sábado, 14 de agosto de 2010

AO MENOS UM DIREITO

Artigo publicado no Jornal O Estado do Maranhão,
seção Hoje é dia de..., caderno Alternativo

AO MENOS UM DIREITO


Jose Ewerton Neto

ewerton.neto@hotmail.com




Fazia tempo que ninguém falava nesse negócio de direitos humanos quando, esta semana, uma música resolveu entrar na história.
Música? Bem, não era exatamente uma música, mas vá lá. E havia ainda uma camionete, um som estridente e provavelmente um cantor, se é que pode se considerar cantor alguém que se sujeitava a cantar uma sensaboria daquelas. Começaram cedo, por volta das oito e repetiam a coisa há cada meia hora. Eu estava apenas tentando escrever e, num ato espontâneo de solidariedade, comecei a me preocupar com quem estivesse na mesma rua tentando estudar, trabalhar ou simplesmente - se doente - permanecer em paz.
Foi aí então que me lembrei dos tais Direitos Humanos. Puxa vida, de que adianta uma DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS se um direito básico como o de permanecer em paz em sua residência, ou em seu local de trabalho, é vilipendiado justamente por aqueles que desejam seu voto? Afinal, o que será que eles pensam que o eleitor seja, ao lhe impor a insistência metódica ( não falei melódica) de uma música idiota, num som infernal, como uma tortura? E foi então que resolvi, para não perder a viagem, reler a Tal Declaração dos Direitos Humanos para saber a quantas anda o respeito a cada um dos seus itens.

Artigo 1. Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Isso não deixa de ser verdade, em termos de nascimento, pelo menos até o bebê levar a primeira palmadinha. Se raciocinarmos bem, porém, logo se chega à conclusão de que mesmo isso é uma mentira. Uns nascem em hospitais de luxo, outros debaixo da ponte, uns tem canções para lhe embalar, outros tem muriçocas. Uns tem a mamadeira cheia de farinha dágua para lhes alimentar por dois meses, até incharem ou morrerem, outros têm Gisele Bundchen para lhes amamentar durante seis meses e para criticar – no seu blog - as mães pobres que não podem fazer isso. Ou seja, uns nascem para a vida, outros para seja lá o que for; umas nascem para serem mães, outras para serem Giseles.

. Artigo 5. Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.
Será? Quando a rede Globo coloca quase um país inteiro para assistir Faustão ou Big-Brother, alguém pode achar que isso está longe de ser tortura, crueldade, ou desumanidade. Mas, e quanto a ser degradante? Se a exposição pública de machos e fêmeas, exibindo seus instintos mais vis, a troco de alguns pacotes de dinheiro não é degradante o que mais pode existir de degradante no mundo? O texto da lei, para ser atual, deveria, no mínimo, eliminar o termo degradante. Não resolve, mas fica mais fácil, não é mesmo Pedro Bial?

Artigo 6. Todos têm direito a repouso e lazer.
Pode ser. Desde que se considere que assistir show de forró não é tortura, mas lazer, todos tem, realmente, esse direito. Como todos têm também direito à música sertaneja, a assistir dança de famosos, a buraco de rua, barreira eletrônica, guardador de carro, imposto de renda, e obrigatoriedade de votar. Existe lazer maior do que, em pleno domingo ou feriado se dirigir para uma fila, maior que a de banco em dia de pagamento de PIS, para votar num sujeito em quem você não deposita a menor confiança? Melhor do que isso só receber o vale bolsa-cultura do governo Lula para ter direito a todas essas coisas e, de quebra, um lugar no cemitério – se houver - para o repouso e o lazer definitivo.

Artigo 26. Todos têm direito a participar livremente da vida cultural da comunidade, de usufruir das artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios.
Parece que sim e, melhor ainda, na cidade intitulada Atenas Brasileira, todos têm direito até de participar de seus concursos literários. Só não têm direito aos prêmios que lhe foram prometidos, mas, em compensação, têm o direito a colocar o órgão oficial patrocinador do concurso na justiça, com a esperança de um dia vir a recebe-los. Como também, depois de contratar um advogado, têm ainda o direito a esperar, esperar, esperar...
Esperança! Quer maior lazer e participação cultural que essa?

É por essas e outras que qualquer cidadão com um mínimo de senso trocaria toda essa penca de direitos que lhe dizem possuir por pelo menos um: que não lhes ferissem os ouvidos, pelo menos na sua própria casa.

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