domingo, 5 de junho de 2011

A ULTIMA DO BOM PORTUGUES

Artigo publicado na seção Hoje é dia de...

O Estado do Maranhão, sábado

A ÚLTIMA DO BOM PORTUGUÊS

José Ewerton Neto

ewerton.neto@hotmail.com

Lembram daquela do português? A de que houve um dia um “melhor português do Brasil” e era, justamente, falado no Maranhão? Pois é, está virando piada. Primeiro, porque ninguém está nem aí para essa tal de tradição histórica de falar bem e, segundo, porque, como querem os gramáticos do Ministério da Educação, sequer se precisa mais falar um bom português.

Tudo já foi dito sobre essa discussão, portanto “lá vem a lua saindo, redonda como um botão, se ela virar coalhada nóis come”, como dizia o caboclo. Melhor negócio é sair atrás desse português que, a muito custo descobri, cansado, depauperado e, algo revoltado, em um cantinho qualquer da Praia Grande.

- Ainda estás em São Luis, bom português?

- Aos trancos e barrancos.

- Mais trancos ou mais barrancos?

- Tantos trancos que nem ligo mais para os barrancos. Por exemplo, o de você me chamar de bom português, quando fui, indiscutivelmente e durante muito tempo, o melhor português do Brasil.

- Oh, desculpe. Mas os trancos têm vindo da parte de quem?

- Ora, de quem deveria zelar por mim, dos órgãos oficiais, dos planos culturais, das escolas, dos próprios professores que se recusam a admitir que eu ainda existo, que fui parte do que se chamou Atenas Brasileira, enfim que ainda estou aqui.

- Você se queixa, então que a nova geração não o conhece?

- Não só não me conhece, como está completamente indiferente a mim. Em matéria de português eles prestam muito mais atenção ao português - pra lá de chato! - da tevê, que anda comendo uma atriz da outra, nas novelas e fora delas.

- Ouvi dizer que você está a ponto de desistir de tudo e ir embora.

- Ir embora? Como, se não tenho alternativa? Outrora, era bem recebido em toda parte. Toda vez que um maranhense visitava outro estado, as pessoas de lá diziam logo: “Já ouvi falar em tua terra. É lá que mora o melhor português do Brasil.” Hoje é mais fácil que perguntem: “ Maranhão? Não é a Jamaica Brasileira”?

- Isso sugere que não te adaptaste aos novos tempos.

- Recuso-me a isso. Se adaptar significa falar as besteiras que falam Faustão, Luciana Gimenez e o ex-presidente Lula, estou fora. O idioma deles eu não consigo entender. Aliás, dá para acreditar no que estão tentando fazer?

( Desde o início da entrevista evitava tocar no assunto para não entristece-lo, mas, agora, não havia outro jeito)

- Sei, existe uma turma de idiotas que está propondo que se ensine o português errado nas escolas.

- Ouvi falar disso, claro, mas essas coisas não me entristecem mais. Faz muito tempo que a televisão é a melhor cartilha do mundo para ensinar besteira e sacanagem para crianças e ninguém jamais se importou com isso. Estava falando de coisa muito pior.

- Pior?

- Sim, pior é o que estão tentando fazer no quarto centenário desta nossa cidade Segundo ouvi falar contrataram uma escola de samba do Rio e nela vai ter lugar (ala) para tudo: para bumba-boi, para tambor de crioula, para Alcione, para o Beco da Bosta e até para reggae, só não vai ter lugar para lembrarem de mim: aquele que foi durante muito tempo o melhor português do Brasil.

(Temi pelo pior, ao perceber sua tristeza. Evitei lembrar que ele, de fato, talvez já nem existisse, era quase uma sombra, apenas uma lembrança)

- Talvez reconsiderem isso, Melhor Português. Não fique assim, tenha esperança!

- Sei o que estás pensando, amigo, mas... Não se preocupe, não corro o menor risco de morrer na sua frente de depressão, infarto, ou apoplexia. Sinto-me resignado e calmo, embora sem vontade de viver e resistir. Eu não saberia continuar a viver num país em que as pessoas fazem questão de não serem mais burras, não só porque o dia tem apenas vinte e quatro horas, mas, agora também, porque o alfabeto só tem 23 letras.

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