tem uma heroína reconhecida e idealista, alguém que venceu na vida, sendo eleita pela segunda vez presidente, mesmo quando a corrupção campeou na empresa mais forte e mais simbólica do patriotismo empreendedor brasileiro, mostrando-se uma mandatária que não reconhece erro nos seus auxiliares próximos, mesmo quando estes são acusados e delatados. À Dilma, jamais ocorreria chorar por Zé da Rosca, alcunha de Jose Felisberto Patriota (de patriota só tem o nome, e de feliz menos ainda)  modesto operário que aplicou todo o seu FGTS na Petrobrás e já perdeu mais da metade do dinheiro que guardou a vida inteira, porque meliantes aconchegados ao poder um dia resolveram meter a mão na sua grana, honestamente conquistada.
            Pois Zé da Rosca, de fato, não tem nada de herói. É mais um pobre brasileiro, sua história não é de luta armada, mas a de luta pacífica debaixo de trens, de viadutos, construindo plataformas em alto mar.  Zé da Rosca também sabe chorar, não consegue controlar suas lágrimas quando isso acontece pela perda do trabalho de toda uma vida, aplicado na Petrobrás, por influência da propaganda do Governo. ( Não é que Zé da Rosca  aplicou 25 % do seu FGTS na Petrobrás quando isso tinha limite e depois todo o restante,  no Pré-Sal, demonstrando uma ingenuidade maior que os estrangeiros que aplicaram seu dinheiro na Petrobrás? A diferença é que os gringos vão botar a Petrobrás na justiça, e pelas leis internacionais serão ressarcidos.   Zé da Rosca, porém, coitado, a quem vai reclamar se os que estão mandando no governo e no  partido da presidente, juram que nada aconteceu?)




                                                     





            Eis que Zé da Rosca, depois que o seu dinheiro virou cinza hoje acompanha todos os dias o noticiário sobre as ações da Petrobrás. Foi aconselhado por alguém, mais  entendido nessas coisas, a esperar. Está tal  e qual aquele Pedro Pedreiro da música de Chico Buarque: esperando, esperando, esperando trem... que nunca vem. “Não tira seu dinheiro agora Zé, não vale a pena, já que virou cinza, espera pelo menos virar pó”, disse – lhe o amigo.  
            O certo é que, forçado pelas circunstâncias, Zé da Rosca politizou-se um pouco e estava, no mesmo dia 10, perto de uma manifestação de rua, quando foi surpreendido por um repórter, que lhe perguntou a opinião sobre o que está acontecendo na Petrobrás. Zé da Rosca não  se deu por achado, precisava mesmo reclamar para alguém da perda dos seus anos de trabalho por causa dos ladrões de terno e gravata e acabou dizendo: “Nós, que acreditamos na verdade, esperamos que o relatório final das investigações contribua para que fantasmas de um presente doloroso e triste não possam mais se proteger nas sombras do silêncio e da omissão.”





                                                 






            O repórter se surpreendeu com a fala parecida com a da presidente: “Fantasma, você quer dizer...?”
            “Isso mesmo, o tal do Cerveró não parece um fantasma com aquele olho no canto da boca?”, respondeu Zé da Rosca. “Tem que ser preso. Ele e mais uma penca.”
            Muito emocionado, Zé acabou chorando em frente às câmeras e, ao dizer que todos mereciam a verdade  sobre o episódio, com plena punição aos culpados,  prosseguiu à la Dilma:
            “Sobretudo,  merecem a verdade todos aqueles que perderam o dinheiro com que ajudariam familiares e parentes,  e que continuam chorando cada vez que se ouve mais uma história do roubo sem fim na Petrobrás”  Com a voz embargada, quis continuar, mas não conseguiu. Ao contrário do que aconteceu na primeira história, não foi ovacionado e nem se sabe se alguém riu.
            Os personagens das duas histórias, portanto, são muito diferentes: o peso, a medida, o choro e a repercussão.  Mas as palavras...
            Por que se parecem tanto?
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sábado, 6 de dezembro de 2014

ILHA DE SÃO LUIS; ESCOLHA A CATÁSTROFE




artigo publicado na seção Hoje é dia de...
Caderno Alternativo, jornal O Estado do Maranhão, hoje, sábado


Livre pensar, é só pensar”, escrevia o humorista Millor Fernandes. Com um pouco mais de otimismo ou pessimismo, o certo é que nossa sina de seres humanos nos dará sempre catástrofes a escolher. (Isaac Asimov, o escritor e cientista,  escreveu Escolha a Catástrofe oferendo variadas opções de fim de mundo).




                                                           





            Em relação à nossa querida ilha, por exemplo, baseado no que se vê, o leitor poderá escolher as suas, ou poderá adaptar o otimismo (ou pessimismo) do cronista, simplesmente ajustando o passar de anos. Fácil, não?

            1.Daqui a 10 anos se levará uma manhã inteira para ir de qualquer bairro ao centro, devido ao trânsito congestionado. Ao chegar, uma tarde inteira será necessária, por sua vez, para se estacionar um carro. Não haverá vagas. Onde havia antigos estacionamentos estarão  uma placa de proibido, um guarda, um cone, ou vinte motos. Uma multa voará por perto em algum lugar. Sem outra  alternativa a visita ao Centro ficará para depois, depois e depois...
            Com isso:
            As lojas comerciais que sobraram na Rua Grande e arredores estarão ou  fechadas ou vazias,  porque sem clientes, claro, não haverá vendas. Na periferia, ninguém lembrará ou saberá onde fica o centro da cidade. O circuito de divertimento preferido de todo mundo será Bairro-Shopping e vice-versa. As instituições públicas que há doze anos ainda  permaneciam no Centro terão se transferido para outros lugares. João Lisboa será muito mais uma estátua, perdida no meio de fumadores de crack,  do que uma praça.

            2.Daqui a cinco anos os grupos  mais disputados de bumba-boi desfilarão no São João com uma penca de índios seminus fazendo gatimonhas  em número maior que as índias. (olha aí o começo da catástrofe!). E  dançarão e rebolarão cantando músicas sertanejas de Luan Santana e Gusttavo Lima, adaptadas  ao ritmo de bumba-boi  (Eis a hecatombe!)





                                                     





            3.Daqui a 8 anos,  os edifícios que invadiram a praia da Ponta D’Areia e a transformaram  numa pontinha de areia , avançarão por todo o litoral da ilha. São Luís passará a ser  melhor  definida como  uma ilha cercada de edifícios por todos os lados e duas ou três lagoas de água salgada. (O que só dará para ser visto através dos condomínios de edifícios – isso  se os síndicos permitirem) . Sem planejamento ambiental ou urbano ou qualquer ordenação que caracterize o mínimo de respeito à população ou à  natureza , os são-luisenses , terão direito, contudo, a alguns metros cúbicos de água salgada dessas pequenas lagoas fazendo flutuar um festival de cocôs -egressos dos edifícios mais próximos. 




                                                            





            Com isso:
            O calor será progressivamente cada vez maior e insuportável porque os edifícios obstruirão totalmente os ventos que sopram do mar em direção ao continente. São Luis terá uma população em permanente estado de fusão (confusão, também) comprimida  e barulhenta. Estará em vias de ser considerada  a cidade de maior calor humano do mundo, porque sua população estará naturalmente com febre. E à beira de um ataque de nervos.

            4. Daqui a quatro  anos,  o Sampaio Correa ainda estará disputando a Série B, mas, definitivamente incorporado à mesma, estará disputando a final do campeonato com o Flamengo,  que terá sido rebaixado  pela ruindade continuamente aprimorada  do seu time. O estádio do Castelão estará lotado, mas a maioria dos torcedores se esgoelará mais pelo time do  Rio (isso é que é catástrofe!) do que pelo time de casa.




                                                        





            5.Daqui a nove  anos,  os buracos de rua estarão incorporados definitivamente à paisagem natural da ilha. Incapazes de tapá-los nas esporádicas e cada vez mais raras operações tapa-buracos, sempre na véspera do período eleitoreiro, os administradores da cidade chegarão à conclusão de que São Luís tem uma população definitivamente adaptada aos buracos e, além disso, muito compreensiva em relação à sua proliferação, tanto assim que parou de reclamar faz séculos.




                                                           






 Tão integrados estarão os buracos ao cotidiano da cidade que um brilhante vereador lançará a ideia de interliga-los com a rede subterrânea de Pedrinhas, construída dia após dia, noite após noite,  com o know how profundo (bote pro fundo, nisso)  dos presidiários. Que continuarão fugindo de lá todos os dias.
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sábado, 29 de novembro de 2014

JUVENTUDE




artigo publicado na seção Hoje é dia de...
Caderno Alternativo, jornal o Estado do Maranhão, hoje,
sábado


Juventude é uma palavra do tipo das que evocam algo que todo mundo sabe o que é, mas que, quando chamados a explica-la, ninguém consegue fazê-lo perfeitamente.  Mais ou menos como tempo, infinito, amor, etc.   Causa espécie, portanto, que existam países ou estados que adotem em suas funções públicas órgãos como Secretarias da Juventude, ou Ministérios da Juventude. Qualquer  dia vão inventar o Ministério do Amor, porque o da Felicidade, esse já existe ( na Venezuela, creio).  Ora, como haver uma secretaria direcionada a  algo que não se sabe exatamente o que é? Onde começam as atribuições  e onde terminam?



                                                    





            Admitindo que isso seja um esforço,  meritório , diga-se de passagem, dirigido a uma faixa etária da vida da população, carente de assistência, como determinar com precisão essa faixa? Outro dia li um artigo da BBC News , reproduzido pela Internet em que psicólogos britânicos chegaram à conclusão de que a adolescência não era mais a mesma, e sua vigência deveria se estender  até os 25 anos.  Se isso for verdade, onde começaria a juventude, hoje? Ou será que acabou? Tento imaginar a confusão na definição das atribuições peculiares a um serviço que não sabe exatamente a quem  se dirige. Tanta dificuldade teria tudo  para  gerar uma carga adicional que certamente ocuparia pelo menos um ano de serviço dos funcionários desse órgão: “a definição do para que e para quem  estamos aqui”. Há de se formar comissões,  seminários ,  estudos e pesquisas e eis que, com isso,  se arranjou o que fazer em pelo menos um ano de atividades bastante pródigas em direção a...A quem mesmo?





                                                  






            Uma  outra questão de conteúdo menos pragmático e mais filosófico,  talvez seja  a de natureza ética, digamos assim. Ora, porque uma predisposição direcionada a promover melhorias no bem-estar da juventude e não da infância ou  da velhice – sabidamente mais necessitados? Não estaria havendo aqui uma espécie de discriminação contra os menos dotados de vida e  saúde , disfarçada sob o eflúvio de uma sedução benfazeja que sempre acontece quando se usa o termo juventude? Como se sabe nem os velhos gostam de serem chamados  de velhos, mas, seria função dos governos dourar suas realizações em termos dessa  expectativa ou efetivá-las, independente de faixa etária?  Na verdade, tudo fica mais vago quando, para definição do que se pretende ( ou do que não se pretende),    os governos se apropriam dessas palavras que abrangem muito mais que exprimem. Deve soar mais bonito um ministério ou uma secretaria da juventude que uma da velhice, mas é sempre bom lembrar o risco instalado quando se recorre ao que  tanto pode dizer tudo como absolutamente nada,  para que o desempenho final não seja tão vago como as palavras que os inspiraram. 




                                                





            Apenas para não perder de vista o mistério que é a juventude, um esforço do cronista com uma ajuda inicial de Jean Cocteau para lembrar o que poderia ser, o que não é, o que nunca será,  essa tal de juventude, em singelas tentativas:
            1.”A juventude é uma conquista da maturidade”. Jean Cocteau

            2.Juventude é aquela fase da vida do ser humano que ele nunca sabe exatamente quando começa; sabe menos ainda enquanto permanece; e faz questão absoluta de jamais saber quando termina.

            3.A vida de um ser humano é aquilo que sobra,  depois da eternidade de 4 ou 5 anos de juventude.

            4.A juventude não existe. Para os jovens porque não aprenderam o suficiente para vivê-la. Para os velhos porque não têm vida suficiente para apreendê-la.

            5.Onde está a juventude?. Na vida moderna se passa diretamente de criança adultificada para adulto infantilizado.

            6.A juventude não é uma época, uma estação para pessoas com pouca idade, mas um encontro , independente da idade, de alguém com seu próprio deslumbramento.”




                                               




            7.A juventude é uma viagem que você fez por pouco tempo , em uma época imprecisa, a um corpo e  alma de alguém, que tinha uma capacidade surpreendente de fingir que era você.

                                                                       ewerton.neto@hotmail.com                                                                                 http://www.joseewertonneto.blogspot.com

sábado, 22 de novembro de 2014

NOMES, HIDRAMIXES E SOBRENOMES



artigo publicado na seção Hoje é dia de...
Caderno Alternativo, jornal o Estado do Maranhão, hoje, sábado


O que, afinal de contas, existe entre o indivíduo e a palavra que o nomeia? E esse nome, pertence a essa pessoa, ou o inverso é mais verdadeiro? E a partir de quando e até quando?
            São perguntas, cuja solução até agora ninguém, mesmo os especialistas, ousaram decifrar ou pesquisar. Por isso mesmo, não convêm cavoucar o vão misterioso dessa interface  que evoca questões jamais solucionáveis, do tipo: Que teria sido do Rei Pelé, sem o apelido, que o consagrou? Será que teria se tornado rei do futebol houvesse adotado para ídolo o  nome próprio, Edson Arantes do Nascimento, mais apropriado, aliás,   para síndico de condomínio ou gerente de  supermercado? Suas jogadas de craque reverberariam  na voz dos locutores com a mesma empatia de quando gritaram “Gol de Pelé”? Como  todo mundo sabe a questão do nome na trajetória do maior jogador de todos os tempos foi de tal maneira crucial que o próprio Edson Arantes do Nascimento  logo se distinguiu do ídolo Pelé, por vontade própria a ponto de se referir ao mesmo como se fosse outro.  E assim tantos, etc. etc


                                                 


            Sendo essa, a meu ver, a problemática fundamental inerente ao ato de nomear um indivíduo. Antes mesmo de se dar um nome a alguém já existe no âmago dessa procura, a questão do outro, a busca de alguém especial,  cujo nome ressoe capaz de incorporar ao vindouro  uma identidade mais nobre que a do destino que se lhe anuncia.  Nas classes desfavorecidas deste Brasil,  então, o costume de doar a um filho um  nome original e inventado,  perpassa toda a esperança de um título diferenciado, capaz de distingui-lo do ambiente que o cerca. (Como se fosse um título de nobreza jamais visto). Por isso, sempre achei lamentável a prática  de se ridicularizar esse costume popular , especialmente nos ambientes intelectualizados e universitários, enquanto a criação de neologismos, na literatura, é supervalorizada . Ora, por que o ato de inventar um nome próprio é sempre piada de segunda, e os neologismos de Manoel de Barros ou Guimarães Rosa são considerados, sempre, a quintessência  da arte?
            Poucas vezes, na ficção ou na realidade, essa ‘angústia’ do nome foi exposta de forma tão contundente quanto na reportagem do escritor e publicitário Nelin Vieira, divulgado na imprensa maranhense anos atrás. Nelin Vieira, cujo faro jornalístico para detectar preciosidades do comportamento humano que vão do tragicômico ao bizarro em questão de dois minutos ou três parágrafos, descobriu em sua cidade, São Mateus, um personagem que queria se chamar e já se intitulava Hidramix Rios-Raios-Paraíso Di-Forças Hahlmeixeixas Hinfinito. Ele, o personagem em questão, borracheiro, humilde de formação, chamado João de Deus da Silva, de repente, passou a abominar o nome de batismo e quis cognominar-se HIdramix, etc. e tal, passando – que coincidência! -  necessariamente por infinito, palavra cuja presença, em seu  nome de fantasia,  por si já é uma insinuação, um significado  e um clamor. Precisava que João de Deus explicasse a causa? Se precisasse,  a reportagem, ( cujo assunto mereceu, em janeiro de 2001 crônica do escritor José Sarney a respeito publicada  no jornal A Folha de São Paulo) exibia as palavras de João de Deus/Hidramix mostrando a motivação pré-anunciada: “Pretendi sair do anonimato, tornar-me um ser diferente, um novo alguém , fugir desse João de Deus da Silva que todo mundo é nesta cidade”
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            Muito mais poderia ser dito e investigado a respeito desse tema, houvesse espaço nesta crônica. Para os que querem conhecer mais, não só de Hidramix (ele existe e é real) como  desse portentoso painel de seres especiais, exposto no livro O centésimo emprego de seu Lelé Bristol


                                                         





Nelin Vieira estará relançando o seu interessante livro - que expõe a face desfocada de seres comuns, a meio caminho entre a realidade e o sonho para destacar o que possam ter de mais humano e ao mesmo tempo sobrenatural e perene  -  em São Mateus, dia 29 deste. Lá estarão todos os personagens dessa imensa galeria: Hidramix, Chico Fumaça, Lelé Bristol etc. Por sua vez, para os que se mostram curiosos com a problemática do tema levantado acima, à guisa de investigação, aponto o trabalho deste cronista em seu trabalho de Pós-Graduação em jornalismo cultural, 2008,  A invenção de nomes próprios: algo mais do que um mero costume. Será arte?, em http://www.cambiassu.ufma.br.




                                                       




            Portanto, aos que tiverem o privilégio de  visitarem São Mateus nesse dia festivo, além do acesso ao livro, de quebra, a possível solução de uma das questões: Terá João de Deus da Silva encontrado seu Hidramix, ou ainda estará à procura?
                                                                                  ewerton.neto@hotmail.com

                                                           http://www.joseewertonneto.blogspot.com