sábado, 14 de novembro de 2009

SUPER CHICO

Texto publicado na seção Hoje é dia de...

O Estado do Maranhão, hoje, sábado



SUPER CHICO


José Ewerton Neto, membro da AML

ewerton.neto@hotmail.com


Ao recorrer à expressão Super-Chico poderia estar fazendo menção ao Rio São Francisco que, depois de normalmente ser chamado grande Chico, agora, revigorado pelo PAC, segundo Lula, salvará o Nordeste. Porém - calma! -, por enquanto, ainda não há vez para ele. Em matéria de Super-Chico só poderíamos estar falando de outro: o Buarque de Holanda.
É ele que continua dando de dez. Além de ter vendido horrores com seu ultimo romance Leite Derramado (num país onde ninguém se derrama por um livro), já existe um outro, sobre a história de suas músicas, que dispara nas primeiras posições de venda. Como se não bastasse, em paralelo, a revista Rolling Stone escolheu a sua música Construção, como a melhor entre as cem melhores do cancioneiro popular brasileiro. Mais do que Carinhoso, de Pixinguinha – que ficou em segundo, mais do que Águas de Março, de Tom Jobim – que ficou em terceiro, e mais do que qualquer música de Noel Rosa que – pasmem! - só aparece em qüinquagésimo com a música Conversa de Botequim. Onde será que esconderam Três Apitos, Feitio de Oração, Ultimo Desejo, e tantas outras de Noel?
Lembro que me tornei ardoroso fã de Chico Buarque na minha adolescência quando, num programa chamado Esta Noite se Improvisa o ouvi cantar a música Feitiço da Vila, embora, então, gostasse mais da jovem guarda e dos Beatles, como quase todos de minha idade. Logo vim a saber, através do meu pai, violonista e profundo conhecedor de MPB, que esta era uma composição de Noel Rosa, um autor que até então não conhecia. Essa admiração se completou quando Chico, logo a seguir, compôs Quem te viu quem te vê, outro samba que se tornou, junto ao de Noel, meu favorito.
Recentemente, escrevi um especial no caderno Alternativo deste jornal, sobre a situação da literatura atual, em que a penúria de grandes ou anônimos escritores nacionais foi contraposta, em termos de sucesso, à glória exclusiva, total e incontestável de Chico Buarque, agora, não mais como compositor, mas como escritor. Com alguma surpresa, para mim, recebi várias manifestações de apoio e mensagens de congratulações sobre a matéria do texto e, numa mesa-redonda para estudantes do curso de Letras, da UFMA, fui questionado pela aparente ousadia de estar colocando em cheque um mito inquestionável como Chico Buarque.
A razão, agora me referindo ao desprezo da lista a um gênio do porte de Noel Rosa, parece estar justamente aí: na cada vez mais revigorada criação do Super-Chico: daquele que qualquer coisa que faça há de estar acima do bem e do mal, inclusive, de um talento como o de Noel Rosa, no caso, maior que o dele. No Brasil, parece dar-se o fenômeno do oito ou oitenta. Desprezam-se determinadas personalidades com a mesma facilidade com que se ignoram os defeitos de outras, em quem só se reconhecem virtudes. Como dizia Tim Maia, o Brasil é um estranho país onde puta goza, gigolô tem ciúme, traficante fuma maconha e comunista é de direita. Nestas circunstâncias, torna-se até natural que nele aconteça o que doravante deveria passar a se chamar a Lei de Chico: “Quer dar uma de intelectual e está difícil, ou então quer vender revista? Ora, é fácil: fale de Chico Buarque ou diga que leu seu livro”.
Tal exagero tem ilustração na recente biografia de Wilson Simonal (alguém se lembra dele?). Este, um cantor mulato e beiçola, nascido em Realengo teve, na época dos anos 70/80, sucesso em várias camadas sociais bem maior que o de Chico mas os meios de comunicação reservaram prontamente para ele um lugar desprezível no limbo da história, com a pecha de dedo-duro e possível agente do Dops –sem que nada disso tenha sido provado. O curioso é que, nas primeiras eleições convocadas pela “Revolução” sua conduta tenha sido, no mínimo, mais corajosa que a de Chico Buarque, quando manifestou abertamente seu voto contra o establishment , enquanto Chico, com toda a sua aura de herói que até hoje persiste, preferiu ficar em cima do muro dizendo: “A única coisa que tenho certeza é de que votarei na melhor música.”
Voltando às listas - razão desta reflexão -, afinal de contas, para que servem e o que querem dizer? Listas já elegeram Maradona como maior que Pelé e já tem gente dizendo por aí que Zico também foi, mas os sábios sempre acreditam que elas passarão e, ao fim, a verdade será salva pela história. Será? Quantas listas apressadas serão suficientes para diminuir a importância de um compositor como Noel Rosa, que também perdeu para Chico, recentemente, como maior compositor do século? Ao discutirmos esse assunto, um amigo lembrou que as preferências evoluem com a sucessão das novas gerações, tornando-se o xis da questão saber até que ponto a continuidade pode transforma-las num juízo de valor definitivo para a história.
Isso significa que, ainda estamos bem quando a grandeza de Noel Rosa é comprimida, mas a favor de Chico Buarque, cujo talento, embora inferior ao do mais arrebatador gênio da música popular brasileira - morto aos 26 anos com mais de 230 músicas registradas em seu nome - é também de um notável compositor; apesar dos exageros do Super-Chico. Pelo mesmo raciocínio, porém, as próximas gerações incorporarão os grandes sucessos atuais como referência da melhor música de todos os tempos e, provavelmente (e infelizmente) nestas poderão entrar Zezé di Camargo e Luciano, Ivete Sangalo, Bruno e Marrone... etc. Já pensou?

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