terça-feira, 11 de agosto de 2009

Os pais estão no ponto

Cronica publicada sábado passado na coluna Hoje é dia de
Jornal O Estado do Maranhão


OS PAIS ESTÃO NO PONTO


Jose Ewerton Neto, membro da AML

ewerton.neto@hotmail.com


Os pais estão no ponto. Ponto de quê? – pode perguntar-se o leitor. Ponto de receber o presente do dia de amanhã, ponto de ônibus, ou a ponto de um ataque de nervos, como as mulheres de Almodóvar? Nem uma coisa, nem outra, os pais ultra-modernos, em eterna crise de identidade, estão a ponto de serem definidos melhor pelas pontuações gramaticais, as únicas ainda capazes disso. Vamos a elas:

Pai Ponto de Exclamação: É aquele que esbanja otimismo e livro de auto-ajuda. Diz que se cerca do bom e do melhor para o futuro dos filhos. Anda sempre com um sinal de positivo a tiracolo, além do celular e do bucho. Achando-se pessoalmente insignificante vive montado num carro grande, para poder ser admirado à vontade. Adora dizer “Como meu carro é lindo e potente!”, ou ainda “Como minha esposa é tão ativa que trabalha em equipe, todo dia, depois do expediente!” Tanta exclamação contagiosa, desperta igual admiração dos demais: “ Que perfeito chifrudo! Suruba também é trabalho em equipe!”

Pai Ponto Final: É aquele que adora fechar a questão em torno de qualquer assunto polêmico dentro de sua casa. Como do tipo: “Vou esconder a chave do carro até que apareça a minha revista de sacanagem” ou “ Se não disserem quem mexeu na minha caixa de remedinho azul, amanhã mesmo saio desta casa.” Até que, ante o descrédito geral, emite a sentença: “Esta é a minha última palavra, e ponto final.” Todos fingem que concordam até que, meia hora depois, ao sentir falta do seu aparelho de barbear, começa o próximo capítulo.

Pai Reticências. É aquele que deixa tudo no ar a começar pelas cuecas e pelas contas de água e luz. Seu ar indefinido é uma estratégia de resistência para dar tempo ao tempo. Fleumático, foge das definições cotidianas e de reticência em reticência vai levando a vida, até que se aproveita de mais uma delas para escapar dentro da noite veloz.

Pai vírgula. É aquele que vive fazendo de tudo para que perdure o período que está vivendo, qualquer que seja este. O que lhe interessa é companhia, sabe-se lá de quê. É aquele que, nas festas, vive oferecendo atenções para entretenimento geral, sempre lembrando que ainda está por vir a saideira. Para não ficar só é capaz até de participar de passeata de sem-terra. Abandonado pelos filhos que, há muito tempo, preferiram a Internet, deu para levar seu vira-lata para passear na praça. Acaba ficando velho antes do tempo, sem se dar conta de que se tornou apenas uma vírgula no discurso da família e um ponto e vírgula na sentença dos outros.

Pai dois pontos. É aquele que sempre que bebe ou tem alguma contrariedade, chama toda a família, dá uma parada solene e depois deságua um rio de reclamações. Só termina de falar quando percebe que todo mundo foi-se embora e a esposa – ainda bem que tem uma esposa compreensiva –, diz compungida: “Desculpe, filho é que você passou do ponto mais uma vez.”

Pai Ponto de Interrogação. É aquele que quer saber tudo que acontece dentro de casa: quem telefonou, para qual o time torce o namorado da empregada e até se a nova chefe de sua mulher usa bigode. De tanto perguntar nem percebe que hoje em dia ninguém lhe pergunta mais nada, sequer se aquele berro horroroso que se ouviu na noite passada e que durou três horas foi por causa de mais um ataque de estômago.

Pai Entre Aspas. É aquele que faz tudo para se destacar no seio da família e na vizinhança. Desde tocar foguete no meio da rua quando o Flamengo ganha do Friburguense até escutar Márcio Greyck a altos decibéis, de madrugada, para que todo mundo saiba que tem um aparelho de conversão de elepê. Pior é quando tenta puxar a patroa para dançar forró e quase quebra as cadeiras (as da sala e a sua). Se alguém confundir o pai entre aspas, com o entre caspas, não faz muita diferença.

Pai Entre Parênteses. É aquele que precisa ser traduzido para os outros, exaustivamente explicado, senão ninguém entende. A esposa vive repetindo; “Não ligue, meu filho, seu pai é assim mesmo”, ou então, sua mãe, compreensiva: “Ele sempre foi assim desde criança, difícil de entender.” E passa o resto da vida incompreendido até que, por fim, a morte lhe permite um desagravo quando algum parente, pesaroso, afinal diz: “Tinha um gênio incompreensível, mas foi o melhor pai que um filho poderia ter.” Confortado, finalmente, sai da escravidão do entre parênteses para a liberdade de entre as tábuas de um caixão.

Pai Travessão. É aquele que passa o dia rindo das travessuras do filho - que
ninguém consegue mais suportar, a não ser o cachorro da família ( assim mesmo porque é de pelúcia). E diz embasbacado: “Você acha que houve um dia na humanidade um moleque tão travesso como o meu? Também pudera, puxou pro pai, porque ele é um travessinho, e eu um travessão”.

Pai Asterisco. É aquele que nenhum sinal o define ou identifica. O Correio não o encontra, nem a polícia, muito menos as súplicas da mãe e os berros do bebê, de quase um ano. É aquele pai especialista em mandar esperma sem assinatura para o reino das vaginas vindouras e que some tão depressa da vida das mulheres, quanto maior for a disposição delas de doar-lhe um lar. É o sujeito oculto de qualquer oração, inclusive a da mãe da criança, desesperada, um dia antes de ir batalhar nas varas de família: “Meu Deus, fazei com que alguém encontre esse canalha, para que possa fazer o teste de DNA”.

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