terça-feira, 13 de outubro de 2020

A VERDADEIRA HISTÓRIA DE X


 artigo publicado no jornal O estado do Maranhão 


Aquela que ia chegando assim, tão cedo na Escola, era a incógnita X. Ainda não havia ninguém e X, fazendo uso de seu anonimato, subiu as escadas e adentrou a sala de aula. Sentia-se cansada, mortalmente cansada. Contemplou o quadro negro, as cadeiras vazias, sentou-se e se deixou invadir por uma carga de desânimo. Pensou: “Hoje não permitirei que nenhum aluno me ache.”

Nunca antes sua vida lhe parecera tão sem sentido : sair de fórmulas, entrar em fórmulas, correr sempre, driblar a inteligência do aluno  até e descobrir, afinal, quando o aluno fosse um perseguidor eficaz e implacável . Para depois ser exibida nas conversas após provas ( e como ele se sentia repugnante por ser tratada assim) , como um simples objeto , troféu passageiro que o vencedor, feliz, se orgulhava de haver conquistado, como um caçador exibindo a sua presa.

No começo, ela chegara a gostar dessa sua vida de fuga e perigo. Havia compensações! Como era prazeroso, por exemplo, quando ela se defrontava com um aluno pouco inteligente ou preguiçoso... Bastava-lhe se disfarçar, correr em ziguezague , ou mesmo ficar parada, estática na fórmula, e pronto, o estudante não a acharia. Prazeroso também era quando atuavam em grupo  ela e mais alguns colegas Y e Z. O aluno cansava e, não os encontrando, acaba por desistir angustiado e enquanto ela passeava e sua turma passava por perto, inatingível e vitoriosa.

Apesar disso, quantas vezes ela, voluntariamente virava o jogo e se descobria para o aluno com quem simpatizava ou cuja feição de angústia não conseguia  suportar. Tinha dó. Fugia, escondia-se com perfeição, mas com a vitória já ganha muitas vezes acontecia  de olhar para o rosto triste e fracassado do jovem, olheiras fundas de tanto haver estudado. Então pensava que este era uma vítima das traições do destino e que era injusto impor ao mesmo,  o crivo estúpido das instituições humanas. Então se oferecia, penalizada , claro, por perder mais um jogo, mas encontrando recompensa na expressão da felicidade que se estampava na face do aluno. Saber que ela era causadora daquilo era o alimento que lhe fazia prosseguir  e de onde extraía as cores com que dava tons menos fúnebres à sua  triste paisagem feita de integrais, raízes quadrada  e regras de Três.

Quem realmente ela detestava eram os arrogantes e insensíveis. Com estes ela jogava sujo. Quantas vezes ela aparecia , presa irrecusável desde o início da prova. O aluno, a um tempo deslumbrado e cético, quase sempre hesitava: “Não pode ser ela. Assim o problema fica muito fácil!. Aqui tem coisa.” Refletia por longo tempo e a deixava escapar , enveredando por trilhas mais difíceis. Errava a resolução do problema e X gargalhava impiedosa. Com ela se ria nessas horas!

Outros fossem os pensamentos atuais e X não se decepcionaria tanto. Mas X desiludia-se mais que com as derrotas com a falta de idéias e ideais de sua nova geração de adversários . Pobre juventude!

A prova começara e X exagerava em seus trejeitos de fuga . Dava para perceber que algo diferente acontecia nos corpos, nos espíritos ou nas sombras.  Mas o quê, de fato, se não se sentia alterar sequer o pulsar do relógio? De repente, o quadro-negro tombou como um bêbado sacudindo as mentes de seus remorsos e culpas exatamente naquele derradeiro instante em que a pobre incógnita esboçava um último gesto de paixão e medo e caía morta.


José Ewerton Neto é autor de O ABC bem humorado de São Luis 




agora em terceira edição 

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