sábado, 19 de julho de 2014

CELULAR-GENTE OU GENTE-CELULAR?



artigo publicado na seção Hoje é dia de...
Caderno Alternativo, jornal o Estado do Maranhão, hoje, sábado



DE TELEVIGENTE A GENTE-CELULAR



Primeiro foi a televisão, mas ainda éramos seres humanos a uns 70 %, talvez. Nosso cérebro já vivia dominado pelo que vinha do tubo de imagem, mas ainda havia resquícios de outra vida; aquela, que se convencionou chamar de existência.  Claro, porque então não era possível levar um aparelho de tevê enfiado em nossa cabeça, embora vontade para isso não faltasse.

            Então surgiu o celular, coisa de trinta anos atrás e a  existência , aquela de que falamos acima  e que estávamos acostumados a viver, começou a minguar. Sim, porque telefonar andando na rua agora era possível. Mas não só andando, como também comendo, bebendo e  mijando. Foi aí que  algum sabido teve a ideia de botar,  simultaneamente, a fotografia  no celular, tornando possível também tirar foto - ou recebe-la - comendo, bebendo e mijando. A seguir, tão naturalmente quanto o ato de acordar, chegou a vez de botarem a televisão no celular, tornando possível, a qualquer um, carrega-la de um lado para o outro, sem se queixar do peso ou da  coluna. E pronto, eis que tudo o que um homem pode fazer, de bom - ou de ruim -  na vida passou a caber num aparelhinho menor que 10 x 10 cm: falar, ver, tirar foto, fazer fofoca, compartilhar  sacanagens, roubar, pagar conta , rir, chorar, gemer etc. etc. Ora, com tudo isso numa caixinha ambulante, quem precisa ainda de existência?



                                      





            Os exemplos estão aí para comprovar que cada vez mais deixamos de viver para virar celulares. Nem precisa falar das doenças obsessivas ( e incuráveis ) de quem não pode despregar de um aparelho desses. Para ilustrar como a coisa anda, basta lembrar uma fila de consultório médico, por exemplo. Ninguém lê uma revista ou livro, conversa com o vizinho, ou dirige o olhar à direita ou à esquerda. Todos estão concentrados em suas maquininhas. Até aí tudo bem, o problema é quando chega finalmente a sua vez de ser atendido e  você percebe que o médico está deixando de lhe escutar para praticar selfies, mensagens, joguinhos  ou sabe-se lá o quê. Ficam tão concentrados e indiferentes que, sem alternativa,  você arrisca:




                                           





            - Doutor,  acho que meu negócio é pneumonia brava.
            - Hum, Hum – diz o médico iniciando a consulta, mas  sem conseguir despegar os olhos do aparelho.
            - Mas já estou tomando Redoxon. Seria suficiente?
            - Tava só terminando uma selfie para meus filhinhos e já ia procurar aqui mesmo no google  uma solução para o seu caso, mas já que você se adiantou...Tá aqui o Redoxon carimbado, não é isso o que você queria?  – E volta para o celular.

            Existência transportada para o tal aparelho o que será que ainda falta  um celular fazer pela gente? Até poucos dias atrás pensei que fosse evitar ou fazer  filho, mas não é que este fim de semana li que acabaram de criar um chip que, colocado pro dentro da pele da mulher, vai fazer com que ela evite a concepção? Ou seja, estamos diante de um processo evolutivo muito acelerado, ao inverso: ao invés de adaptarmos um celular às nossas necessidades,  nós é que estamos nos tornando celulares. Escravos de sua tecnologia mais dia menos dia,  como tudo o que acontece na vida,    logo estaremos comandados pelo controle remoto de um celular de alguém mais poderoso que a gente (isso é o que não falta).




                                          





            E se já é possível colocar um chip dentro de uma mulher para evitar que tenha filho, é sensato acreditar que muito em breve haverá chip também para fazer o filho. Podemos até imaginar a situação: uma atônita mãe diante de sua filha de 12 anos, grávida.
            - É verdade, mãe. Não tenho mais como esconder. Estou grávida!
            - Quem foi:   o jogador de futebol ou o traficante?
            - Nenhum dos dois. Faz mais de nove meses que não vejo esses.
            - Ah, não? Então foi o marido de sua irmã, aquele traste!
            - Também não.
            - Alguém do bumba-boi, do time de vôlei, do grupo de jovens da Igreja? Terá sido aquele  padre que canta música sertaneja?
            - Juro que não.
            - Bem, da tua colega, Valeska que de algum tempo pra cá você não larga o pé, é que não pode ser. Por  enquanto,  ela ainda não faz filho. Ou faz?
            - Mãe, foi um chip.
            - Chip? Tem certeza? E De que celular,  Martinha. Não vá me dizer...
            - Desse mesmo.
            - Desgraçado, você não puxou prá mim mesmo. Tinha de engravidar logo de um chip imprestável,  de um celular vagabundo. Fosse ao menos, de um  Samsung Galaxy S5. ..
            E assim por diante.

                                                                                  ewerton.neto@hotmail.com

                                               http://www.joseewertonneto.Blogspot.com

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