artigo publicado no jornal O estado do Maranhão
Aquela que ia chegando assim, tão
cedo na Escola, era a incógnita X. Ainda não havia ninguém e X, fazendo uso de
seu anonimato, subiu as escadas e adentrou a sala de aula. Sentia-se cansada,
mortalmente cansada. Contemplou o quadro negro, as cadeiras vazias, sentou-se e
se deixou invadir por uma carga de desânimo. Pensou: “Hoje não permitirei que
nenhum aluno me ache.”
Nunca antes sua vida lhe parecera tão
sem sentido : sair de fórmulas, entrar em fórmulas, correr sempre, driblar a
inteligência do aluno até e descobrir,
afinal, quando o aluno fosse um perseguidor eficaz e implacável . Para depois
ser exibida nas conversas após provas ( e como ele se sentia repugnante por ser
tratada assim) , como um simples objeto , troféu passageiro que o vencedor,
feliz, se orgulhava de haver conquistado, como um caçador exibindo a sua presa.
No começo, ela chegara a gostar dessa
sua vida de fuga e perigo. Havia compensações! Como era prazeroso, por exemplo,
quando ela se defrontava com um aluno pouco inteligente ou preguiçoso... Bastava-lhe
se disfarçar, correr em ziguezague , ou mesmo ficar parada, estática na fórmula,
e pronto, o estudante não a acharia. Prazeroso também era quando atuavam em
grupo ela e mais alguns colegas Y e Z. O
aluno cansava e, não os encontrando, acaba por desistir angustiado e enquanto
ela passeava e sua turma passava por perto, inatingível e vitoriosa.
Apesar disso, quantas vezes ela,
voluntariamente virava o jogo e se descobria para o aluno com quem simpatizava
ou cuja feição de angústia não conseguia
suportar. Tinha dó. Fugia, escondia-se com perfeição, mas com a vitória
já ganha muitas vezes acontecia de olhar
para o rosto triste e fracassado do jovem, olheiras fundas de tanto haver
estudado. Então pensava que este era uma vítima das traições do destino e que
era injusto impor ao mesmo, o crivo
estúpido das instituições humanas. Então se oferecia, penalizada , claro, por
perder mais um jogo, mas encontrando recompensa na expressão da felicidade
que se estampava na face do aluno. Saber que ela era causadora daquilo era o
alimento que lhe fazia prosseguir e de
onde extraía as cores com que dava tons menos fúnebres à sua triste paisagem feita de integrais, raízes
quadrada e regras de Três.
Quem realmente ela detestava eram os
arrogantes e insensíveis. Com estes ela jogava sujo. Quantas vezes ela
aparecia , presa irrecusável desde o início da prova. O aluno, a um tempo
deslumbrado e cético, quase sempre hesitava: “Não pode ser ela. Assim o
problema fica muito fácil!. Aqui tem coisa.” Refletia por longo tempo e a
deixava escapar , enveredando por trilhas mais difíceis. Errava a resolução do
problema e X gargalhava impiedosa. Com ela se ria nessas horas!
Outros fossem os pensamentos atuais e
X não se decepcionaria tanto. Mas X desiludia-se mais que com as derrotas com a
falta de idéias e ideais de sua nova geração de adversários . Pobre juventude!
A prova começara e X exagerava em
seus trejeitos de fuga . Dava para perceber que algo diferente acontecia nos
corpos, nos espíritos ou nas sombras. Mas
o quê, de fato, se não se sentia alterar sequer o pulsar do relógio? De
repente, o quadro-negro tombou como um bêbado sacudindo as mentes de seus
remorsos e culpas exatamente naquele derradeiro instante em que a pobre
incógnita esboçava um último gesto de paixão e medo e caía morta.
José Ewerton Neto é autor de O ABC bem humorado de São Luis
agora em terceira edição
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