sábado, 17 de março de 2012

O LIVRO QUE VOCÊ É

artigo publicado na seção Hoje é dia de...
Jornal O estado do Maranhão, caderno Alternativo, hoje, sábado


Algum tempo atrás comecei a escrever um conto cujo título era “A história do livro que era eu.” Achei que o conto ia se desenvolver a partir dessa idéia, mas estacionou na segunda página e hoje se encontra perdido em algum lugar remoto da dispersiva memória do computador, que tudo cabe e nada identifica.
                        Esta lembrança veio a propósito da leitura mensal que faço da revista Metáfora, quando, entre os destaques literários do mês, surgiu a indagação: “ Que livro você é? “. Assim, de chofre, como se, de alguma forma,  alguém também tivesse tido a mesma idéia de sobrepor, às impossibilidades da vida, a ilusão de que os livros podem se transformar em pessoas ou vice-versa. Na verdade, se trata de um site em que, depois de responder a um questionário, identifica-se, de acordo com a personalidade do indivíduo, com qual livro ele pareceria.
                        Antes de entrar no site preferi imaginar, que livros se parecem com quem. Um exercício meio bizarro, mas que teve o dom de me revelar que, de fato, livros  são mesmo quase pessoas: “ A palavra, como se sabe é um ser vivo”, já dizia Vítor Hugo.

1.                Os livros de auto-ajuda (qualquer um) – Os livros de auto-ajuda hão de se parecer com qualquer sujeito que se ofereça para solucionar sua vida  sem que você peça. Muitas vezes você se encontra, de fato, melancólico, (ou estressado, como se diz hoje) quando – de repente! – eis que um sujeito, que parece farejar os dramas íntimos dos outros  mais do que o Leão do imposto de renda fareja seus ganhos, se planta em sua frente se oferecendo para dizer obviedades sob um viés de grandes achados. Ou seja, o livro de auto-ajuda, se fosse gente, seria  um cara-de-pau semelhante a esses palestradores motivacionais, que percorrem as empresas proferindo mensagens idiotas, e estampando  na face uma felicidade gorda - não de fartura, mas de excesso de gordura. Como dizia Fernando Sabino, não passa do pior tipo de chato: aquele que rouba tua solidão sem te fazer companhia.

2.          O Grande Sertão, Veredas, de Guimarães Rosa. Grande Sertão, o livro brasileiro preferido da maioria dos críticos de literatura por esse Brasil afora é aquele sujeito interiorano que nasceu pobre nos rincões e depois foi para a cidade, estudou bastante, ficou rico e hoje fala das coisas do interior com um jeito um tanto empolado. É aquele sujeito bem-sucedido, hoje médico, dentista, ou doutor em alguma coisa, que conta histórias inverossímeis sobre o sertão para agradar  uma platéia de citadinos, como  a de que um grupo de cabras-machos sertanejos não consegue distinguir uma fêmea no meio deles. Fascinado pela sua imaginação e inteligência e deslumbrado pelo refinamento de sua linguagem você só percebe o excesso quando encontra outro sujeito típico do interior chamado Vidas Secas, contando a mesma história, sobre personagens e ambientes parecidos e com metade de suas palavras e se pergunta: “Ué, para que tanto preciosismo para dizer, com igual talento, quase a mesma coisa”? 

3.                Os best-sellers juvenis. – Os atuais best-sellers de literatura juvenil sobre vampiros, anjos, zumbis ou equivalentes não parecem nem de longe com esses seres estranhos, mas, principalmente, com aquele que os lê: no caso, o adolescente. Vá lá, um jovem meio bobo e inofensivo como o Justin Bibier, com a cara deste, o riso deste, o talento deste. Nem agradável, nem desagradável, apenas jovem, com o que a juventude tem de mais pulsante que é a ilusão de aventura se sobrepondo à realidade. Com alguma boa vontade se parece com algum dos quatro Beatles quando ainda estavam começando.
                     Surpreendentemente, não se parecem com o cantor Luan Santana, por  exemplo,  talvez porque este, arrebatado por uma arrogância juvenil que impede que ele veja a própria mediocridade, não tenha sequer aquilo que mesmo o pior livro possui: algo de simpatia.

                     Devo dizer, para concluir, que fui ao site para saber que livro  sou e ele me respondeu: o livro Carmem, de Ruy Castro, que é uma biografia da excepcional Carmem Miranda. Segundo eles se um dia eu fosse um livro seria uma biografia (?)
                     Lembro que adquiri esse livro há uns dois anos para dá-lo de presente a meu pai, sem ler. Portanto, desprezei-me. Preciso lê-lo agora, para, pelo menos, conhecer-me.         
                                                                               ewerton.neto@hotmail.com
  

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