artigo publicado no jornal o Estado do Maranhão
http://www.blogsoestado.com/ewertonneto/
Jose Ewerton
Neto, autor de O oficio de matar suicidas
De vez em quando, alguém que
pretende se colocar num patamar superior, de onde possa contemplar abaixo pessoas, a seu
ver, carentes de atributos físicos, comenta: “Que me perdoem as feias, mas a
beleza é fundamental”.
E para isso se socorre dessa frase, do poeta Vinícius de Moraes que, de tão
repetida, virou clichê, sem se dar conta de que, ao pronunciá-la, se torna tristemente
feio (dessa feiura que se apropria daquele que não
sabe o que diz), fazendo com que outro
alguém, atentando à sua figura , constate estar diante de um paradoxo: “Como um sujeito
feio desses tem a coragem de criticar as mulheres feias?”.
Neste ponto cessa a incoerência para
imporem-se a pretensão e o oportunismo. O repetidor ‘aluga’
o talento de Vinícius de Moraes para doar-se a aura de sapiência e infalibilidade,
justificando-se, nas entrelinhas : “Não sou eu quem estou achincalhando uma
grande parte das mulheres, mas o poeta. As feias que me perdoem”.
Como se um grande artista, como
Vinícius de Moraes, não pudesse ter criado uma
frase, no caso um verso, indigno de si. No plano sentimental a expressão não faz jus, sequer, à sua fama de mulherengo e apreciador de
mulheres . Isto porque um grande amante e conquistador (leiam livros que
esclareçam a psique do Don Juan,
especialmente o romance Casanova de Andrew Miller) ama todas as mulheres e não
apenas uma. A mulher que um homem galante privilegia tem na beleza física apenas um detalhe, porque ela é a representação de todo o gênero feminino em uma só. Esse é o seu dom. Não
há na boca do verdadeiro conquistador
palavras de desprezo a um
determinado contingente das mulheres, só elogios.
Se no plano sentimental é frase é
infeliz, no plano poético é mais ainda, porque “O que é mesmo a beleza?” A
interpretação corrente é a de que o poeta, mesmo se referindo à beleza de forma
abrangente ao direcioná-la ao universo feminino usou-a de forma limitadora e
intencional.
E, depois, o que o credenciava a
falar das mulheres com tal autoridade? Em que medida as mulheres do mundo, supostamente
desprovidas de encanto, foram atingidas
por seu insulto a ponto de ser necessário pedir perdão ? Não sendo isso
suficiente, há de se acrescentar ao ato falho mais um ingrediente : a arrogância, já que no conteúdo
da frase há um desprezo machista à todas mulheres, não somente às feias (que só
as muito ingênuas não conseguem alcançar).
Justamente porque a beleza é esse dom
praticamente indefinível que não está ao alcance da interpretação de qualquer
um. Que existe de mais belo do que as mulheres
de rostos ovalados e com os olhos vazados do pintor Modigliani? E, no entanto, para o entendimento
de muita gente são expressões de feiura e
não de beleza. Evidente que Vinícius de Moraes, um grande poeta, devia saber disso. Presumir o contrário seria desqualifica-lo
como homem sensível e como um apreciador do sexo feminino.
Falha pior que a do poeta, no
entanto, cometem aqueles que, sequer tendo
a preocupação de serem originais, repetem
a frase à exaustão, tornando-se cada vez
mais parecidos com o que vivem repetindo: uma grande besteira!
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