Artigo publicado na seção Hoje é dia de...Caderno Alternativo,
jornal o Estado do Maranhão, hoje, sábado
Será que em algum outro país do
mundo a frase do goleiro Felipe, do
Flamengo, “ Roubado é mais gostoso” pode soar - e repercutir - tão apropriada e verdadeira ? Baseando-nos no que se vê por aí em matéria de impunidade, o ‘roubado’ tem tudo para ser mais gostoso por
aqui e o goleiro do Flamengo, Felipe,
cujo time sagrou-se campeão às custas de uma erro , tão absurdo o próprio
goleiro chama de roubo, tem toda razão, em se permitir essa frase, sabendo-se que esse tipo de gozo parece fazer parte das aspirações de uma grande multidão do
Brasil atual, que não se peja em sair na
boa, obtendo qualquer tipo de
vantagem às custas seja lá do que for.
Para
dar apoio à fala de Felipe, há uma multidão de exemplos acumulados nas páginas
semanais de qualquer revista. O roubo deve ter sabor gostoso desde para corruptos tipo mensaleiros,
que depois de julgados e condenados driblam a cadeia e ganham doações em dinheiro como se fossem vítimas, a até para
ladinos que se encastelam em empresas públicas
para superfaturar contratos e abocanhar seus quinhões, como se anuncia
no caso da Petrobrás. Se lembrarmos, em matéria de êxtase diante do alheio surripiado,
de figuras do passado recente como
Carlos Cachoeira ou da atualidade como
André Vargas tem-se a impressão de que não apenas tiveram prazer com o ato
praticado. A figura de André Vargas se deliciando na carona do jatinho de um
ladrão contumaz não esboça um gozo simplesmente, mas vai muito mais longe: o
sujeito parece estar tendo um
orgasmo. Ora, diante disso, a frase do
goleiro flamenguista é, ao contrário do que muita gente critica, verdadeira,
mesmo extemporânea. Se Felipe
candidamente dá entrevista se deliciando em tirar proveito de um roubo
praticado (segundo ele) é porque não
está sozinho. Tem muito mais gente por
aí gozando com toda espécie de falcatrua. E bote gente nisso!.
Uma pena é que a frase permita que se instaure a
suspeita ( não só por esse episódio como em vários outros, e não só no futebol carioca) de que a
corrupção tenha chegado ao futebol. Logo o futebol. Houve tempo em que esse
esporte funcionou como uma válvula de escape para a população sofrida e honesta, que estava longe
de usufruir, ou até de perceber a corrupção
endêmica grassando em torno de muitos de seus mandatários. Talvez por essa
época (de apogeu do nosso futebol) se roubasse menos no entorno dos governos porque
então se achava que cometer crimes não fosse tão gostoso assim. Havia também,
talvez, uma educação que quando apreendida
privilegiava os sentimentos morais e éticos. O espetáculo do futebol, mais pobre financeiramente então, permanecia um
tanto distante, ou pelo menos à margem do ambiente da corrupção - “dinheiro atrai a corrupção como mel atrai formiga
, já dizia a sabedoria popular” – monstro esse cujos tentáculos não iam até a
periferia dos sentimentos populares. Talvez por isso nossos estádios vivessem lotados,
e o Brasil fosse o país do futebol. Hoje, estádios vazios, a arte
futebolística longe dos gramados brasileiros e, dos lares em frente à tevê, a atenção voltada para outros palcos do
exterior onde se pratica um futebol mais digno de ser visto, o que temia-se era que a corrupção houvesse
chegado também ao futebol mas disso não se duvida mais desde a promoção escandalosa de elefantes brancos com a desculpa da Copa,
para enriquecer empreiteiros e cartolas oportunistas de ocasião.
Se
a frase dita pelo goleiro foi recriminada de pronto na imprensa e nas redes
sociais ( sinal que ainda existe gente
honesta neste país e ele próprio se
desculpou) é cruel ressaltar, contudo,
que o que foi dito, em particularidade, por um profissional do esporte está longe de representar a faceta
mais abominável da frase. Muito pior é admitir que ela espelhe em algum grau a degradação moral de
toda uma sociedade, quiçá complacente com tudo o que se obtenha por métodos
escusos , desde que tenha proveito
próprio. No caso, o goleiro é menos culpado e pode ter sido vítima de uma frase
impensada que tenha apenas expressado ,de
forma inconsciente, a nudez moral de que está revestido o ambiente
que o cerca. Esse é o perigo maior que
não está na frase do goleiro, porém, visível muito mais nas arquibancadas
construídas com o dinheiro do povo para enriquecer espertalhões
Que
fanáticos torcedores, sejam flamenguistas, vascaínos, palmeirenses e
corintianos se digladiem e sejam capazes
de gozar com o surgimento dos aspectos mais deletérios de uma competição antes
restrita aos gramados, é até compreensível. O difícil de aceitar é que
profissionais culturalmente mais preparados do que jogadores de futebol entrem nessa de ter orgasmos com o
ganho obtido de forma indevida. Se “Roubado
é mais gostoso” foi apenas uma frase
infeliz de um profissional brincalhão e inconsequente, que a sociedade reflita porém no seu
significado para estanca-la na fronteira
das rivalidades futebolísticas. Que não se transforme em objetivo de vida e em
norma de conduta de nosso povo. Pelo futuro de nossas crianças.
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