segunda-feira, 30 de junho de 2025
PATRIOTISMO DE CANALHAS

segunda-feira, 23 de junho de 2025
MOÇA COM BRINCO DE PÉROLA
“ Um dia uma
folha me bateu nos cílios. Achei Deus de uma grande delicadeza. ” Clarice Lispector.
MOÇA COM BRINCO DE PÉROLA é o retrato
de uma camponesa pintada por Vermeer e se considera um dos seus mais célebres
quadros. A pintura nos comove por vários motivos, mas nenhum deles avança em
direção ao reino das impressões indescritíveis (que todos temos) em velocidade
maior do que a delicadeza que emana de todo o quadro.
A mulher não tem um rosto de beleza
extraordinária, talvez nem possa ser chamada de bela. O rosto, pequeno, carece
de intensidade para chamar a atenção de um olhar desatento. Seus cabelos,
cobertos por uma touca, parecem cumprir a obrigação de humildade, coerente com
seu destino de moça pobre. No entanto, cabeça virada para trás em direção
àquele que a contempla, ela fita demoradamente e continua fitando sem parar
como se quisesse contar uma história, a sua história, a história de sua – agora
sim extraordinária – delicadeza.
Como contar essa história partindo
apenas do seu silêncio e de seu olhar que fita? Como fazer a sua delicadeza
mover-se?
A escritora Tracy Chevalier se propôs
à primeira parte dessa trajetória quando romanceou Moça com brinco de pérola. São delas as palavras “Quando contemplei
o retrato, tentei imaginar o que Vermeer fez a ela para ficar assim, alegre e
triste ao mesmo tempo. Um belo dia tive a compulsão de escrever a sua história.
Fiz o romance em três dias. O diretor Peter Weber se propôs à segunda.
Os atores principais escalados para o
filme foram Scarlet Johansen com Griet (a moça do brinco) e Colin Firth como
Vermeer. Não li o livro ainda. No filme a história é de uma serviçal escolhida pelo pintor para servir-lhe de
modelo. A carga de empatia erótico-artística que se estabelece entre ambos
provoca a ebulição de sentimentos de ciúme e inveja na esposa e filhos.
Quem nunca leu o livro ou tinha
conhecimento do quadro de Vermeer pode ter a sensação de que a história é
anterior ao quadro ou posterior, ou independente dele, até mesmo de que é uma
ficção, como foi a intenção da escritora. No entanto, para quem conhecia o
quadro, a partir da arquitetura montada pelo diretor vê-se que não há
independência entre eles. Perdura no filme o mesmo tom de cores esmaecidas, os
diálogos silenciosos, onde as expressões dizem mais do que as falas, o
sufocante dos sentimentos ocultos e contidos e, predominante a todo instante, a
delicadeza em ação através da formidável atuação de Scarlet Johansen como uma
espécie de obra de arte ambulante, que sai do quadro e se movimenta ao longo de
duas horas de fita.
Quando se diz que não há ficção, isso
seria apenas uma força de expressão, não tivesse o diretor alcançado
o objetivo a que se propôs acima, de traduzir para o cinema uma obra de arte
anteriormente já traduzida – para o livro. De fato, muitos experts da arte
contemporânea hoje falam como se a história romanceada pela escritora tivesse
existido realmente. E por que não teria? Que é a sina humana mais que a busca
incessante de sufocar a inexorabilidade da morte com a ilusão da eternidade até
que isso se torna realidade?
Traduzir o sentimento não dito eis o
maior mérito do contador de histórias. Em entrevista o escritor moçambicano Mia
Couto disse que o ser humano que não sabe narrar uma história é pobre de alguma
maneira. No final do filme de Peter Weber a pintura de Vermeer substitui a
atriz em cena e toma conta da tela substituindo a ação. O espectador,
extasiado, não fica sem entender. A moça do brinco de pérola finalmente viveu a
sua história. Agora já pode retornar ao quadro.

domingo, 1 de junho de 2025
TUDO É VIROSE
“A
entrada do novo século simplificou tudo de forma avassaladora: Tudo é VIROSE. ”
Bons tempos aqueles em que quando
você sentia febre, dor de cabeça, resfriado ou diarreia o médico lhe examinava
e identificava a origem da doença, cujas causas mais comuns popularmente eram:
infecção, má digestão, pulmão afetado, contusão, causas psíquicas, etc etc
A entrada do novo século simplificou
tudo de forma avassaladora: Tudo é VIROSE.
O médico, concentrado no celular, nem
mais lhe fita direito. Antes mesmo que você comece sua fala ele já interrompe a
ladainha de seus males dizendo: Deve ser Virose. Vou lhe passar alguns exames
só para confirmar.
Desconsolado, você esboça alguma reação
- Doutor, que remédio então devo
tomar?
- Viroses não são curáveis com
remédios, mas fique tranquilo. Você vai ficar bom mais dia menos dia.
Como seu mal-estar continua, você trata
de obter o resultado dos seus exames o mais breve
possível. Novamente diante do médico, este, depois de contemplar as imagens por
brevíssimos dois segundos, conclui:
- Não lhe falei? Sabia que era
virose. Está liberado.
- Mas... Que tipo de virose? Como se chama? Que posso
fazer para combate-la?
- Não existe ainda vacina específica
para ela. Só posso lhe garantir que você não é o único e que essa danada está atacando
na cidade toda. Procure relaxar e dar tempo ao tempo.
Sem remédio você sai do consultório
mais frustrado do que ao chegar, isso porque acabou de saber que essa tal virose que
lhe acompanha em todos os seus instantes de agonia não tem sequer um nome para chamar de seu. É Virose e ponto final.
2. Tenho um amigo que depois de tanto
ser diagnosticado com virose (sua família, seus amigos e até o cachorro de sua
casa), adquiriu tanta experiência em medicina que automaticamente diagnostica como Virose a tudo que acomete
os múltiplos clientes que lhe procuram à cata de orientação na farmácia onde trabalha,
como enfermeiro
De uns dias para cá anda pensando em
abrir um consultório e exercer legalmente (pelo conhecimento de causa) o ofício
da Medicina. Sabe que quando receber os doentes terá prontas 95% das
respostas possíveis.
Pensa, inclusive, em apor
diante de seu consultório uma placa com
os dizeres: Diagnóstico em poucos
segundos, sabendo que estará possibilitado a identificar até as doenças de
origem sentimental, como dores de cotovelo ou de corno.
Neste caso a experiência lhe
facilitará o diagnóstico.
“ É um vírus muito comum hoje em dia que,
em épocas festivas como Carnaval e são João, se propaga que é uma beleza! O
remédio é relaxar. “
