domingo, 24 de julho de 2011

O TELE-VIGENTE

Artigo publicado no jornal O estado do Maranhão,
caderno Alternativo, seção Hoje é dia de...

                                     ewerton.neto@hotmail.com





                            Descobriu-se no último recenseamento que uma nova raça denominada TELEVIGENTE é a maioria incontestável da população brasileira. Nem branca, nem preta, nem parda, nem mulata. Ao invés de cor de olhos, pele, ou outro atributo físico, uma única característica basta para diferenciá-la: não pode desgrudar da televisão ou da Internet.  Segundo temem os cientistas (ver entrevista na Veja) a memória dessa raça já exibe sintomas de incapacidade para atividades que exijam concentração e leitura: o que esperar deles para o futuro? 
                            Já que, pelo menos fisicamente é igual a todos, o televigente teria sentimentos? O que come, o que enxerga? Consegue perceber  a luz ao redor, o que pensa  a respeito do futuro, do sentido da vida? Essas perguntas são cruciais para os cientistas,
 Foi fácil entrevistar um deles, já que estão em todo lugar.
Nas churrascarias engolindo um pedaço de picanha ( pouco preocupados em sentir o sabor da carne, evidentemente) enquanto grudam os olhos na novela. Ou, ultimamente,  nos banheiros,  sentados no vaso, olhos na tela, tentando ler alguma asneira do twitter de algum ex-BBB, com um notebook no colo.
-         Como é seu nome?
-         Nome?
-         Seu nome... Você deve ter um nome.
                            -    Acho que é Maria. Maria-vai-com-as-outras, ou melhor Maria-vai-com o que-a- tevê-diz. Ou o facebook, ou o twitter.
-         Tem família?
                            - Devo ter. Se bem que às vezes confundo. De vez em quando passam algumas sombras pela casa a me chamarem de pai, irmão, filho, qualquer coisa dessas; outras vezes chega alguém em forma de esposa, que me pede dinheiro para comprar pão, de manhã cedo. Mas tem a Norma, o Beto, a Eunice. São personagens de novela, eu sei, mas eu passo tanto tempo com eles e pensando neles que acho que essa é a minha verdadeira família.
                            - Tem preferências musicais?
-         Depende.
-         Depende do quê?
-                    Depende da programação da tevê, depende do que a comunidade do facebook sugere. Se eles me disserem que hoje é dia do Gaviões [do forró]  eu gosto, se for dia da Calcinha [preta]  eu gosto, se me disserem que é dia do Luan Santana, ainda que o rapaz seja insuportável, mesmo assim eu gosto. Deu prá entender? Meu gosto varia conforme o humor – dos outros.  Isso tem uma vantagem, eu não preciso matar minha cabeça para ter gosto pessoal.
-          Por falar em gosto musical, por acaso já ouviu falar em clássicos?
                            - Como assim? Vasco e Flamengo? Ou Brasil e Paraguai? Ah, acho que claro que sim, estava com raiva daquela seleçãozinha, mas o Galvão Bueno e o Casagrande falaram que o Brasil jogou até bem, então mudei de idéia. Também nunca entendi porque o Coríntians vai ganhar um estádio, de graça, com o nosso dinheiro, mas já que jamais ouvi alguém da  tevê reclamar disso, achei melhor deixar pra lá. 
-         Você pensa?
-                    Acho que sim, um segundo ou dois por dia, que é o tempo que se leva para ligar a televisão, ou para passar de um canal para o outro, mas nem eu mesmo sei se isso é pensamento ou esquecimento. De qualquer forma, não sinto falta.
-         Livros?
-                    Aprecio muito, principalmente os de maior volume Servem para apoiar o lap-top antes de eu cochilar no terraço.
-         Gosta do seu país?
-                     Suponho que este seja o Brasil não? Deve ser  o que está do lado de fora da janela, na rua. É meio chato, mas ultimamente, tenho uma televisão em cada canto da casa, isso facilita suportá-lo.
-         E a vida?
-         Vida?
-         É aquilo que acontece vez por outra, enquanto você...
-         Não acredito nisso. Deve ser mentira, coisa de lunático. Não deve existir. Em que botão se liga? Vida teria de ser no mínimo colorida, com as cores da minha, digital de 44 polegadas.
-                    Você podia olhar de vez em quando para o mundo ao redor.
-                    Já tentei e desisti. Tudo é feio e triste. Parece um filme ruim em preto e branco.
-         E Deus?
-                    Se não existe vida fora da televisão, como pode existir Deus?. Para mim Deus é uma espécie de Galvão Bueno, Caco Barcelos, Pedro Bial, Suzana Vieira, ex-BBBs... tudo junto
-         Tem certeza?
-                    Absoluta. Se existisse Deus e consequentemente vida fora da televisão o Jornal Nacional já teria anunciado. Em edição extraordinária.

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