sábado, 21 de julho de 2012

BARBEARIA DE SHOPPING



artigo publicado hoje na seção Hoje é dia de...Caderno Alternativo,
jornal O Estado do Maranhão




Careca, eis aí um nome feio. Porém, mais feio do que o nome é o que representa. Cada  vez mais procurava imaginar a sensação, iminente, dos que a possuem em plenitude: um deserto na cabeça, a vizinhança dos astros, strip-tease do coco, placa luminosa, saudação aos pássaros? Não, nenhuma razão para aceitar, passivamente, a derrota.
            Decidido, atravessei aquela porta sofisticada demais para os meus costumes. ( Eu, que só cortava cabelo com o Marivaldo, dono de botequim e que corta cabelo em pé, entre uma cachaça e outra,  cobrando de três a cinco reais - a depender de quanto o Moto Clube perde a noite passada). Fui atraído pelo cartaz, enquanto caminhava pelos corredores do Shopping : Raul`s Unissex , know-how francês, método revolucionário de criar ondas. “Será algum feiticeiro  do mar?”, perguntei-me.  
            Adentrei o ambiente como um caubói do antigo faroeste adentrava o saloom: como um bom Charles Bronson, ou melhor, como Yul Brinner - de 7 homens e um destino - por razões óbvias.  Só que a ausência do chapéu me dava uma sensação de desamparo. Adiante de mim o barbeiro, ou  melhor o cabeleireiro, ou melhor,  o coiffeur,  segurava uma arma: o pente.
            Tentei ser o mais másculo possível porque o que via ali me deixava atordoado. Eram homens, mulheres ou nem uma coisa nem outra? De qualquer forma, falei:
            - Quero cortar o cabelo -  da mesma forma como diria, “ Quero cortar o pescoço”
            - Cortar o cabelo? – perguntou o meu ‘salvador’, com a voz tão fina que não parecia ter saído dele, mas do fio do secador que segurava. A atenção do público se voltava para mim, talvez pretendendo adivinhar que cabelo eu ia cortar.
            - Aqui não corta cabelo de homem?
            - U-N-I-S-S-E-X – Respondeu o  cabeleireiro, separando tanto as sílabas que o que ele disse não pareceu significar um sexo, mas milhares. - Deseja fazer unha também?
            - Não, acho que já nasceram feitas, por favor!
            - Hum, já entendi. Kátia! Leve o senhor para lavar a cabeça - ordenou aquele que eu supus que fosse Raul.
            Notei que ele não falou cabelos, mas cabeça. Lembrei com pesar do Alfredão, da barbearia de minha infância quando os meus cabelos eram fartos e eu não precisava passar por isso: havia uma mistura de mijo com Glostora e retratos de Xuxa e Luiza Brunet nuas, pregadas na parede, ao redor do espelho.  


                                                                     



            - Você quer frisado, taqueado, escovinha, com topete, à la Neymar, para trás, para o lado, para cima ou para baixo?
            Não, não era um profissional, era um mágico.  
            - Como?!
            - Alguma forma preferida de corte? – Notei um pingo em seu sorriso e percebi que esse pingo estava mais para ser de ironia do que de shampoo..
            - Bem, eu prefiro mesmo aquele que fica em cima da cabeça -  assenti sem muita convicção.
            Fechei os olhos para não ver. Que angústia!Os dedos dele dançavam um carnaval frenético na minha cabeça. A maldita sensação de a minha cabeça ser um pandeiro, era fácil suportar. O que não dava para agüentar eram as técnicas francesas de Raul. Um vento quente aquecia minha nuca constantemente. Pensei que fosse o secador até quando lembrei de que secador não tem mal-hálito.
            Hora e meia de eternidade depois de tanto sofrimento ( cuja duração só entendi como uma forma de justificar a partida sem regresso do meu último cinqüentinha)  o resultado:
            - Mas... – e eu olhei de um lado para o outro aturdido – Cadê?
            - Cadê o quê? – indagou o cabeleireiro
            - Meus cabelos! – gritei com todas as forças do meu pulmão
             Raul, impassível, parecia não entender a extensão do meu problema.
            - Você quer dizer, seus tufos de cabelo? Ora, não seja ridículo. Fiz a única coisa possível diante de sua carência de pelos cranianos: uma careca decente. Se não estiver satisfeito compre uma peruca e caso não tenha dinheiro use um guarda-chuva ou um boné. Na sua situação qualquer coisa serve. 
            Foi um bom conselho que sigo à risca. Integrado à minha careca mais rápido do que imaginava o guarda-chuva, ou o boné me livram da sensação de nudez em cima da minha cabeça que me apavora.
            Ah, ia me esquecendo: voltei ao Marivaldo. Não, não para cortar cabelo. Para falar sobre o custo de vida – e a economia de não ter cabelos.
                                                                       ewerton.neto@hotmail.com                       

sábado, 14 de julho de 2012

13,7 BILHÕES DE ANOS DEPOIS


artigo publicado na seção Hoje é dia de...Caderno Alternativo
jornal o Estado do Maranhão, hoje , sábado


13,7 bilhões de anos atrás a temperatura desse troço aqui ( estamos falando do Universo em que vivemos) era de lascar. Bote bilhões de graus nisso! O único bebê capaz de nascer numa fornalha  dessas  era mesmo o Universo, ainda assim porque era filho único do seu pai que, por via das dúvidas, vamos chamar de Deus. E que era mesmo um pai caloroso – e bote calor nisso!
                        Parece que o bebê – como todo filho único – era cheio de manias. A primeira brincadeira que esse bebê complicado teve foi  um  tal de big-bang. Como todos sabem tem bebê que brinca de bola, outros brincam de boneca, outros de berrar para aporrinhar os pais.. Pois Universo entendeu de brincar de big-bang tão logo deu seu primeiro berro. E que ninguém ouviu - felizmente para os tímpanos.
                        Certo de que seu pai, Deus, lhe faria todas  as suas vontades Universo cedo enjoou de brincar de big-bang (numa fração de segundos) e, irado porque não tinha mais outro brinquedo à sua disposição, logo começou a estufar de raiva. Voluntarioso e sem motivo algum - ou por isso mesmo - Universo continuou a estufar e se expandir,  a estufar e se expandir. Quando nasceu era menos do que  uma bolinha pequenina,  mas no instante seguinte já tinha inchado mais do que corintiano quando ganha uma taça internacional. Hoje Universo já tem praticamente 13,7 bilhões de anos-luz, só de barriga.

                                                                               
                                                                      

                        2. Entender uma criança difícil assim como Universo requer um pouco de paciência. Um bom psiquiatra logo diria que o bebê nasceu estressado por ser único e sozinho. Além do mais, seu pai parece que nunca se importou muito com ele e, desde o começo, deixou-o por conta das forças do universo o que, convenhamos, é muita coisa para uma criança: ficar por conta de si, desde o começo. Sem contar que Universo é órfão de mãe e nunca teve um irmãozinho. Embora muita gente espalhe por aí  que existem universos paralelos o coitado do Universo nunca viu um mais gordo.  
                        Ora, some-se a tudo isso o fato de até hoje Universo não saber se é criança, jovem, coroa ou idoso, embora tenha certeza de  que nunca será vovô. (Que bom seria se ele um dia fosse parar numa fila de anciões da loteria, pelo menos teria certeza de alguma coisa!) O tempo nada significa para ele, assim como a  eternidade e a morte: ele sequer tem a bendita  (ou maldita?)  certeza de que vai morrer um dia. A verdade é que embora não seja um pai desnaturado Deus deixou esse filho abandonado por aí, e Universo continua bufando e inchando nem ele mesmo sabe por que, como se tivesse culpa por ter nascido, perdido na sua própria imensidão sem fim.


                                                               

                        3. Essas considerações  servem para explicar porque um belo dia, Universo, farto de tanta grandiosidade, pediu  a seu pai, que o permitisse inventar  um minúsculo ser lá para os lados de um minúsculo planetinha de uma galáxia mais vagabunda ainda. Deus o atendeu, meio a contragosto...  E não é que a tal criaturinha começou a viver e a pensar?
                        Pois bem, semana passada, 13,7 bilhões de anos  depois, Universo acordou cutucado por uma dúvida. Andaram lhe dizendo que justamente naquele planetinha haviam  descoberto que a transformação da energia inicial em matéria  – dele, do Universo -  havia passado por um tal de bóson de Higgs, a quem chamaram partícula de Deus.
                         “Já estão querendo mexer com  minha biografia”  pensou Universo e lá se foi se queixar a seu pai.
                        - Pai, já  estão falando de minha infância.
                        -  Quem?
                        - Os seres humanos.
                        - Seres humanos? Quem são?
                        - Aquelas criaturinhas que você me deu para brincar e que vivem  naquele  planetinha chamado Terra.
                        - Não lembro,  meu filho.
                        - Aqueles que tiveram um dia o desplante de dizer que eram à sua imagem e semelhança. Será verdade o que eles estão dizendo agora?
                        - O que desta vez?
                        - Que descobriram sua partícula e que agora sabem quase tudo a meu respeito. Pai, eu nunca soube de onde vim o que eu sou nem para onde vou. Como é que eles...?
                        -   O que é isso agora, Universo meu?
                        - Pai,  não quero ter a minha infância devassada por seres assim. Queria que você me autorizasse a destruí-los.
                        - Ora, para que se preocupar com criaturinhas tão pequenas? Não perca seu tempo Universo, deixe-os para lá. Eles mesmos se  matarão.
                                               ewerton.neto@hotmail.com                                                                                              http://www.joseewertonneto.blogspot.com

                                                            

sábado, 7 de julho de 2012

CARLOS CACHOEIRA ETIQUETADO



artigo publicado hoje, sábado, na seção Hoje é dia de...
jornal o Estado do Maranhão, caderno Alternativo


Li esta semana neste jornal que um sujeito entendido em etiqueta proclamou que comer frango com o auxílio dos dedos fere a etiqueta. Ora, uma de minhas satisfações referentes ao ato de comer, quando me tornei adolescente, foi saber que justamente os mestres da etiqueta autorizavam comer frango com as mãos, como eu fazia quando criança. O que é, obviamente, muito mais prático e ninguém vai morrer por causa disso.
                        Apreciador de um bom frango grelhado acostumei-me, desde então, a comer a parte mais gostosa, para mim, que é a coxa, com as mãos, por uma razão muito simples, se for comer, com garfo e faca,  sinto que esta perde o sabor. Ora, direis, ‘estás a confundir o sabor com a facilidade de ingerir a  comida.’ Isso mesmo, e por que não? O que vem a ser ‘o sabor’? É apenas sentir o gosto que a comida possui ou fazer disso um ato de puro prazer, advindo da liberdade de se refestelar quando e do que jeito que melhor lhe convier? Respondam se forem capazes, senhores mestres da etiqueta!
                        Mestres da etiqueta! Eis aí algo que nunca consegui entender. Com o que, então, de repente, alguém que nunca soube de onde saiu: se é burro ou inteligente, gordo ou magro, argentino ou corintiano, mete-se a dar palpites na maneira de como devo sentir o sabor de uma comida - que ele não pagou para mim.  Dá para acreditar?
                        E, pior, faz disso uma forma de vida, ganha dinheiro à custa dessa suposta sapiência e a única coisa que existe para  referenda-lo é a informação de que deve ser rico. Sim, porque senão o dito cujo não freqüentaria restaurantes caros,  não estaria dando uma de papagaio de pirata nas fotos com celebridades e não acharia uma editora capaz  de publicar suas regras de ‘bem comer’ que ele aprendeu, sabe-se lá onde. E, principalmente, não acharia um batalhão de idiotas que somos todos nós, seres humanos, ávidos por sair atrás de qualquer um que nos imponha o cerceamento da nossa liberdade de pensar ou agir – ou de comer. “Liberdade, Liberdade!” como disse o poeta: “Como teus grilhões são mais pesados para o ser humano do que qualquer escravidão!”
                        Na edição desta semana da revista Veja li uma entrevista de um arquiteto, por sinal maranhense, na qual este se refere ao mega-corrupto, Carlos Cachoeira. O título da reportagem é “O Cachoeira é um homem muito fino” Fino? Tentei interpretar o conteúdo surpreendente do título, antes de começar a ler a reportagem e logo me veio a imagem do rotundo Cachoeira, muito mais para gordo do que para magro. Percebi que não era por aí. Lendo um pouco adiante foi fácil chegar à conclusão de que o arquiteto maranhense referia-se a uma suposta ‘finura’ do sujeito, mais ou menos do tipo ao qual se referem aqueles que pregam e distribuem regras de etiqueta. Esse ‘fino’ dele alude à elegante, social, chique, prendado etc. O que de pronto me levou, por ilação, a uma conclusão sui-generis. Ora, se alguém com o volume de atos de corrupção dos quais é acusado, como Cachoeira, é um homem fino, isso quer dizer que um sujeito honesto deva ser o quê, grosso? Pronto, acabamos de descobrir que mais da metade da população brasileira é grossa. Pelo menos enquanto ainda for honesta.

                                                                              

                        Finda a leitura é fácil constatar, um tanto amargamente,  que o “fino” do Cachoeira é do mesmo teor que o “gente bonita” de que fala a mídia  quando se refere à gente rica. Sim porque Cachoeira, embora seja acusado de corrupção, é rico por causa disso, portanto, não importa a sua educação,elegância, cultura, tornou-se gente fina ou ‘finíssima’ porque a posse do dinheiro traz esse outro poder: o de transformar um feio em bonito, um burro num intelectual, e um corrupto em fino. O que leva a acreditar que neste país surpreendente onde, ainda segundo Tim Maia: gigolô tem ciúme, puta goza, comunista é de direita e traficante fuma maconha, ainda cabe mais um: “E em que corrupto é fino”.
                        Em outras palavras: ser honesto neste país virou deselegância.

                                                                                  ewerton.neto@hotmail.com
                                                           http://www.joseewertonneto@blogspot.com