sábado, 19 de abril de 2014

ROUBADO É MAIS GOSTOSO NO BRASIL?



Artigo publicado na seção Hoje é dia de...Caderno Alternativo,
jornal o Estado do Maranhão, hoje, sábado

Será que em algum outro país do mundo a frase  do goleiro Felipe, do Flamengo, “ Roubado é mais gostoso” pode soar - e repercutir - tão apropriada  e verdadeira ? Baseando-nos  no que se vê por  aí em matéria de impunidade,   o ‘roubado’ tem tudo para ser mais gostoso por aqui  e o goleiro do Flamengo, Felipe, cujo time sagrou-se campeão às custas de uma erro , tão absurdo o próprio goleiro chama de roubo, tem toda razão, em se permitir  essa frase,  sabendo-se que esse tipo de gozo parece fazer  parte das aspirações de uma grande multidão do Brasil atual,  que não se peja em sair na boa,  obtendo qualquer tipo de vantagem  às custas seja lá do que for.



                                                            


                Para dar apoio à fala de Felipe, há uma multidão de exemplos acumulados nas páginas semanais de qualquer revista. O roubo deve ter sabor  gostoso desde para corruptos tipo mensaleiros, que depois de julgados e condenados driblam a cadeia e ganham doações  em dinheiro como se fossem vítimas,  a até  para ladinos que se encastelam em empresas públicas  para superfaturar contratos e abocanhar seus quinhões, como se anuncia no caso da Petrobrás. Se lembrarmos, em matéria de êxtase diante do alheio surripiado,   de figuras do passado recente como Carlos Cachoeira  ou da atualidade como André Vargas tem-se a impressão de que não apenas tiveram prazer com o ato praticado. A figura de André Vargas se deliciando na carona do jatinho de um ladrão contumaz não esboça um gozo simplesmente, mas vai muito mais longe: o sujeito parece estar  tendo um orgasmo.  Ora, diante disso, a frase do goleiro flamenguista é, ao contrário do que muita gente critica, verdadeira, mesmo  extemporânea. Se Felipe candidamente dá entrevista se deliciando em tirar proveito de um roubo praticado (segundo ele)  é porque não está sozinho.  Tem muito mais gente por aí gozando com toda espécie de falcatrua. E bote gente nisso!.



                                                     



                Uma  pena é que a frase permita que se instaure a suspeita ( não só por esse episódio como em vários  outros,  e não só no futebol carioca) de que a corrupção tenha chegado ao futebol. Logo o futebol. Houve tempo em que esse esporte funcionou como uma válvula de escape para a  população sofrida e honesta, que estava longe de usufruir, ou até de perceber  a corrupção endêmica grassando em torno de muitos de seus mandatários. Talvez por essa época (de apogeu do nosso futebol) se roubasse menos no entorno dos governos porque então se achava que cometer crimes não fosse tão gostoso assim. Havia também, talvez,  uma educação que quando apreendida privilegiava os sentimentos morais e éticos. O espetáculo do futebol,  mais pobre financeiramente então, permanecia um tanto distante, ou pelo menos à margem do ambiente da corrupção  - “dinheiro atrai a corrupção como mel atrai formiga , já dizia a sabedoria popular” – monstro esse cujos tentáculos não iam até a periferia dos sentimentos populares. Talvez por isso nossos estádios vivessem  lotados,  e o Brasil fosse o país do futebol. Hoje, estádios vazios, a arte futebolística longe dos gramados brasileiros e, dos lares  em frente à tevê,  a atenção voltada para outros palcos do exterior onde se pratica um futebol mais digno de ser visto,  o que temia-se era que a corrupção houvesse chegado também ao futebol mas disso não se duvida mais  desde a promoção escandalosa  de elefantes brancos com a desculpa da Copa, para enriquecer empreiteiros e cartolas oportunistas de ocasião.



                                               
   



                Se a frase dita pelo goleiro foi  recriminada de pronto na imprensa e nas redes sociais  ( sinal que ainda existe gente honesta neste país e ele próprio  se desculpou)  é cruel ressaltar, contudo, que o que foi dito, em particularidade,  por um profissional  do esporte está longe de representar a faceta mais abominável da frase. Muito pior é admitir que ela  espelhe em algum grau a degradação moral de toda uma sociedade, quiçá complacente com tudo o que se obtenha por métodos escusos , desde que tenha  proveito próprio. No caso, o goleiro é menos culpado e pode ter sido vítima de uma frase impensada que tenha apenas  expressado ,de forma inconsciente,   a nudez moral de que está revestido o ambiente que o cerca.    Esse é o perigo maior que não está na frase do goleiro, porém,  visível muito mais nas arquibancadas construídas com o dinheiro do povo para enriquecer espertalhões
                Que fanáticos torcedores, sejam flamenguistas, vascaínos, palmeirenses e corintianos  se digladiem e sejam capazes de gozar com o surgimento dos aspectos mais deletérios de uma competição antes restrita aos gramados, é até compreensível. O difícil de aceitar é que profissionais culturalmente mais preparados do que jogadores  de futebol entrem nessa de ter orgasmos com o ganho obtido de forma indevida.  Se “Roubado é  mais gostoso” foi apenas uma frase infeliz de um profissional brincalhão e inconsequente,  que a sociedade reflita porém no seu significado  para estanca-la na fronteira das rivalidades futebolísticas. Que não se transforme em objetivo de vida e em norma de conduta de nosso povo. Pelo futuro de nossas crianças.

                                                                                                                             ewerton.neto@hotmail.com                                                                                  http://www.joseewertonneto.blogspot.com

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