terça-feira, 24 de março de 2020

O NOME DA ESTRELA



artigo publicado no jornal O estado do Maranhão



“Ora (direis) nomear estrelas. Certo perdeste o senso...” escreveu o poeta Olavo Bilac.
Estaria o poeta certo? Ele sim, eu é que não.  O poeta disse ‘ouvir estrelas’ e não ‘nomear estrelas’. Mas, seria igualmente falta de senso nomear estrelas?
Evidente que não. Tantas   estrelas se descobrem a cada dia, muito mais que na época do poeta, e se torna necessário  nomeá-las. Usam-se números para isso, mas estrelas são estrelas e não convêm (para a ciência e bem mais para a poesia)  que estas se eternizem   associadas a números e não a nomes.
Graças a Deus que assim pensam os membros da IAU ( União Astronômica Internacional) , pretendendo dar ao infinito estelar um toque, digamos, pop. Com isso determinaram que os países ligados a ela teriam o direito de escolher como vai se chamar um minissistema - constituído de uma estrela e o planeta a ela associado – desses que gravitam fora do sistema solar, mas ainda dentro da Via Látea.
A associação da dupla de astros para  cada país foi escolhida pelo critério da distância: precisava estar próximo o suficiente para se fazer visível , por meio de um telescópio, à população do lugar que a batizará. No caso do Brasil  a dupla a intitular é atualmente conhecida pela junção de letras e números HD23079, fica a mais de 100 anos-luz da Terra e pode ser avistada entre os meses de Dezembro e Fevereiro, do Brasil, com auxílio de um telescópio.
A competição para escolha do nome foi lançada em 2019, durou até agosto e qualquer brasileiro podia participar dando asas à sua criatividade, satisfazendo certas regras: os nomes careciam ser representativos da cultura do país e possibilitar novos nomes em harmonia com a dupla original, para a eventualidade de descobertas de novos planetas girando em torno dessa estrela. Como há, por exemplo, uma estrela batizada com o nome de Cervantes, tendo planetas em seu entorno com os nomes de Quixote, Sancho, Rocinante etc. Uma verdadeira e justa apoteose ao maior de todos os romancistas!
Já pensou ser você o autor do nome escolhido para batizar uma estrela? Imagino que Olavo Bilac, o poeta que ouvia estrelas, gostaria de ter sido um, infelizmente não pode e as mais votadas foram aparecendo: Ceci e Peri, Capitu e Bentinho, Tupã e Jaci, Ribaldo e Diadorim etc saídos da literatura e da cultura indígena. Confesso que cheguei a torcer por Capitu e Bentinho, por causa de Machado, mas depois aceitei que isso seria uma maldade com os astros. Explico. Não por Capitu, sobre quem até hoje pesa, injustamente a meu ver, a pecha de ter sido adúltera. Mas por causa do marido: paranoico, obsessivo e com vocação de cornudo até a alma a ponto de manchar para sempre a memória da mãe de seus filhos  só porque esta era brejeira, tinha os olhos de ressaca parecendo uma epilepsia do mar  e era  mais bonita do que ele. E, convenhamos: Bentinho lá é nome de astro?
Soube, posteriormente, que nenhum dos nomes acima citados foi escolhido e que a competição foi vencida pelas palavras Tupi e Guarani, o que considerei apropriado. Palmas, portanto,  para o vencedor. Confesso,  porém,  que, do jeito que as coisas estão neste Brasil e como brasileiros decididamente escolhem mal, cheguei a temer que a preferência acabasse repousando nos nomes de algumas dessas infinitas duplas sertanejas que não param de infernizar nossos ouvidos. Já pensou?  







José Ewerton Neto é autor de O Pequeno Dicionário de Paixões Cruzadas, contos. Lançamento em breve .                                                                                               

domingo, 15 de março de 2020

RECORDAÇÕES DE REPÚBLICA






Encontram-se os dois, hoje médicos e  ex-colegas de república,  25 anos depois, num Simpósio de Medicina, em Brasília. Um deles toma a iniciativa:

- Puxa vida, cara! Não me leve a mal, se você fosse um pouco mais alto e menos gordo, me faria lembrar um grande colega que eu tive na República, o Sinésio, que a gente chamava  Margarina.
- Coincidência! Eu também sou Sinésio. Mas nada de Margarina hehehe.
- Bem, eu formei em Recife, mas fiz residência no Rio e você?
- Eu também fiz residência no Rio.
- Ora, você é mesmo o Margarina...Quer dizer, o Sinésio.
- Sem dúvida. E você é o Ernesto Cara de Banjo. Vi logo pela cara...hehehe
Abraçaram-se efusivamente.  A eles, juntou-se  Wamberg,  da mesma época.    Mandaram às favas o simpósio e seus palestrantes e logo estavam num  bar.
- Quer dizer que o Renato Branco agora é deputado.
- Sim, um ano depois que se tornou cirurgião largou o bisturi.
- Parecia tão empolgado com a Medicina. Por que teria largado o bisturi?
- Na verdade, não largou. Esqueceu na barriga de um paciente. Quiseram processá-lo, mas mobilizou colegas, advogados e sindicatos a favor do direito  humano de errar. Angariou amizades influentes depois que o assunto dominou as páginas da imprensa. Daí pra  frente foi um passo. Elegeu-se deputado e agora quer ser  senador.
- O Branco senador! E o Fulgêncio? Alguém sabe seu paradeiro? Dava até pena, o coitado,  tremia quando via sangue,  vê se pode.
- O Fulgêncio tá na Alemanha.
- Na Alemanha? Fazendo curso?
- Não, dando o curso. É um dos mais renomados especialistas mundiais em medicina quântica e constantemente é chamado para palestras na Europa e até na China.  
- Medicina Quântica? Que diabo é isso, alguém sabe?  Que vida imprevisível. E o que foi feito do Armando Bocudo? Metido a bonitão,  comia todas na Escola. E se gabava disso.
- Casou-se com a Claudete Chilique.
- Como? A Claudete Chilique? Não dá para acreditar, até eu mandei-a passear quando quis dar pra mim num fim de festa.  Era tão sem graça que diziam que o canudo de papel que ela segurava na com tanta firmeza na diplomação era a coisa mais dura que ela ia segurar nas mãos pro  resto da vida.
- Também soube. O Bocudo realmente apaixonou-se por ela. Formou-se em psiquiatria e hoje está numa clínica para loucos.
- O Bocudo virou dono de clínica? Ou dá expediente por lá?
- Nem uma coisa nem outra. É paciente. Ficou tantã depois que a Claudete Chilique o encheu de chifre.
- Essa não! Que vida mais louca! Mas por falar em Claudete isso me faz lembrar a Vânia.
- A Vânia da pediatria?
- Essa mesma. Gostosa, mas burra que nem um poste.
- É, mas acho que um poste não escreveria medicina com dois esses na sua tese de formatura.
- Ela nem precisava estudar. Paquerava os professores e só tirava dez, com louvor. Vocês sabiam que ela tem uma loja  nos USA onde fatura alto?
- Mais uma que abandonou a medicina.
- Se abandonou a medicina não sei, só sei que foi abandonada pelo ex-marido, o Dr. Serapião que era  dono de um plano de saúde para cães , 40 anos mais velho. Felizmente pra ela, porque depois que morreu ele lhe deixou uma baita grana.
- O Profeta também era doido por ela.
- O que foi feito dele? Bebia feito um condenado.
- O Profeta é um dos maiores cirurgiões plásticos do Brasil. Só atende celebridade global.
- Parou de beber?
- Mais ou menos. Dizem que  só bebe quando faz cirurgia. Deve ser seu grande  segredo .
- E devia ser também o nosso. Hehehe. Garçom,  traz mais uma!

josé Ewerton Neto é autor de Pequeno Dicionário de Paixões Cruzadas, contos.
Lançamento em breve. 





domingo, 8 de março de 2020

EITA, PALAVRA CHATA!






A palavra TOP foi considerada a palavra mais chata do ano que passou. A segunda colocação ficou com a palavra COACH. A essas se seguiram várias igualmente chatas, tão chatas que se pudessem falar reclamariam por não terem ficado na pole position.
Isso segundo uma pesquisa da Internet, portanto, o júri está longe de ser confiável. Menos confiável que pesquisa da net só mesmo as notas das competições de Escolas de Samba, onde os jurados confiam tanto nos seus próprios tacos que são   capazes de dar uma nota de 9,955  para uma escola e 9, 96  para outra em determinado quesito. (A julgar por essa precisão de milésimos, provavelmente os olhos clínicos dos especialistas são capazes de descobrir até  as imperfeições existentes no silicone enfiado no bumbum de uma porta- bandeira).   
Tempos atrás escrevi um artigo neste jornal intitulado Com quem  se parecem as palavras, cujo texto foi incorporado ao livro O ABC bem humorado de São Luís, cuja terceira edição estará saindo em breve . Na referida crônica, eu chamava a atenção para o fato de que certas palavras (na verdade,  seres vivos, como dizia Vítor Hugo) não só têm vida própria como são autônomas e independentes não só do contexto em que foram inseridas como até do significado que lhes foi imposto.
No artigo citei as  palavras Vândalo e Lúcifer, como exemplo de palavras que  persistem sonoramente bonitas, distanciando-se, a meu ver,  da semântica a que estão associadas. Propus então que a palavra Lúcifer, nome do anjo rebelde que se transformou no demo, caso não tivesse tido a  triste sina de ser associado ao mal  hoje seria nome próprio de muito mais gente do que certas escolhas que proliferam por aí.  Na conjuntura atual eu acrescentaria  também a palavra Feminicídio,   que me parece soar muito suave para representar as atrocidades que se cometem contra as mulheres. Tenho a impressão de que chamar um troglodita desses,  que aterrorizam suas fêmeas,  de feminicida ao invés de monstro, é uma forma de afagar a crueldade dos mesmos e estimular novos crimes.
Mas, independente da pesquisa, seria mesmo a palavra top realmente chata? Chatíssima, eu diria,  chatérrima,  diriam outros, mas, preferencialmente,  ambos,  já que uma só palavra parece insuficiente para qualificar expressão tão antipática. Nada soa tão perturbador e incômodo como o uso desenfreado e proposital  de uma expressão  estrangeira,  quando sua própria língua dispões de termos equivalentes, preciosos,  e que significam a mesma coisa. Neste caso, a palavra TOP ( coitada, não tem culpa), mas acaba se parecendo com a pessoa que a utiliza , com sua vaidade e seu exibicionismo.
O mesmo ocorre  como a palavra COACH que, assim como  uma verdadeira avalanche de termos da língua inglesa, é  frequentemente usada no jargão empresarial, soando à empáfia e à arrogância daqueles que a utilizam  para se doarem uma credibilidade inexistente ,  ao se socorrerem de palavras desconhecidas ou pomposas para esse fim.
                               P.S.  Finalizada a coluna, como sempre,  terão os leitores a possibilidade de se manifestar, apreciando ou não o que foi escrito. Só pediria que, na mais remota hipótese de gostarem, jamais  digam que ela é top. Deus me livre! 


José Ewerton Neto é autor de O ABC
bem humorado de São Luís , breve em
terceira edição.