Artigo publicado na seção Hoje é dia de...Caderno Alternativo,
jornal o Estado do Maranhão, hoje, sábado
Houve tempo, nem tão remoto assim, em que nesta cidade
reclamava-se pra valer dos buracos nas ruas. Ou porque as pessoas se
acostumaram (afinal de contas, viemos de um buraco e para lá iremos), ou porque
se viu que não ia adiantar ou, ainda, porque se deixou que a evolução natural das
coisas se procedesse, eis que, agora, São Luiz tornou-se a cidade dos túneis.
Como diria Darwin nada como uma evoluçãozinha para dar seguimento à vida e à sobrevivência.
Cidade dos túneis?,
certamente alguém há de estar estranhando. Calma, os túneis não estão, por enquanto, na cidade
toda, porém, mais precisamente, nas cadeias e, mais precisamente ainda, em
Pedrinhas. É lá que dia sim, dia não, brota um túnel (hoje de madrugada, conforme
noticiou a imprensa, mais um). É tanto túnel surgindo praquele lado que dá a
impressão de que os túneis quando
descobertos, de fato não são tapados, mas reaproveitados, afinal de contas,
porque desperdiçar tantas horas de trabalho e suor? O que nos faz desconfiar
que deva existir por lá uma galeria subterrânea de fazer inveja aos metrôs de
quaisquer megalópoles.
Mas, qual
seria o grande mistério que faz gerar vocação tão irrefreável dos nossos prisioneiros para furar túneis? Por acaso
estariam se inspirando, neste ano da Copa, no Fuleco, nosso símbolo, que é um
Tatu? Um amigo meu, psicólogo e criminalista, deu-se ao luxo de – na falta de
outras – sugerir algumas potenciais razões.
1.A leitura
preferida na cadeia é o Conde de Monte
Cristo.
O Conde de
Monte Cristo, todos sabem, é aquele
romance de Alexandre Dumas em que um prisioneiro passa anos e anos cavando um
túnel para escapar da prisão, e que dá
vontade no leitor de também passar anos e anos lendo, de tão delicioso. Alto
lá, sei que muitos leitores já estarão criticando a ideia do meu amigo baseando-se
num argumento óbvio: “Lendo livros? Que absurdo, se hoje não se leem livros em
Universidades que dirá na cadeia...” no que estão absolutamente certos. Em
defesa do meu amigo lembro, porém, que
esse mesmo romance já gerou mais de cinquenta filmes. Ora, quem garante que um
filme desses não teria entrado num celular, desses que costumam entrar nas vaginas
das mulheres para que possam, depois, entrar nas cadeias? Presos, todos sabem, adoram um celular e um filmezinho
inspirador!
2.Tudo faz
parte de uma estratégia global de planejamento.
De repente, pode
ser algo minuciosamente planejado pelos tecnocratas encastelados na
administração deste país, à procura do que fazer, nos intervalos entre uma e
outra supervalorização de contratos ( à la Petrobras) . A ideia é simples. De
buraco a túnel e de túnel a buraco. Como a cidade já é plena de buracos, porque
não aproveitar essa imensa rede, já construída naturalmente, para interliga-las
depois aos túneis construídos nas prisões? Já pensou que formidável galeria subterrânea
levando o cidadão de um canto a outro da cidade com o que existe de
mais moderno em termos de mobilidade urbana? E o que é melhor: construído com mão-de-obra
especializada!
3.Passa-Tempo
(ou passa-estresse) .
Como
enfrentar a monotonia das cadeias? Como distrair os apenados para que não
pensem o tempo todo em coisa ruim? Como evitar que, para combaterem o estresse,
brinquem de torturar o vizinho de cela?
Essa
alternativa, que poderia perfeitamente ter sido sugerida por uma dessas
Organizações de Direitos Humanos ( dessas que costumam ter pena dos assassinos , mas não de suas
vítimas) está de acordo com os mais elogiáveis propósitos de solidariedade humana . Como aliviar essa imensa
população da pressão de fazer nada o dia
inteiro? Ora, a resposta é simples: furando túneis! Basta uma enxada, tempo, e
de preferência, uma orientaçãozinha do guarda mais próximo.
Finalizando,
lembro que a essas hipóteses, talvez um
tanto bizarras levantadas pelo meu amigo, podem se acrescentar muitas outras, lembrando,
porém, que se tais hipóteses soam bizarras é porque
precisam explicar bizarrice ainda maior.
Quanto a
porque nunca se vê alguém reclamar dos
túneis como antes se reclamava dos buracos, a explicação é trivial: Porque não
dá tempo: morre-se antes, assassinado por alguém, que acabou de sair dos túneis.