quarta-feira, 30 de abril de 2025

A MAIOR DE TODAS AS ILUSÕES


 

A MAIOR DE TODAS AS ILUSÕES

 

José Ewerton Neto

 

 

 

 

A maior de todas as ilusões é você mesmo, caro leitor.

O neurocientista Daniel Dennet atesta, como outros especialistas, que a mente humana é apenas uma constante sucessão de ideias, lembranças, sucessões, projetos, sentimentos, disputa por atenção etc. que passa por nossa consciência, de forma não linear. Para ele a forma de dar sentido a esse turbilhão é dizer que há um Eu no comando de seus pensamentos. Mas esse eu unificado é apenas um conceito, portanto, um impostor.  

A IA respondeu exemplificando com um diálogo entre o ser humano e sua imagem no espelho quando indaguei se era verdade que o ser humano não passava de uma ilusão, depois de ter confirmado que, de fato, não passamos de ilusões.   

 

- Quem é você?

- Eu sou você.

- Nada disso. Você é apenas a minha imagem. Eu sou eu.

- Não se iluda. Eu sou você.

- Idiota! Se você for eu, quem, afinal, eu sou?

- Uma ilusão. Somente isso e mais nada.

- Ah, quer dizer então que eu como, bebo, respiro, transo, posso te mandar à puta que pariu agora mesmo e, mesmo assim, eu não sou eu. Enquanto que você, sem corpo e sem vida, por trás da lente de um espelho é a minha pessoa...

- Eu pelo menos sou sua imagem. Você nem isso, simplesmente é uma fantasia criada por você mesmo.

- Essa é boa! Vejo que você pretende me tirar do sério. Quer dizer que sequer uma imagem eu consigo ser, ou ter?

- Claro! Basta pensar. Daqui a um segundo você já terá outra imagem. Eu poderei ser sempre sua imagem atualizada, basta vir ao espelho. Já você, ao sair daqui, pensará que sua imagem ainda será a mesma de agora, esquecido de que esta já foi envelhecida pela passagem de mais um segundo.  E, assim por diante, uma sucessão de rostos se deteriorando até morrer.

- Peraí. E meu pensamento?

- Seu pensamento é uma soma de sensações que você teve, imitou dos outros ou lhe impuseram, portanto, nada exclusivo seu.

- E meu relógio? Meus pais? Meus genes? Minha carteira de identidade?

- Não são seus. Você os tem apenas provisoriamente.

- Nada existe então de meu? De minha pessoa?

- Nada, você é pó, e ao pó retornarás, lembra? Já eu não. Hoje sou você, amanhã posso ser outro, mais outro. Pelo menos sou uma imagem. Valho mais que você.

- Miserável! Vou te matar criatura, seja lá quem você for.

- Vamos lá, pegue uma pedra atire em minha direção e me quebre. E assim perderá a oportunidade de continuar olhando a ilusão que você é. O resto é memória. Quando fica.

sábado, 26 de abril de 2025

BEN HUR A PERDER DE VISTA


 


“Qual filme você assistiu mais de dez vezes e tem vontade de assistir novamente? ”

Essa pergunta, em uma postagem do   Facebook, despertou-me a curiosidade a ponto de conferir as respostas.

Acompanhei vários comentários, para mais de 70, que destacaram, para surpresa minha, alguns filmes antigos de minha preferência como Ben-Hur e A noviça Rebelde etc, entre vários outros de produção mais recente

            Tivesse eu que apontar 3 filmes marcantes escolheria um para cada diferente fase da minha vida: Ben-Hur na infância, Dr.Jivago na adolescência e A Primeira noite de tranquilidade, na maturidade.

Ben-Hur e Dr.Jivago foram filmes premiados com vários Oscars.   A primeira noite de tranquilidade sequer pertence aos cânones dos críticos de cinema. As razões dessa minha escolha fogem à objetividade dos entendidos em cinema e prende-se às sensações que os cristalizaram em minha memória por diferentes motivos.

Ben-Hur não representou para minha infância apenas um filme assistido e admirado, mas uma descoberta. O glorioso impacto aconteceu quando descortinei, à vista da tela, cenas memoráveis quase ao alcance da mão: o sofrimento e o combate nas galés; a famosa corrida de bigas, o reencontro do personagem principal com mãe e irmã despedaçadas pela lepra, o milagre e a redenção.

Ao constatar, porém a ausência de qualquer citação na referida lista a Dr.Jivago, fiquei motivado a fazer o seguinte comentário:

“Jamais assistiria a um filme dez vezes, a ponto de repeti-lo mais tarde, mesmo sendo Ben-Hur, mas sinto falta, entre os citados, de Dr.Jivago. Para mim, há várias razões para assisti-lo mais de uma vez além da concepção estrutural e cinematográfica intrínseca ao filme: os sedutores olhos verdes da heroína Lara (Julie Christie), a cena antológica de sua incursão em uma festa de ricaços em que ela, plebeia e vestida com andrajos, invade o luxuoso salão para dar um tiro no homem que a prostituía seguida de sua saída triunfal e impactante. A fotografia gélida e sombria, coerente com a opressão dos anos pós- revolução comunista russa. Tudo isso tendo ao fundo a música tema do filme:  o tema de Lara.  Belíssima!


terça-feira, 1 de abril de 2025




DE PERDIDOS A PERDEDORES

José Ewerton Neto

À primeira vista isso parece simples como constituinte do fatídico humano...

 

Perdido. Sem saber quem é, nem de onde veio, nem para onde vai. E cercado de perdas por todos os lados.

É esse o homem?

Sob um ângulo científico, sim. Caso não se socorra de sua fé religiosa para responder à primeira parte das questões fundamentais de sua existência, para as quais a Ciência jamais encontrou resposta.

Mas o pior é que, queira ou não queira, também é um perdedor nato e é disso que se ocupa Kathrin Shuls em artigo intitulado Permanência publicado na revista Época, tempos atrás. E, embora as Perdas sejam fatos corriqueiros em nossas vidas, fingimos não nos dar conta disso.

Estatisticamente dados de uma pesquisa mostram que um cidadão comum perde cerca de nove objetos por dia, o que significa que quando completarmos 60 anos teremos perdidos cerca de 2 mil coisas. Durante toda sua vida você passa cerca de seis meses procurando por objetos perdidos. Somente em celulares perdidos nos USA uma década atrás foram gastos 30 bilhões de dólares, imagine hoje!

À primeira vista isso parece simples como constituinte do fatídico humano, mas essas pequenas perdas não passam de presságios de perdas ainda maiores - da autonomia, da capacidade intelectual e, finalmente, da própria vida. Por isso quando perdemos coisas, mesmo triviais, ficamos tão chateados. Independentemente do que desaparece a perda nos coloca em nosso lugar, nos faz confrontar a desordem, a perda de controle e a natureza efêmera da existência, diz a autora.

Até chegarmos a maior das perdas, a dos entes queridos. Tantas vezes, inconscientemente, saímos à procura daqueles que perdemos e que jamais encontraremos, porque, diferentemente de outras perdas, a morte é a perda sem possibilidade de encontro.

Nossa sina prosseguirá, irreversível, até que em determinado dia deixaremos, afinal, de sermos perdedores. É quando passaremos de perdedores a perdas para os que continuam vivos, a quem só restará para reflexão a frase latina Consummatum Est (Está consumado!) pronunciada  por Jesus Cristo quando estava na cruz e sabia que a sua missão redentora havia sido cumprida -  referindo-nos não mais ao que se foi mas ao que restar de  nossa própria existência.