domingo, 11 de abril de 2010

PARA SE LIVRAR DAS LARVAS

Texto publicado sábado na seção

Hoje é dia de... O Estado do Maranhão


Praga ou vírus? Nem um nem outro: essa perturbação de praga, essa contaminação de vírus, não passa de larva. Segundo cientistas, que pesquisam a memória humana, guardar um som torturante, que fica em sua mente como uma melodia presa no cérebro, é um fenômeno recorrente chamado earworms - literalmente, larvas de ouvido. (Já sentiu um mosquito enfiado em seu nariz? Recorda sua sofreguidão ao tentar ejeta-lo sem conseguir? É mais ou menos assim )
Portanto, aquela sensação angustiante de podridão cultural, que alguém sente quando escuta o refrão da música Rebolation, por exemplo, tem o efeito de larva se arrastando pelo seu cérebro. Quantas vezes por dia você já sonhou em expulsar um som desses de sua mente, sem conseguir? Quantas vezes por dia você já quis implodir quem passa defronte à sua casa zoando esse tipo de chacoalhar repetitivo bem perto do seu ouvido? Quantas vezes você já pensou em exterminar um sujeito de dois metros, rebolando à sua frente - se agitando e pulando feito um macaco, crente que está executando uma obra-prima da dança ao som desse refrão? Quantas vezes você não desejou que houvesse uma lei que defendesse sua paz e tranqüilidade desses disseminadores de larvas?
Tais pragas melódicas, dizem os cientistas - se alimentam da própria memória para infectar o pensamento (90% da população). Tanto é assim que, conforme publicado na revista Veja “a intragável (sic) Rebolation do grupo baiano Parangolé, alcançou 75000 downloads para celulares até quinta-feira passada, garantindo o primeiro lugar entre as músicas baixadas no período”. Sua “contaminação” , segundo os cientistas é devida , principalmente à repetição.
Os earworms começaram a ser estudados no fim do século XIX. Nessa época a invasão sonora não causava tanto transtorno, porque não era tão freqüente, não havia a explosão musical que existe hoje. Não havia celulares, nem havia trios elétricos: nem carros imitando trios elétricos, nem bicicletas imitando trios elétricos nem o mundo havia se transformado num gigantesco trio elétrico. Segundo a ciência, o problema é a repetição , ela é que causa a larva e somente um trabalho de proteção muito eficiente pode evitar que você seja contaminado. Como solução para evitar o contágio algumas alternativas são sugeridas por Philip Bearman. Tentemos avaliar, porém, sua eficácia:
1. “Tente não pensar no assunto” Os earworms são como chicletes
e sua definição é a mesma da piada: quanto mais você pisa mais gruda.
Seria cômico se não fosse trágico. Como não pensar no
assunto quando a música sequer tem assunto – como no caso de Rebolation?
2. “Coloque para tocar outra música.” Segundo o cientista cantar uma canção diferente pode neutralizar o efeito virótico.
Certo, mas que vantagem existe em você substituir uma larva por outra? Que proveito há em deixar de escutar o rebolation para ouvir outras larvas consagradas e reconhecidas, como Festa no Apê, de Latino, Pense em mim de Leonardo ou São as cachorras, de algum cachorro?
3. Compartilhe a canção com um amigo. Segundo o cientista, ao compartilhar a canção, o efeito de larva pode se diluir com base na matemática da propagação das larvas que diz: larva dividida por dois dá meia larva.
Vá lá! Mas e se o seu amigo se contaminar também e, infectado, resolver lhe devolver a música em dobro? Quem vai apanhar primeiro?
O que se percebe é que, apesar de toda boa vontade de Bearman, nunca se encontrará uma solução para o earworm. Até mesmo o consolo de que o “fenômeno” tem duração de 27 minutos e de que se as larvas voltarem, a recorrência é por apenas mais um dia, resiste à confrontação com a realidade. O problema, na verdade, não é só a capacidade de a industria musical produzir pestes sonoras, o problema maior é o de as pestes sonoras produzirem pestes humanas (devidamente disfarçadas , é claro, de motoristas montados em monstrengos barulhentos)
Contra estes jamais haverá defesa possível . Quem sabe a epidemia seria amenizada se, um dia, nossos legisladores aceitassem a sugestão proposta por um amigo meu: a de punir os disseminadores com uma lei determinando que toda vez que um sujeito contaminar o universo com suas larvas, deveria ser condenado a passar o dia inteiro escutando Bethoven, Chopin ou Villa-Lobos.
. Certo, não resolveria o problema, mas, pelo menos, o criminoso iria sofrer prá burro! Muito mais que nós sofremos.


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