sábado, 1 de abril de 2017

O MELHOR FILME QUE VI NEM ASSISTI




artigo publicado no jornal O estado do Maranhão


O melhor filme de faroeste que vi foi O homem dos vales perdidos, mas jamais houve filme com esse nome.
            Seus outros dois títulos foram, Shane, que ganhou vários Oscar   e,  na versão em português,  Os Brutos também amam ( melhor, aliás, que o original em inglês).
            Não vi o filme na tela, repito, mas isso não significa que não o tenha visto e me deslumbrado. Porque o vi de uma forma que hoje já não há: quase um livro, sem ser um livro; quase um filme, sem ser um filme.
            Explico: nos idos dos anos 60/70, uma editora de origem mexicana, acho, chamada Editormex publicava revistas que reproduziam com fotos originais, em quadrinhos, a mesma sequencia  dos filmes de sucesso,  e eu, adolescente, logo me tornei viciado nelas. Como não ficar? As revistas reproduziam os filmes tais e quais, reproduzindo os diálogos e acrescentando comentários à narrativa, quando necessário, a cada cena fotografada. Pude levar para casa vários  filmes de Tarzan, e faroestes clássicos como Pistoleiros do entardecer e O último por do sol. Tarzan virou Antar e Shane (Os Brutos também amam)  virou O homem  dos Vales Perdidos. Pelo belo achado do título  se deduz que quem fazia as versões dos títulos e os comentários entendia do ramo. Era fatal que um jovem apreciador de filmes e de livros  ficasse seduzido.
            O homem dos vales perdidos tocou-me, porém, de uma forma especial,  a ponto de mandar encaderná-lo com mais quatro filmes de que mais havia gostado. Guardei o volume com carinho  mas um dia, após minhas idas e vindas ao Rio para concluir os estudos, descobri que havia sido extraviado. Foi como se tivesse rompido um dos alicerces do melhor da minha memória infantil.



                                               





            Anos mais tarde, encontrei numa locadora o filme e, um tanto desconfiado ( temia me decepcionar) o levei para conferir.  Mas qual!, as imagens em tecnicolor  , embora magníficas, contrastavam com o preto e branco da revista, e tornavam a sequencia um tanto ‘adocicada’ e menos densa. Não vi reproduzida na tela da tevê  a tensão tantas vezes vista no passado, quando era possível perdurar  o olhar em cada foto e captar a grandeza íntima de cada personagem em imagens que, a meu critério,  tanto podiam se mover  como se estratificar. Interrompi a exibição e prometi sair  à caça da emoção perdida.
            Há coisa de um mês,  tive a feliz ideia de recorrer novamente à Internet e eis que encontrei, após várias tentativas infrutíferas, um exemplar de  O homem dos vales perdidos num sebo do Rio de Janeiro. Quando contemplei  a revista em minhas mãos não pude evitar o ritual de admiração e lembranças que se anteciparam à leitura. Só então, pude rever o filme/revista  que,  com a mesma intensidade de antes comprovava o talento anônimo de quem fazia os comentários. P. ex. Na impactante foto ampliada da cena  em que  Jack Palance ( que personificava o símbolo da maldade no pistoleiro Wilson)  escancara o  seu sorriso de cascavel, trespassando a foto para sibilar a fragilidade do pobre posseiro friamente executado, o narrador comenta:




                                               






 “Foi um brinquedo para o pistoleiro. Um brinquedo selvagem que encheu de alegria o seu coração de bandido”.  
            Enfim, o melhor filme de faroeste que vi,  sem ter assistido, agora está novamente em minhas mãos   

José Ewerton Neto é autor de O entrevistador de lendas








                                          ewerton.neto@hotmail.com

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