artigo publicado na seção Hoje é dia de...
Caderno Alternativo, jornal O estado do Maranhão, hoje sábado,
com o título Sobre Monstros e Humanos
“ A maior arrogância do homem não
é imaginar-se à imagem e semelhança de Deus, mas acreditar que o diabo pode se
pior do que ele.” Do livro O infinito em minhas mãos
Tenho
a impressão de que nós, humanos, fingimos ter medos de monstros, que na maioria
das vezes inventamos, como forma de escaparmos
da realidade de que nós somos nossos próprios monstros, mais ou menos como diz
a epígrafe da novela acima referida, deste cronista.
Daí
que a maioria dos monstros com que costumamos nos aterrorizar desde os tempos
de criança, não passam de personagens
simpáticos - embora bizarros, por vezes até ingênuos na sua incapacidade de nos
causar real pavor. Uma prova disso são
os vampiros e sua transformação atual em objetos de desejo sexual, almejados por todas as nossas adolescentes. O que, pensando
bem, soa plenamente justificável, pois, caso não tivessem sido inventados à sua
época, por quem sonhariam nossas garotas, hoje, se a realidade é tão implacável
para com elas? Fiuk, Luan Santana, Gusttavo Lima? Todos são cantores e ídolos medíocres, tão anódinos quanto bobalhões, a se
prestarem, quando muito, para consumo em
histeria coletiva comandada por qualquer
bobo da corte televisiva. Mas, e para sonhar? Muito melhor um vampiro.
Por outra, quem
deveria nos aterrorizar mais: uma assombração que nos espanta, mas que é incapaz de nos causar dano maior, ou
um político corrupto, desses que elegemos com freqüência, a subtrair as verbas destinadas às escolas e hospitais e condenando milhares,
inclusive nossos parentes, à morte? Ora, isso apenas reforça a convicção de que o
lobo do homem é o próprio homem e, perto dele, qualquer lobisomem não passa de um cordeirinho.
Quando
me tornei amante, em criança, de histórias em quadrinhos não conseguia me
aterrorizar com o que via nas revistas de
terror. Os zumbis, por exemplo, apareciam como seres assustadores, mas o que
me dava era uma imensa pena desses coitados. Que mal podia fazer um zumbi? Sendo
um morto-vivo, era alguém que tendo
morrido, sequer tinha o direito de gozar de sua paz definitiva. Embora feios,
não distinguia maldade em seus rostos, o que me expressavam era uma imensa
tristeza, bem parecida com aquela do famoso quadro de Edvard Munch. Eram, no meu entender, vítimas, não algozes. Igualmente,
por mais que tentasse não conseguia entender – isso até hoje - porque pessoas
adultas tinham (ou têm) medo de pessoas mortas, muitas vezes queridas, temendo
que depois de mortas, estas lhes apareçam como fantasmas. Que poderia haver de
melhor na vida do que a visita, pós-morte, de um ente querido, pelo menos para
nos dar a certeza de que não se foi, definitiva e implacavelmente, sem retorno?
Recente
publicação da revista Superinteressante
traz uma lista de bestas e feras, desde as mais conhecidas: vampiros, zumbis e lobisomens acima referidos,
passando pelos monstros poéticos como unicórnios, sereias e hidras até os quase
reais como piranhas, tubarões , baleias monstruosas e água-vivas mortais. Todos são tão deliciosamente inofensivos
quanto as histórias mirabolantes que são
contadas sobre eles, sem contar os simplesmente cômicos como o saci-pererê e a
mula sem cabeça.
A
revista, no entanto, parece ter esquecido
da serpente encantada de São Luis – essa que um dia, quando seu rabo encontrar
a cabeça vai esmagar a ilha. Ou seja, mais um monstro que, originado de uma lenda é igualmente digno de pena em seu destino inglório de ilusão descabida. Pois, como disse a seus amigos que foram
visitá-lo em seu recente aniversário, o poeta e cronista José Chagas evocando, de uma de suas crônicas
passadas, seu amor à São Luis : “Esta
cidade permanecerá para sempre imorredoura e bela porque resiste aos seres
humanos que estando sobre ela fizeram de
tudo para destruí-la, administradores ou não”. Portanto, se a cidade conseguiu resistir aos homens, que dirá à
serpente!
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