artigo publicado no jornal O estado do Maranhão
Uma das
maiores alegrias de minha vida me foi propiciada pelo escritor José Louzeiro,
morto na sexta feira passada, quando dele recebi uma pequena carta, quase um
bilhete. Dizia: “Um verdadeiro romance
policial. Denso. De suspense. Como um bom roteiro de cinema.”
Referia-se aos originais do meu
primeiro romance O Prazer de Matar ( que ,mais tarde, em duas reedições sucessivas
no Sul do país recebeu o nome de O oficio de matar suicidas). Até então, nos
idos da década de oitenta eu não sabia que aquilo que havia escrito em trinta
dias – na convalescença de uma cirurgia
- daria um livro: um romance ou, muito
menos, um policial.
Neste episódio destaca-se um dos mais
preciosos atributos do caráter de José Louzeiro: a sua generosidade, expressa
de duas formas: no apoio que concedia aos escritores em potencial, nos quais
vislumbrava o embrião do talento (a bondade do homem); ou na incorporação de personagens sofridos e marginalizados ( a
generosidade de sua escrita).
Essa sua magnanimidade haveria,
talvez, de atingir seu clímax na criação de seu personagem mais famoso: Pixote,
em cujo romance A infância dos Mortos, se desenrola a história de um pivete,
sem rumo e sem salvação, que, adaptado ao cinema pelo diretor argentino Hector
Babenco ganhou vários prêmios vindo a se
instalar, certamente, entre os dez
melhores filmes já produzidos pela cinematografia brasileira.
A leitura atenta desse romance permite
vislumbrar que o escritor não estava ali criando um personagem e dosando- o
para o gosto do público ou das expectativas de mercado, mas sim se
transfigurando no mesmo, expondo através dele a sua alma de repórter jornalístico
revoltado com as injustiças sociais. José Louzeiro montou sua arquitetura
criativa para tornar-se a voz deles todos: De Pixote, a criança excluída; De Lúcio Flávio, a juventude perdida nas teias
dos ideais inalcançáveis e da menina
Araceli ( de Araceli, meu amor)
a
adolescente pobre e bonita, triturada por uma corja de “mauricinhos” ricaços, sob
a proteção da impunidade.
Essa face da postura intelectual de
Louzeiro o fez desaguar em um gênero literário muito adequado para isso: o romance-reportagem , por ele
inaugurado no Brasil (que teve, lá fora, com Truman Capote em A Sangue Frio sua marca mais
notável) e que doou à sua literatura um componente
de originalidade para cuja concepção eram necessários justamente esses
ingredientes: o fato real, o destino irremediável
e acachapante para os fracos, a denúncia.
Pois foi partindo da realidade nua e
crua que José Louzeiro inscreveu sua trajetória romanesca, o que o tornou um inovador, um dos primeiros cultores do
policial no Brasil, esse gênero literário ainda hoje considerado menor pela
crítica universitária - o que causa estranheza, justamente numa nação como a
nossa, em que tudo acaba em polícia e crime. Seria por isso que José Louzeiro
jamais teve um reconhecimento à altura de sua estatura literária, mesmo em sua
terra?
Que a memória trazida pelo seu
falecimento corrija essa injustiça trazendo novamente seus livros ao alcance
das novas gerações, e que, a reboque dessa
necessária reavaliação se faça uma biografia à altura de sua trajetória de
lutas e realizações, plena de valores essenciais
para a construção de uma humanidade melhor. Como um roteiro de cinema. Um
grande roteiro!
José Ewerton Neto é autor de O Oficio de matar suicidas
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