sábado, 26 de abril de 2014

SÃO LUIS AVANÇA: DE BURACOS A TÚNEIS



Artigo publicado na seção Hoje é dia de...Caderno Alternativo,
jornal o Estado do Maranhão, hoje, sábado


Houve tempo, nem tão remoto assim, em que nesta cidade reclamava-se pra valer dos buracos nas ruas. Ou porque as pessoas se acostumaram (afinal de contas, viemos de um buraco e para lá iremos), ou porque se viu que não ia adiantar ou,  ainda,  porque se deixou que a evolução natural das coisas se procedesse, eis que, agora, São Luiz tornou-se a cidade dos túneis. Como diria Darwin nada como uma evoluçãozinha para dar seguimento à vida e à sobrevivência.

            Cidade dos túneis?,  certamente  alguém há de estar estranhando. Calma,  os túneis não estão, por enquanto, na cidade toda, porém, mais precisamente, nas cadeias e, mais precisamente ainda, em Pedrinhas. É lá que dia sim, dia não, brota um túnel (hoje de madrugada, conforme noticiou a imprensa, mais um). É tanto túnel surgindo praquele lado que dá a impressão de que os túneis  quando descobertos, de fato não são tapados, mas reaproveitados, afinal de contas, porque desperdiçar tantas horas de trabalho e suor? O que nos faz desconfiar que deva existir por lá uma galeria subterrânea de fazer inveja aos metrôs de quaisquer megalópoles.



                                                        




            Mas, qual seria o grande mistério que faz gerar vocação tão irrefreável dos nossos  prisioneiros para furar túneis? Por acaso estariam se inspirando, neste ano da Copa, no Fuleco, nosso símbolo, que é um Tatu? Um amigo meu, psicólogo e criminalista, deu-se ao luxo de – na falta de outras – sugerir algumas potenciais razões.

            1.A leitura preferida na cadeia é  o Conde de Monte Cristo.
            O Conde de Monte Cristo, todos sabem,  é aquele romance de Alexandre Dumas em que um prisioneiro passa anos e anos cavando um túnel para escapar da prisão,  e que dá vontade no leitor de também passar anos e anos lendo, de tão delicioso. Alto lá, sei que muitos leitores já estarão criticando a ideia do meu amigo baseando-se num argumento óbvio: “Lendo livros? Que absurdo, se hoje não se leem livros em Universidades que dirá na cadeia...” no que estão absolutamente certos. Em defesa do meu amigo lembro, porém,  que esse mesmo romance já gerou mais de cinquenta filmes. Ora, quem garante que um filme desses não teria entrado num celular, desses que costumam entrar nas vaginas das mulheres para que possam, depois, entrar nas cadeias? Presos, todos  sabem, adoram um celular e um filmezinho inspirador!



                                                          





            2.Tudo faz parte de uma estratégia global de planejamento.

            De repente, pode ser algo minuciosamente planejado pelos tecnocratas encastelados na administração deste país, à procura do que fazer, nos intervalos entre uma e outra supervalorização de contratos ( à la Petrobras) . A ideia é simples. De buraco a túnel e de túnel a buraco. Como a cidade já é plena de buracos, porque não aproveitar essa imensa rede, já construída naturalmente, para interliga-las depois aos túneis construídos nas prisões? Já pensou que formidável galeria subterrânea  levando o cidadão de  um canto a outro da cidade com o que existe de mais moderno em termos de mobilidade urbana? E o que  é melhor: construído com mão-de-obra especializada!
                                                        


                                                       




            3.Passa-Tempo (ou passa-estresse) .
            Como enfrentar a monotonia das cadeias? Como distrair os apenados para que não pensem o tempo todo em coisa ruim? Como evitar que, para combaterem o estresse, brinquem de torturar o vizinho de cela?
            Essa alternativa, que poderia perfeitamente ter sido sugerida por uma dessas Organizações de Direitos Humanos ( dessas que costumam  ter pena dos assassinos , mas não de suas vítimas) está de acordo com os mais elogiáveis propósitos  de solidariedade humana . Como aliviar essa imensa população  da pressão de fazer nada o dia inteiro? Ora, a resposta é simples: furando túneis! Basta uma enxada, tempo, e de preferência, uma orientaçãozinha do guarda mais próximo.









            Finalizando, lembro que a essas hipóteses,  talvez um tanto bizarras levantadas pelo meu amigo, podem  se acrescentar muitas outras, lembrando, porém,   que se tais hipóteses soam bizarras é porque precisam explicar bizarrice ainda maior.

            Quanto a porque nunca  se vê alguém reclamar dos túneis como antes se reclamava dos buracos, a explicação é trivial: Porque não dá tempo: morre-se antes, assassinado por alguém,  que acabou de sair dos túneis.
                                                                                  ewerton.neto@hotmail.com

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sábado, 19 de abril de 2014

ROUBADO É MAIS GOSTOSO NO BRASIL?



Artigo publicado na seção Hoje é dia de...Caderno Alternativo,
jornal o Estado do Maranhão, hoje, sábado

Será que em algum outro país do mundo a frase  do goleiro Felipe, do Flamengo, “ Roubado é mais gostoso” pode soar - e repercutir - tão apropriada  e verdadeira ? Baseando-nos  no que se vê por  aí em matéria de impunidade,   o ‘roubado’ tem tudo para ser mais gostoso por aqui  e o goleiro do Flamengo, Felipe, cujo time sagrou-se campeão às custas de uma erro , tão absurdo o próprio goleiro chama de roubo, tem toda razão, em se permitir  essa frase,  sabendo-se que esse tipo de gozo parece fazer  parte das aspirações de uma grande multidão do Brasil atual,  que não se peja em sair na boa,  obtendo qualquer tipo de vantagem  às custas seja lá do que for.



                                                            


                Para dar apoio à fala de Felipe, há uma multidão de exemplos acumulados nas páginas semanais de qualquer revista. O roubo deve ter sabor  gostoso desde para corruptos tipo mensaleiros, que depois de julgados e condenados driblam a cadeia e ganham doações  em dinheiro como se fossem vítimas,  a até  para ladinos que se encastelam em empresas públicas  para superfaturar contratos e abocanhar seus quinhões, como se anuncia no caso da Petrobrás. Se lembrarmos, em matéria de êxtase diante do alheio surripiado,   de figuras do passado recente como Carlos Cachoeira  ou da atualidade como André Vargas tem-se a impressão de que não apenas tiveram prazer com o ato praticado. A figura de André Vargas se deliciando na carona do jatinho de um ladrão contumaz não esboça um gozo simplesmente, mas vai muito mais longe: o sujeito parece estar  tendo um orgasmo.  Ora, diante disso, a frase do goleiro flamenguista é, ao contrário do que muita gente critica, verdadeira, mesmo  extemporânea. Se Felipe candidamente dá entrevista se deliciando em tirar proveito de um roubo praticado (segundo ele)  é porque não está sozinho.  Tem muito mais gente por aí gozando com toda espécie de falcatrua. E bote gente nisso!.



                                                     



                Uma  pena é que a frase permita que se instaure a suspeita ( não só por esse episódio como em vários  outros,  e não só no futebol carioca) de que a corrupção tenha chegado ao futebol. Logo o futebol. Houve tempo em que esse esporte funcionou como uma válvula de escape para a  população sofrida e honesta, que estava longe de usufruir, ou até de perceber  a corrupção endêmica grassando em torno de muitos de seus mandatários. Talvez por essa época (de apogeu do nosso futebol) se roubasse menos no entorno dos governos porque então se achava que cometer crimes não fosse tão gostoso assim. Havia também, talvez,  uma educação que quando apreendida privilegiava os sentimentos morais e éticos. O espetáculo do futebol,  mais pobre financeiramente então, permanecia um tanto distante, ou pelo menos à margem do ambiente da corrupção  - “dinheiro atrai a corrupção como mel atrai formiga , já dizia a sabedoria popular” – monstro esse cujos tentáculos não iam até a periferia dos sentimentos populares. Talvez por isso nossos estádios vivessem  lotados,  e o Brasil fosse o país do futebol. Hoje, estádios vazios, a arte futebolística longe dos gramados brasileiros e, dos lares  em frente à tevê,  a atenção voltada para outros palcos do exterior onde se pratica um futebol mais digno de ser visto,  o que temia-se era que a corrupção houvesse chegado também ao futebol mas disso não se duvida mais  desde a promoção escandalosa  de elefantes brancos com a desculpa da Copa, para enriquecer empreiteiros e cartolas oportunistas de ocasião.



                                               
   



                Se a frase dita pelo goleiro foi  recriminada de pronto na imprensa e nas redes sociais  ( sinal que ainda existe gente honesta neste país e ele próprio  se desculpou)  é cruel ressaltar, contudo, que o que foi dito, em particularidade,  por um profissional  do esporte está longe de representar a faceta mais abominável da frase. Muito pior é admitir que ela  espelhe em algum grau a degradação moral de toda uma sociedade, quiçá complacente com tudo o que se obtenha por métodos escusos , desde que tenha  proveito próprio. No caso, o goleiro é menos culpado e pode ter sido vítima de uma frase impensada que tenha apenas  expressado ,de forma inconsciente,   a nudez moral de que está revestido o ambiente que o cerca.    Esse é o perigo maior que não está na frase do goleiro, porém,  visível muito mais nas arquibancadas construídas com o dinheiro do povo para enriquecer espertalhões
                Que fanáticos torcedores, sejam flamenguistas, vascaínos, palmeirenses e corintianos  se digladiem e sejam capazes de gozar com o surgimento dos aspectos mais deletérios de uma competição antes restrita aos gramados, é até compreensível. O difícil de aceitar é que profissionais culturalmente mais preparados do que jogadores  de futebol entrem nessa de ter orgasmos com o ganho obtido de forma indevida.  Se “Roubado é  mais gostoso” foi apenas uma frase infeliz de um profissional brincalhão e inconsequente,  que a sociedade reflita porém no seu significado  para estanca-la na fronteira das rivalidades futebolísticas. Que não se transforme em objetivo de vida e em norma de conduta de nosso povo. Pelo futuro de nossas crianças.

                                                                                                                             ewerton.neto@hotmail.com                                                                                  http://www.joseewertonneto.blogspot.com

sábado, 12 de abril de 2014

CHATICE JÁ NÃO TEM CURA




artigo publicado na seção Hoje é dia de...
Caderno Alternativo, jornal o Estado do Maranhão, hoje,
sábado


Esse mundo anda meio chato faz tempo. São chatos o imposto de renda, o patriotismo oportunista de Galvão Bueno e Felipão,  o aquecimento global, as manifestações e as barreiras eletrônicas. Oscar Wilde, o genial escritor inglês dizia que não existe pecado maior que o tédio, mas não gostaria de arrolar a chatice ao tédio. O tédio é parente da melancolia que por sua vez é filha da tristeza, a que se deve a maioria  das obras de arte .  Que o tédio fique em paz, desta vez.



                                                                  




Estamos falando da chatice mesmo, algo que a  sociedade moderna tornou imperativa, e cruel, porque se sobrepõe à liberdade, pelo menos,  de se pensar.   É  tão chato um vírus em seu computador como uma secretária eletrônica lhe atendendo. A felicidade obrigatória dos livros de autoajuda é tão chata quanto o strip-tease sentimental do facebook e a chatice de ser obrigado a votar é tão chata quanto  a corrupção que vem  depois. Mas a chatice só ganha contornos de algo avassalador quando o que já é chato em si mesmo evolui para tornar-se ainda mais chato. Como por  exemplo: durante muito se pensava que não podia existir algo tão chato quanto música sertaneja, mas logo surgiu a música sertaneja universitária o que  faz com que se tenha saudade da primeira – dá pra acreditar? Quando se pensava que não poderia haver alguém tão chato quanto Pedro Bial eis que o colocaram para dirigir o programa mais chato que alguém poderia inventar, o tal Big-Brother. Esse é, pois, o drama do século: a modernidade tornou-se especialista no poder de aprimorar a chatice.


                                     




                                   Donde vem a primeira tentativa de definir o que seja a chatice. Chatice seria  a tendência que têm as aporrinhações irremediáveis de se transformarem, naturalmente, em torturas. Mas, peraí...A isso não se deveria chamar, ao invés, chatice crônica? Sim, porque, por definição, chatice crônica deveria  ser uma coisa e chatice outra. E agora? Estamos vendo que o pior da chatice é justamente isso: não existem termos capazes de classificar exatamente o que seja ela.

                                   E não seriam todas as definições da chatice tão chatas porque necessariamente insuficientes?  Fernando Sabino o escritor mineiro tinha uma boa interpretação do que é ser enjoado quando dizia: “Chato é aquele que te rouba a solidão sem te fazer companhia.” Montagne, o filósofo, dizia que toda infelicidade do homem principia em não conseguir ficar sozinho em seu próprio quarto. Alguns dirão que Montagne era um chato. Claro que Montagne não era chato, muito menos o que fazia no quarto ( considerando que não havia revista Playboy nesse tempo, e nem pornografias via celulares).

                                   Outras definições surgem, de repente, nessa vã  tentativa de resumir o chato e a chatice em uma frase. Eis algumas delas:  
                     
1.“O chato é um fingidor. Finge tão completamente que consegue  tornar-se um chato ainda maior do que realmente é.”  Parodiando Fernando Pessoa.
                                    2.“A vida, às vezes parece chata, mas a outra opção é muito pior.”L.F.Veríssimo
                                   3. “Certos  escritores de autoajuda não são mais chatos não só porque o dia tem só vinte e quatro horas, mas porque o alfabeto só tem 23 letras”.                     
4. “Os chatos  parece que não morrem nunca. É fácil explicar: Deus
não os quer no céu,  nem o diabo no inferno.”
                                   5.“Somos um subproduto da chatice. Se a eternidade não fosse tão chata Deus não teria inventado o Big-Bang, por falta do que fazer.
                                   6. “A única vantagem de um sujeito ser escritor é que mesmo sendo um chato a vida inteira, pode se tornar, dependendo do que escreveu, um sujeito agradável depois dela”.
                                 7. “Nada a ver com a vida em si. O chato de se viver é que por mais que se tente fazer tudo certo as coisas acabam sempre irremediavelmente dando erradas. No final.”


                                                                  

                                       

                                   A considerar que, pelo menos uma das frases acima, seja merecedora de crédito  no árduo intuito de se chegar perto do que seja uma boa definição para o chato ou a chatice, já temos um bom começo para uma possível  Teoria Universal da Chatice. Se o leitor agüentou o cronista até aqui, de uma coisa pode ficar certo: a crônica até que não foi tão chata assim.  E, por favor, cuidado para não confundir chatice crônica com crônica chata. Obrigado!

                                                                                              ewerton.neto@hotmail.com
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