Jornal O estado do Maranhão, caderno Alternativo, hoje, sábado
Algum
tempo atrás comecei a escrever um conto cujo título era “A história do livro
que era eu.” Achei que o conto ia se desenvolver a partir dessa idéia, mas
estacionou na segunda página e hoje se encontra perdido em algum lugar remoto da
dispersiva memória do computador, que tudo cabe e nada identifica.
Esta lembrança veio a
propósito da leitura mensal que faço da revista Metáfora, quando, entre os
destaques literários do mês, surgiu a indagação: “ Que livro você é? “. Assim,
de chofre, como se, de alguma forma, alguém também tivesse tido a mesma idéia de
sobrepor, às impossibilidades da vida, a ilusão de que os livros podem se
transformar em pessoas ou vice-versa. Na verdade, se trata de um site em que,
depois de responder a um questionário, identifica-se, de acordo com a
personalidade do indivíduo, com qual livro ele pareceria.
Antes de entrar no site preferi
imaginar, que livros se parecem com quem. Um exercício meio bizarro, mas que teve
o dom de me revelar que, de fato, livros são mesmo quase pessoas: “ A palavra, como se
sabe é um ser vivo”, já dizia Vítor Hugo.
1.
Os livros de auto-ajuda
(qualquer um) – Os livros de auto-ajuda hão de se parecer com qualquer sujeito
que se ofereça para solucionar sua vida sem
que você peça. Muitas vezes você se encontra, de fato, melancólico, (ou
estressado, como se diz hoje) quando – de repente! – eis que um sujeito, que
parece farejar os dramas íntimos dos outros mais do que o Leão do imposto de renda fareja
seus ganhos, se planta em sua frente se oferecendo para dizer obviedades sob um
viés de grandes achados. Ou seja, o livro de auto-ajuda, se fosse gente, seria um cara-de-pau semelhante a esses
palestradores motivacionais, que percorrem as empresas proferindo mensagens
idiotas, e estampando na face uma
felicidade gorda - não de fartura, mas de excesso de gordura. Como dizia
Fernando Sabino, não passa do pior tipo de chato: aquele que rouba tua solidão
sem te fazer companhia.
2.
O Grande Sertão,
Veredas, de Guimarães Rosa. Grande Sertão, o livro brasileiro preferido da
maioria dos críticos de literatura por esse Brasil afora é aquele sujeito
interiorano que nasceu pobre nos rincões e depois foi para a cidade, estudou
bastante, ficou rico e hoje fala das coisas do interior com um jeito um tanto
empolado. É aquele sujeito bem-sucedido, hoje médico, dentista, ou doutor em
alguma coisa, que conta histórias inverossímeis sobre o sertão para
agradar uma platéia de citadinos,
como a de que um grupo de cabras-machos
sertanejos não consegue distinguir uma fêmea no meio deles. Fascinado pela sua
imaginação e inteligência e deslumbrado pelo refinamento de sua linguagem você
só percebe o excesso quando encontra outro sujeito típico do interior chamado
Vidas Secas, contando a mesma história, sobre personagens e ambientes parecidos
e com metade de suas palavras e se pergunta: “Ué, para que tanto preciosismo
para dizer, com igual talento, quase a mesma coisa”?
3.
Os best-sellers
juvenis. – Os atuais best-sellers de literatura juvenil sobre vampiros, anjos,
zumbis ou equivalentes não parecem nem de longe com esses seres estranhos, mas,
principalmente, com aquele que os lê: no caso, o adolescente. Vá lá, um jovem
meio bobo e inofensivo como o Justin Bibier, com a cara deste, o riso deste, o
talento deste. Nem agradável, nem desagradável, apenas jovem, com o que a
juventude tem de mais pulsante que é a ilusão de aventura se sobrepondo à
realidade. Com alguma boa vontade se parece com algum dos quatro Beatles quando
ainda estavam começando.
Surpreendentemente,
não se parecem com o cantor Luan Santana, por exemplo, talvez porque este, arrebatado por uma
arrogância juvenil que impede que ele veja a própria mediocridade, não tenha sequer
aquilo que mesmo o pior livro possui: algo de simpatia.
Devo
dizer, para concluir, que fui ao site para saber que livro sou e ele me respondeu: o livro Carmem, de Ruy
Castro, que é uma biografia da excepcional Carmem Miranda. Segundo eles se um
dia eu fosse um livro seria uma biografia (?)
Lembro
que adquiri esse livro há uns dois anos para dá-lo de presente a meu pai, sem
ler. Portanto, desprezei-me. Preciso lê-lo agora, para, pelo menos,
conhecer-me.
ewerton.neto@hotmail.com
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