artigo publicado no jornal O estado do Maranhão
O melhor
filme de faroeste que vi foi O homem dos
vales perdidos, mas jamais houve filme com esse nome.
Seus outros dois títulos foram, Shane, que ganhou vários Oscar e, na
versão em português, Os Brutos também amam ( melhor, aliás,
que o original em inglês).
Não vi o filme na tela, repito, mas
isso não significa que não o tenha visto e me deslumbrado. Porque o vi de uma
forma que hoje já não há: quase um livro, sem ser um livro; quase um filme, sem
ser um filme.
Explico: nos idos dos anos 60/70,
uma editora de origem mexicana, acho, chamada Editormex publicava revistas que
reproduziam com fotos originais, em quadrinhos, a mesma sequencia dos filmes de sucesso, e eu, adolescente, logo me tornei viciado
nelas. Como não ficar? As revistas reproduziam os filmes tais e quais,
reproduzindo os diálogos e acrescentando comentários à narrativa, quando
necessário, a cada cena fotografada. Pude levar para casa vários filmes de Tarzan, e faroestes clássicos como Pistoleiros do entardecer e O último por do sol. Tarzan virou Antar
e Shane (Os Brutos também amam) virou O
homem dos Vales Perdidos. Pelo belo
achado do título se deduz que quem fazia
as versões dos títulos e os comentários entendia do ramo. Era fatal que um
jovem apreciador de filmes e de livros ficasse
seduzido.
O
homem dos vales perdidos tocou-me, porém, de uma forma especial, a ponto de mandar encaderná-lo com mais quatro
filmes de que mais havia gostado. Guardei o volume com carinho mas um dia, após minhas idas e vindas ao Rio
para concluir os estudos, descobri que havia sido extraviado. Foi como se tivesse
rompido um dos alicerces do melhor da minha memória infantil.
Anos mais tarde, encontrei numa locadora
o filme e, um tanto desconfiado ( temia me decepcionar) o levei para conferir. Mas qual!, as imagens em tecnicolor , embora magníficas, contrastavam com o preto
e branco da revista, e tornavam a sequencia um tanto ‘adocicada’ e menos densa.
Não vi reproduzida na tela da tevê a
tensão tantas vezes vista no passado, quando era possível perdurar o olhar em cada foto e captar a grandeza
íntima de cada personagem em imagens que, a meu critério, tanto podiam se mover como se estratificar. Interrompi a exibição e prometi
sair à caça da emoção perdida.
Há coisa de um mês, tive a feliz ideia de recorrer novamente à
Internet e eis que encontrei, após várias tentativas infrutíferas, um exemplar
de O
homem dos vales perdidos num sebo do Rio de Janeiro. Quando contemplei a revista em minhas mãos não pude evitar o
ritual de admiração e lembranças que se anteciparam à leitura. Só então, pude rever
o filme/revista que, com a mesma intensidade de antes comprovava o
talento anônimo de quem fazia os comentários. P. ex. Na impactante foto
ampliada da cena em que Jack Palance ( que personificava o símbolo da
maldade no pistoleiro Wilson) escancara o
seu sorriso de cascavel, trespassando a
foto para sibilar a fragilidade do pobre posseiro friamente executado, o
narrador comenta:
“Foi um brinquedo para o pistoleiro. Um brinquedo selvagem
que encheu de alegria o seu coração de bandido”.
Enfim, o melhor filme de faroeste
que vi, sem ter assistido, agora está novamente
em minhas mãos
José Ewerton Neto é autor de O entrevistador de lendas
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