“O homem é o único animal
que não gosta do próprio cheiro”, dizia Millor Fernandes, assim
resumindo a solitária diferença que nos distingue dos demais
animais. Sim, porque o cérebro maior e mais inteligente não nos distingue tanto
assim, já que no resto somos quase iguais. A ciência mostra que o
nível genômico da espécie humana atinge a extraordinária semelhança de 95 a 99
% ao dos chimpanzés.
Resta especular se essa diferença não teria
sido provocada pelos humanos apenas como forma de se destacarem dos outros
animais. Mais ou menos como se, a partir de determinado momento de sua curta
trajetória geológica, os homens resolvessem se perfumar como uma forma de dizer
a si mesmos: “Tá vendo? Somos, de fato, superiores aos outros animais, tanto
assim que não fedemos como eles.”
A história comprova essa tese, já que
somente de pouco tempo para cá, os homens passaram a rejeitar o próprio cheiro.
Basta ver como procediam nossos tataravôs em seus ambientes, mesmo os
supostamente mais refinados.
1.A higiene do palácio de Versalhes,
por exemplo, no século 17 era de “lascar” para os padrões de hoje. O corpo
inteiro das pessoas só era lavado uma vez
por ano e para se limpar bastava lavar as mãos e o rosto. Nessa
ocasião a família inteira se banhava no mesmo barril e com a mesma água. A
urina era despejada pelas janelas, a limpeza íntima era feita com sabugos de
milho ou com as próprias mãos, as necessidades eram feitas em qualquer lugar
indo parar nos corredores e jardins. Um decreto de 1715 dizia que as fezes
deveriam ser retiradas dos corredores uma vez por semana.
Um pouco mais para longe, na Roma Antiga, os banheiros públicos eram frequentados sem
distinção de sexo. Nesses espaços não havia preocupação em oferecer material
para higiene íntima. As pessoas se viravam com o que estivesse à mão, como
água, grama e até areia. E – pasmem! - era nessas latrinas
coletivas, instaladas em grandes barricadas de pedra, que se
promoviam debates, banquetes, e encontros cívicos.
Por aí se vê que o fedor não
incomodava. E que a porcaria que saia
pela parte de baixo era mais inofensiva do que a que hoje sai, pela
boca, dos que se reúnem em ambientes palacianos para
tomar grandes decisões administrativas, perfumados por fora e
imundos por dentro, “os sepulcros caiados” de que falava Cristo.
2.Quanto aos outros animais,
estes continuam ‘cagando e andando’ para o próprio
cheiro, o que não significa dizer que sejam menos limpos. A barata, por
exemplo, tida como um animal fétido e repulsivo tem o seu exterior extremamente
limpo, mais higiênico que o rosto de muita coroa habituê de coluna social,
entupido de creme, loção e botox.
A sujeira das baratas, é bom saber,
restringe-se ao seu interior, mais exatamente ao seu sistema digestivo. É lá
que ficam os vírus e as bactérias que são expelidos em seu cocô e podem causar
infecções. Portanto, caro leitor(a), aproveite a ideia e dê um afetuoso
beijo na couraça de uma barata, que isso não lhe trará problema
algum.
Isso leva a acreditar que a tão anunciada
substituição dos homens pelas máquinas, prevista para breve, apresentará pelo
menos uma vantagem evolutiva. Estas jamais terão nojo do próprio
cheiro.
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