quinta-feira, 13 de novembro de 2025

AS MELHORES DE LUIS FERNANDO VERÍSSIMO




Dois grandes cronistas humorísticos me serviram de fonte de inspiração...”

 

Dois grandes cronistas humorísticos me serviram de fonte de inspiração em minha adolescência para que eu um dia enveredasse na prática desse gênero da escrita que, para meu deleite pessoal, prefiro à crônica lírica, engajada ou debatedora.

Não sei se aprendi, mas certamente devo a ambos — e a José Chagas, aqui no Maranhão, a quem humildemente substituí no espaço do Hoje é dia de...— muito do que até hoje enviei para as páginas dos jornais em mais de vinte anos.

Foram eles: Millor Fernandes (contundente, sarcástico   e  cerebral)  e, mais tarde, Luis Fernando Veríssimo  (sutil, irônico e cerebral). Com   estilos um tanto diferentes na composição de suas crônicas, mas com o mesmo impacto demolidor das hipocrisias humanas.  

Morto Luís Fernando Veríssimo esta semana, integro-me a homenagem que lhe é prestada por seus fãs, rememorando algumas de suas frases geniais e, dando-me à ousadia de, como admirador, comentá-las.  

1.     Vou morrer sem realizar o meu grande sonho: não morrer nunca

Obs. Nem tanto.  LFV morreu sim, fisicamente, como todo mundo. Mas — como MIllor—  tão cedo não será esquecido.

2.”Conhece-te a ti mesmo, mas não fique íntimo

Obs. Verdade, aí está um bom conselho.

O perigo acontece quando o sujeito não estabelece freio e vem a apaixonar-se por si mesmo. Neste nosso país, adorar a si mesmo tem dado em presidência da república e, depois, cadeia.

3.”A vida é a melhor coisa que conheço para passar o tempo

Obs. Verdade.

Mas ainda está longe da perfeição, já que acaba muito depressa.

4.” Eu não sei para onde caminha a humanidade, mas quando souber vou pelo outro lado.

Obs. Bom conselho que todos deviam seguir.

Sendo assim, é bom que os brasileiros se apressem porque está vindo aí um monte de chinês”

5.”O mundo não é só ruim. Está é mal frequentado. ”

Obs. Verdade. Parece até que na fila para entrar se descuidaram e deixaram passar um monte de   “patriotas”.

6.” Não há nada que um homem possa fazer no espaço que uma máquina não possa fazer melhor, a não ser morrer. ”

Obs. Outra verdade.

A IA está provando que para fazer melhor que um homem nem precisa ir pro espaço. Basta o espaço do próprio cérebro humano”

7.” Com o tempo os detalhes estragam qualquer biografia. ”

Obs. Verdade.

É por isso que os melhores biógrafos são aqueles que ficam atentos às fofocas e não aos detalhes.

8.” Não vejo vantagens na reencarnação. A não ser que conte tempo para o INSS

Obs. Verdade.

Mas, pensando bem, nem isso compensaria ter de aguentar os humanos de novo.

9. “ O Brasil é esse estranho país de corruptos sem corruptores”.

Obs. Verdade. E, portanto, mais uma pra   completar a memorável frase de Tim Maia que diz:

O Brasil é esse país estranho em que puta goza, gigolô tem ciúme, traficante fuma maconha, comunista é de direita e — com essa — tem corruptos, mas não tem corruptores ” E...

10. “Às vezes, perdemos nossa fé, então descobrimos que precisamos acreditar, tanto quanto precisamos respirar...É nossa razão de existir. ”

VERDADE ABSOLUTA! Sem comentários.

 


 

terça-feira, 11 de novembro de 2025

AS DESVENTURAS DE UM METALÚRGICO



“A sua cabeça, de tanto carregar um capacete, tomou a forma deste. ”

Mimi, o metalúrgico é um rapaz muito esquisito. Sem cor definida (terá entrado fumaça em sua pele?), passa nas ruas, indo ou vindo do trabalho, como um objeto –muito – identificado: é MIMI, o metalúrgico.

A sua cabeça, de tanto carregar um capacete, tomou a forma deste. Onde se viam olhos, boca, nariz, etc hoje se vê — com mais perfeição — as letras CSN. Os seus membros, tão desconjuntados, parece que só se mantêm aderidos ao tronco graças a uma inevitável soldagem e seu tronco terá sofrido uma trefilação, posto que   está   tão magro que dá pena. Enfim, quem olha MIMI diz logo que precisa de urgente tratamento.

MIMI já havia pensado nisso e preferiu o tratamento térmico ao tratamento de minérios. Consta que o médico à vista de seu estado ponderou: MIMI, o que está havendo, rapaz? A tua dureza está muito baixa. Você não é mais, nem de longe, um homem de têmpera.

Quem é metalúrgico sabe que no tratamento dos aços o remédio para aumentar a dureza é um aquecimento a alta temperatura seguido de um resfriamento brusco. Mas MIMI, coitado, não é aço e, se bem que sujeito a sintomas típicos do aço como envelhecimento e corrosão   uma diferença: no seu caso a corrosão se dá de dentro para fora, devido a ação contínua e insaciável dos vermes. Donde a suspeita: teria MIMI entendido mal a receita?

O certo é que MIMI enchia-se de cachaça no bar da esquina   — era o aquecimento, e depois se esquecia nas calçadas em pleno frio do inverno de Volta Redonda — era o resfriamento brusco. O que levou ao diagnóstico: Está desenganado. Já ultrapassou o limite elástico, sua inteligência está em fase de escoamento e em pouco tempo seu corpo entrará em fase de ruptura.  

Causa dó lembrar que um dia MIMI sonhou ser rico; um deputado ou senador, como todo jovem. O destino, como se sabe, faz muitas curvas   só que, no seu caso, foram curvas erradas: curvas de Boudouard, curvas TTT, curvas de equilíbrio. Era inevitável que terminasse assim, encurvado.

Pensando hoje friamente, é forçoso reconhecer que MIMI foi cúmplice desse destino para chegar a essa desastrosa situação. Casou cedo, teve muitos filhos. Não teve planejamento nem controle da produção. Seus filhos se saíram todos ingratos e perdulários — faltou claramente Controle de Qualidade.

A ligação com a esposa, a princípio católica e fiel, degenerou, se tornando o que poderia se chamar de uma ligação co-valente — isto é, com valentia mútua.  Poderia ter se convertido num grande personagem, mas passou fora do Conversor Thomas ou do Conversor Bessemer.  

Hoje chora lágrimas tão sólidas que parecem lingotes. Seu coração se funde em copiosas mágoas e, de tanta febre seu peito mais parece um Alto-Forno ou Auto-Forno, como queiram. Pelo visto vai continuar até o fim refratário ao sucesso e ao bem-estar financeiro. Poderia ter reagido a tempo, mas onde está a sua energia livre de Gibbs? Foi gasta com mulheres na rua.

Mas a vida de um metalúrgico é assim mesmo. E quando chegar a hora de sua morte e, para adaptá-lo ao caixão, for preciso tosar seus cabelos e re-barbas — como se fosse uma usinagem — ninguém lembre um torno.

Para não confundir com o que foi em vida.

 

PS. Essa brincadeira com o profissional da Metalurgia foi publicada  no jornalzinho denominado A CAREPA na Universidade Federal Fluminense de Volta Redonda, quando me formei.

Realçando termos do jargão metalúrgico (em negrito) circulou imediatamente em várias escolas e universidades do sul do país, com seu bom-humor e   irreverência, típica dos universitários da época e dos jovens de todos os tempos.

 

 

domingo, 2 de novembro de 2025

LONGO E DESESPERADO GRITO



                                            AS RUÍNAS

          

                “ Um longo e desesperado grito de horror. ”

 

Um plano   simples é um romance policial que me agradou bastante ter lido. Depois soube que havia virado filme, mas não cheguei a assistir. Não gravei na ocasião, contudo, o nome do romancista.  

Mais recentemente, encontrei entre meus muitos livros ainda não lidos, o romance as Ruínas de um certo Scott Smith, com uma capa que evocava algo parecido com temas da natureza. Mofando nas muitas prateleiras de minhas estantes, destinava-o para venda em minha banca de revista quando chamou-me a atenção uma chamada de Stephen King para o romance: “ Um longo e desesperado grito de horror. ”

Quer atrativo para leitura maior do que uma frase tão acachapante e magnética e, ao mesmo tempo, tão apavorante ou repulsiva quanto essa? Especialmente se assinada por ninguém menos do que   Stephen King?

Malgrado meu atual cuidado preventivo em relação a tudo que possa me induzir a noites mal dormidas (a partir de apreensões, pesadelos e outros que tais) o fato é que   a frase acabou se impondo quase como uma intimação. Não   devido a sentença do autor famoso, mas pela coreografia macabra da dança das palavras num desconcertante apelo irresistível. A que poderia se    assemelhar   um longo e desesperado grito de horror? O que seria tão apavorante e contundente? Lembrei-me da famosa pintura O grito de Edward Munch e, claro, fui ao livro.

Passado algum tempo percebi que o longo e desesperado grito de horror tinha de fato semelhanças com o quadro do pintor —  menos pelo escabroso e mais pelo horror psicológico, cujos embates entre os personagens com suas estruturas mentais deteriorados pelo pavor forneciam um outro atrativo.

Isso evidencia que Scott é um mestre na captura do leitor à sua trama, porque o mantêm sequestrado, malgrado seus escudos, vacinas e válvulas de escape — tão fáceis de executar como simplesmente abandonar a leitura. Bons autores são assim: não permitem que você abandone o seu livro, mesmo que você intente fazer isso.

Ah, sim, depois finalizar o romance, à procura de mais informações sobre o autor descobri para minha surpresa, na própria orelha do livro, que era   o mesmo de O Plano Simples. Scott Smith.

Eu simplesmente esquecera de atentar para esse detalhe   na orelha do livro. 

 

domingo, 19 de outubro de 2025

UM BOM LIVRO SOBRE CAUSOS E COISAS DO MARANHÃO



 “Guerra da Amazônia e outros contos, de Valmir Seguins, foi lançado

semana  passada, 11 de outubro  na livraria da AMEI, shopping São Luís.”

 

 Ao ler os contos deste livro de Valmir Seguins, o leitor comum (aquele que compra o livro somente pelo prazer da leitura) jamais se pergunta se aquilo que está lendo é realidade ou ficção.

Sim, porque para ele não interessa se o fato descrito aconteceu de verdade, pois, seduzido pela narrativa, está mais envolvido em chegar ao final da história o quanto antes para desvendar o que o encadeamento dos acontecimentos lhe reserva de misterioso ou pitoresco, eis que, desde o primeiro conto lido, sabe que o autor lhe reserva algo desse tipo. Em suma, o leitor não está interessado na fidedignidade dos fatos porque ele segue motivado apenas pelo prazer de ler, no afã de consumir palavra por palavra, vírgula por vírgula, um conteúdo que lhe faz sorrir, refletir, ou recordar algo parecido com o que já presenciou ou viveu.

Ao ler esses mesmos contos o leitor de perfil mais literário ou acadêmico (aquele que exerce a leitura, também por um dever de ofício e que, portanto, adquiriu intuitivamente a inclinação investigativa de perscrutar o que está se passando nas entrelinhas entre o autor, o narrador e os personagens de sua criação),  aquele que tanto pode ser um mestre em literatura, um praticante de jornalismo  literário, um resenhista ou um bom escritor,  também a ele, jamais ocorre se perguntar, pelo menos enquanto estiver lendo,  onde começa a realidade e termina a ficção ou vice-versa. 

Sim, porque também ele foi seduzido pelos artifícios usados pelo autor Valmir Seguins que arrebataram o leitor comum, acima. Ou seja, histórias sempre interessantes e factíveis, por mais bizarros que possam parecer certos elementos do ambiente, picantes e, na maioria das vezes, divertidos, escudados por descrições minuciosas da geografia do local com riqueza de detalhes, tornando-as íntimas para o leitor. Inclusive as siglas de instituições ou organismos governamentais, que saltam da descrição dos fatos como se extraídas do profundo poço da memória de cada um, ainda ressoando familiares, trazidas do passado e incorporando-se aos personagens descritos.

Teriam sido reais? Mas, que isso interessa, de fato?  Talvez seja   uma artimanha do autor para dar credibilidade ao que está sendo narrado ou não, mas isso pouco importa para o leitor, seja    qual   for o seu tipo. O que interessa é que a arquitetura da narrativa se tornou de somenos diante da simplicidade e da objetividade do enredo; que vai direto ao ponto para, assim, primeiro granjear a atenção do leitor e, depois, conduzi-lo   à epifania final. Como um prédio bonito, diante de cuja visão impactante o transeunte se detêm para apreciar, mas a quem jamais ocorre indagar como o arquiteto fez para chegar a um monumento artístico.

                Pois é isso que distingue os contos deste livro: histórias bem contadas que arrebatam o leitor por caminhos pitorescos, curiosos e humanos, próprios da vida comum. Os personagens do autor, portanto, não são   de natureza heroica, são   apenas humanos, demasiadamente humanos, como disse o filósofo. Como, por exemplo, esse impactante e imprevisível personagem chamado Coisinha do conto com esse título: um magnífico representante dessa coisa abrangente e heroica chamada de ser humano.

            Já foi dito que a tarefa do romancista é chamar as coisas pelo devido nome antes de transformá-las em símbolos, o que parece um ótimo conselho a escritores interessados em criar algo como “a ilusão da realidade. ”

Percebe-se, de pronto, que o autor Valmir Seguins não está interessado nisso, embora possa estar fazendo isso, porque está pouco preocupado com a teoria literária. Ele quer simplesmente contar uma boa história explorando a riqueza humana de personagens como Coisinha, do conto com esse título, como o bêbado contumaz de O bêbado perdido,  como  o intrigado descobridor  Anacleto de  As tamboeiras de milho de Vaca Velha, como a maliciosa Aline do conto  Aline etc. Assim como nos mil   episódios de  Decamerão que fez a glória de Giovanni Boccacio, são histórias talvez contadas para o autor ou que ele viveu ou que imaginou, já que, como todo escritor atento ele tem asas para imaginá-las ou enriquecê-las. Sendo um precioso observador e tendo afinidade com o   “humano” como tinha o escritor italiano, é um pescador das riquezas cotidianas que concedem àquele que as interpreta e as propaga, a fortuna do dom de Deus das pequenas coisas, (se me permitem recorrer ao belo título do romance da indiana Arundhati Roy)  

Se Oscar Wilde um dia disse que a realidade imita a ficção muito mais que o vice-versa, estar no limiar dessa ambiguidade praticando o ofício de escrever e sair ileso das incursões nesse território, tornadas irrelevantes graças ao prazer da leitura que proporcionam, é o de melhor que pode acontecer a um escritor.  Esse, creio, é o tal do dom de narrar que segundo Mia Couto empobrece definitivamente aquele que não o possui.

Sendo assim o escritor Valmir Seguins é um homem rico, graças ao seu virtuoso manejo da arte narrativa, privilégio de   poucos. Como também são ricos os leitores que ganharam a fortuna prazerosa de se deliciarem com   essas páginas.  

José Ewerton Neto, romancista e poeta, pertence à Academia Maranhense de Letras, onde ocupa a cadeira 11. 

 

segunda-feira, 13 de outubro de 2025

A BOCA ME TORNA A MAIS TRISTE




A boca me torna a mais triste ao lado dos olhos mortos.

Há uma linha escura entre os lábios, no contorno de várias ondas de brisa numa tempestade turbulenta — ela diz não me beije, não me engane. (...)

 sou uma dançarina que não sabe dançar.”

Os versos acima são de Marylin Monroe. Surpreso, leitor?

Provavelmente sim, já que, dessa atriz morta há mais de meio século, todos se recordam apenas como atriz sex symbol.

Que, no entanto, se chamava Norma Jean e não Marilyn Monroe, que era morena e não loura, e que estava mais para triste e solitária do que para a doidivanas de esfuziante felicidade que aparece em tantas imagens.

O fato é que o aparente paradoxo apelativo de alguém famoso e sedutor, com um final trágico, povoou as páginas de livros e filmes sobre a trajetória de uma mulher que não era infinitamente bela como a comoção a tornou, e que teria preferido, na sua intimidade, ter sido uma mulher comum com alguém que a compreendesse e amasse.

Meses atrás, surgiram na net fotos da atriz lendo Ulisses, de James Joyce, um dos maiores cânones da literatura. (Que nem todo escritor leu — e a maioria que diz ter lido, não leu).

Marilyn leu o romance ou posou de intelectual para compensar a impressão que passava de  “loura burra”? E que a fez se casar com Artur Miller, escritor consagrado, em mais um de seus amores desafortunados?

A breve leitura de seus poemas mostra que foi uma pessoa de sensibilidade singular, um ingrediente fundamental para ter sido uma artista na verdadeira acepção da palavra. E se inscreve no degrau daqueles que embora tivessem ganho muita grana, jamais tiveram isso como fundamental — como, mais recentemente, a cantora Amy Whinehouse.

Seus versos íntimos, feitos no recôndito de sua solidão, mostram isso: que Norma Jean não foi apenas a bela e sedutora Marilyn Monroe, mas uma mulher que buscava um sentido mais sólido para suas aspirações de vida — o que aumenta o progressivo fascínio em torno de sua trajetória como mulher e... artista.

Como disse após sua morte Arthur Miller, seu marido:

“Para sobreviver seria preciso que ela fosse mais cínica ou, pelo menos, mais próxima da realidade. Em vez disso ela era uma poeta na esquina, tentando recitar seus versos a uma multidão. ”


 

sexta-feira, 10 de outubro de 2025

TRIBUTO A CLÁUDIA CARDINALE



A BELEZA MORRE (parte 3)

José Ewerton Neto

         “A atriz ítalo-tunisiana Cláudia Cardinale  foi  da época de ouro do cinema..

 

A primeira vez que usei esse título em uma crônica aconteceu quando faleceu em 2020 a eterna miss Brasil Marta Rocha, que durante muitos anos foi sinônimo nacional de beleza. Esse texto está no livro A verdadeira história de tudo e tudo mais, entre outras homenagens-biográficas resumidas.     

Depois, o mesmo título foi usado para Alain Delon em 2024 e, agora, vai para Cláudia Cardinale, ambos ex-atores de cinema.

A atriz ítalo-tunisiana Cláudia Cardinale é da época de ouro do cinema, quando este representava bem mais que a mera representação de um filme. Mais que isso, era um prolongamento das vidas dos espectadores em direção à ilusão, o glamour e a sedução.

Quando soube de sua partida definitiva, compartilhei com amigos e escritores o fato de que, das 5 estonteantes divas da época a beleza já morrera em Marylin Monroe, Elizabeth Taylor e, agora, em Cláudia Cardinale — permanecendo vivas, Brigite Bardot e Sofia Loren. Esta (para mim) a melhor atriz, e também a mais bela entre todas.  

Claudia Cardinale, que jamais chegou a ser uma atriz do porte de Sofia Loren e, nem mesmo, de Elizabeth Taylor, teve atuações marcantes em filmes inesquecíveis de grandes diretores como Era uma vez no Oeste e O leopardo, quando contracenou com Burt Lancaster — fita tão grandiosa quanto o romance que a originou, baseado em título do mesmo nome sobre a decadência de uma nobre família italiana.

Não há outro adjetivo que se cole mais à sua performance que não seja a pecha de “deslumbrante” quando movia seus traços fisionômicos a favor de sua desenvoltura teatral, em incursões arrasadoras.

Morreu nesta terça aos 88 anos, e deixa mais uma vez a sensação melancólica e desoladora de morte da beleza — esse atributo físico humano que Montagne afirmou ser apenas “...a promessa da felicidade”

Torço para que tenha sido assim — pelo menos enquanto durou, como disse o poeta Vinícius de Moraes — para alguém que a carregou com tanta desenvoltura.

Infelizmente, as belezas também morrem — não só as físicas —  e, quando se vão, morre também um pouco da ilusão e do    sonho de cada um dos que ficam.  

 

domingo, 3 de agosto de 2025

A FELICIDADE ANDA MEIO INFELIZ

ENCONTRO COM A FELICIDADE

José Ewerton Neto  

“E agora? Tem mesmo certeza de que vale a pena ser feliz, caro leitor?...”

 

Felicidade ou morte, ao invés de Independência ou Morte, por exemplo, é o título de um livro de autoajuda de muito sucesso.

Portanto, caro leitor, “Seja feliz ou morra” parece até ordem de alguma autoridade constituída deste país, sob pena de acabar na cadeia ou pagar mais imposto de renda, o que, convenhamos, é ruim, mas ainda é preferível a morrer.

         E agora? Tem mesmo certeza de que vale a pena ser feliz, caro leitor?

 Para resolver essa parada fomos encontrar a Felicidade. Ela própria, em pessoa. Estava pronta para desabafar.

         - Não aguento mais.

         - O quê, precisamente, Dona Felicidade?

         - Tanta gente atrás de mim. Tanta procura, tanta adulação, pensei que isso fosse acabar depois da Pandemia. Essa gente acha que virei o único remédio para as mazelas do mundo. E o pior é que   sequer se dão ao trabalho de querer saber quem sou. 

         - E quem você é?

         - Isso é o que eu gostaria de saber. Todos tentaram explicar em vão: filósofos, religiosos, cientistas...  Se felicidade é isso que todo mundo pensa que eu acabei sendo, desconfio de que eu mesma nunca fui feliz e   jamais serei.

         - Se a Sra. me permite, essa melancolia abate   depressa   pessoas sensíveis como a senhora.

         - Se fosse apenas isso... A questão é que, mesmo sem saber quem sou, de repente, me julgam capaz de resolver todos os problemas do mundo.   Até das mortes. Ora, eu não sou Deus! Definitivamente, estou possessa com tudo isso!

         -Poxa, dona Felicidade! Não sei o que dizer.... Talvez...  Bem, só me resta sugerir...

         - O quê, pelo amor de Deus!

         - Que tal procurar   um analista, Dona Felicidade? Isso pode ser depressão.

         - Jamais! Conheço-os muito bem: eles me usam como se eu fosse vacina. Dizem: “Procurem dona Felicidade, ela resolverá seus problemas”. Ora, para que servem então?

         - Hei de convir que a Sra. tem razão. Só desejaríamos que, pelo menos, a Sra. continuasse feliz, para o bem da humanidade.  Senão...

         - E quem lhe disse que me incomoda ser infeliz? Acredite, com tanta gente falando asneira a meu respeito, até que gostaria de ser infeliz, só para que me deixassem em paz, compreende? Estou prestes até a adotar um lema para mim: Infelicidade ou morte!

 

 

quinta-feira, 31 de julho de 2025

SOBRE UM POETA


 

SOBRE FRUTO FARPADO, de Kyssian Castro

José Ewerton Neto

 

...”É esse tipo de sensação que Fruto Farpado, de Kissian Castro,  nos provoca”...

 

Comentar ou fazer a apresentação de uma obra de arte requer para o sucesso   pleno dessa tarefa que algumas peculiaridades intrínsecas a essa obra sejam apontadas o que nem sempre é possível dada a abrangência e a intensidade de tudo o que se   publicou e se publica. Como seria bom poder dizer diante de uma obra que “Sim, há algo de novo, jamais dantes visto   sob o sol!”

Sobre essa dificuldade Gilberto Mendonça Teles em Retórica do Silêncio esclarece a distinção entre a crítica e o prefácio: (...) Produzido a partir da obra prefaciada, o texto do prefácio não parece, à primeira vista, diferenciar-se do texto de crítica literária: ambos são formas de metalinguagem, fazendo da obra literária ou não a sua linguagem-objeto. Existem, no entanto, diferenças relevantes entre as duas formas. E o próprio lugar do prefácio tem muito a ver com isso: rigorosamente falando ele não é feito para ser publicado fora do livro,   como se dá com o texto crítico: o seu lugar é dentro,  guardando relações de contiguidade metonímica com o texto principal, a que remete, num contato bastante íntimo, principalmente de conteúdo, a ponto de o prefácio às vezes não passar de mera síntese e funcionar apenas como um aperitivo, isto é um beberete destinado a abrir, despertar o apetite do leitor. (...)  

Pois esse “beberete”, no caso de tantos livros (e especificamente deste   Fruto Farpado de Kissisan Castro)  é facilitado, no  meu modo de ver,  primeiro pelo deslumbramento diante daquilo que se lê, vindo somente a seguir, a percepção de haver descoberto o que há de original na obra, a ponto de se sentir desperto por sensações inusitadas “Fascina-me em particular a forma de crítica que tenta descobrir um segredo não praticado antes por nenhum outro observador”.  Charles Rouen, músico e crítico literário.

No caso de Fruto Farpado, a mim ofertado pelo poeta, poupo-me ao trabalho de expressar a sedução que surge diante de versos como esses a seguir.... Como não ser arrebatado por vozes que dizem!   

(...) procurar as palavras para lhes dar nomes... / palavras colhidas  na fúria  de palavras sem ideias ...Chegar antes das ideias.   Bouchetiana.

Ou em Gravata (...). Há um poema em volta de mim, na minha cola.  Afoito,  evito aquilo que depois se joga fora.

Ou em Peso

O apuro dos gritos mastiga meu sono/ e estou só.../ amparado por esse verso mínimo, quase palavra.

Essas vozes destacadas do conjunto é que distinguem a poesia de Kissian do que comumente se vê em tantos trabalhos. Quando certas vozes não soam tão vibrantes a ponto de brilharem como independentes de sua aparente missão de serem coerentes com o título e o   conjunto, surgem para o leitor, especialmente aquele menos afeito ao traquejo poético, como contradições que tendem ao hermetismo e ao incompreensível. Não se trata aqui apenas da ambiguidade que é própria do exercício poético, ou ao uso de metáforas peculiares ao gênero, são vozes que no caso dessas poetas buscam explicação porque caíram fora do silêncio que há entre a palavra e seu significado, enfim, porque, no caso, o poeta não conseguiu ser senhor desse silêncio que, durante a leitura, tanto pertence ao leitor como ao autor quando estão em sintonia.  

A literatura verdadeira é aquela que se sabe essencialmente linguagem, é aquela procura de um estado intermediário entre as coisas e a palavra, é aquela tensão de uma consciência que é ao mesmo tempo levada e limitada pelas palavras, que dispõem através delas de um poder ao mesmo tempo absoluto e improvável “ Roland Barthes.

O poema inicial que dá título ao livro, por exemplo, já anuncia esse traço da poética de Kissian. A ambiguidade necessária a todo poema não é explícita, mas sugerida, e não surge no todo monolítico ou através de um título capaz de explicar sua presença na arquitetura do poema. Tem significados intencionais ao pertencimento do autor, mas estão disponíveis ao leitor para serem capturados.

(...) o tempo me apalpa cavando fundo/ contudo ergo a cabeça e o  azul banha meus olhos.

Assim, Kyssian não é o poeta dos devaneios, das metáforas e dos sonhos, mas da realidade nua, crua e plural que se nutre de uma ambiguidade, como sabemos, própria do sentido de vida humano e de suas perguntas e repostas não equacionáveis -  que se interpenetram nos edifícios da realidade. Como se fosse Kyssian Castro um poeta dotado de lâminas-vivas em forma de versos para duelar nessa proximidade, que não é a arena da realidade e sequer dos devaneios. Kyssian foge desses extremos para brandir poemas que pairam em torno da verossimilhança de quem não busca a beleza escancarada e fotográfica, mas a beleza que há no silêncio das coisas.

Poeta não é o que fala em verso sobre as flores, os animais da terra, as aves do ar, os peixes, as águas, os capacetes dourados das nuvens ao por do sol. Poeta é o que expressa, através da palavra as imagens do mundo, exterior e objetivo, alteradas quando se internalizam no mundo interior e subjetivo de cada homem, dando-nos uma terceira visão dessas imagens: a visão mágica da realidade. ”  César Leal

Que alegria então em haurir a palavra do poeta, em sonhar com ele, em acreditar naquilo que ele diz, em viver no mundo que nos oferece, ao colocar o mundo sob o signo do objeto, de uma fruta do mundo, de uma flor do mundo! Gaston Bachelard .

É esse tipo de sensação que Fruto Farpado, de Kissian Castro,  nos provoca.

 

                                                                                   José Ewerton Neto é romancista, poeta e membro da Academia Maranhense de Letras.

segunda-feira, 30 de junho de 2025

segunda-feira, 23 de junho de 2025

MOÇA COM BRINCO DE PÉROLA


“ Um dia uma folha me bateu nos cílios. Achei Deus de uma grande delicadeza. ”  Clarice Lispector.

 

MOÇA COM BRINCO DE PÉROLA é o retrato de uma camponesa pintada por Vermeer e se considera um dos seus mais célebres quadros. A pintura nos comove por vários motivos, mas nenhum deles   avança   em direção ao reino das impressões indescritíveis (que todos temos) em velocidade maior do que a delicadeza que emana de todo o quadro.

A mulher não tem um rosto de beleza extraordinária, talvez nem possa ser chamada de bela. O rosto, pequeno, carece de intensidade para chamar a atenção de um olhar desatento. Seus cabelos, cobertos por uma touca, parecem cumprir a obrigação de humildade, coerente com seu destino de moça pobre. No entanto, cabeça virada para trás em direção àquele que a contempla, ela fita demoradamente e continua fitando sem parar como se quisesse contar uma história, a sua história, a história de sua – agora sim extraordinária – delicadeza.

Como contar essa história partindo apenas do seu silêncio e de seu olhar que fita? Como fazer a sua delicadeza mover-se?

A escritora Tracy Chevalier se propôs à primeira parte dessa trajetória quando romanceou Moça com brinco de pérola. São delas as palavras “Quando contemplei o retrato, tentei imaginar o que Vermeer fez a ela para ficar assim, alegre e triste ao mesmo tempo. Um belo dia tive a compulsão de escrever a sua história. Fiz o romance em três dias. O diretor Peter Weber se propôs à segunda.

Os atores principais escalados para o filme foram Scarlet Johansen com Griet (a moça do brinco) e Colin Firth como Vermeer. Não li o livro ainda. No filme a história é de uma serviçal   escolhida pelo pintor para servir-lhe de modelo. A carga de empatia erótico-artística que se estabelece entre ambos provoca a ebulição de sentimentos de ciúme e inveja na esposa e filhos.

Quem nunca leu o livro ou tinha conhecimento do quadro de Vermeer pode ter a sensação de que a história é anterior ao quadro ou posterior, ou independente dele, até mesmo de que é uma ficção, como foi a intenção da escritora. No entanto, para quem conhecia o quadro, a partir da arquitetura montada pelo diretor vê-se que não há independência entre eles. Perdura no filme o mesmo tom de cores esmaecidas, os diálogos silenciosos, onde as expressões dizem mais do que as falas, o sufocante dos sentimentos ocultos e contidos e, predominante a todo instante, a delicadeza em ação através da formidável atuação de Scarlet Johansen como uma espécie de obra de arte ambulante, que sai do quadro e se movimenta ao longo de duas horas de fita.

Quando se diz que não há ficção, isso seria apenas uma força    de expressão, não tivesse o diretor alcançado o objetivo a que se propôs acima, de traduzir para o cinema uma obra de arte anteriormente já traduzida – para o livro. De fato, muitos experts da arte contemporânea hoje falam como se a história romanceada pela escritora tivesse existido realmente. E por que não teria? Que é a sina humana mais que a busca incessante de sufocar a inexorabilidade da morte com a ilusão da eternidade até que isso se torna realidade?

Traduzir o sentimento não dito eis o maior mérito do contador de histórias. Em entrevista o escritor moçambicano Mia Couto disse que o ser humano que não sabe narrar uma história é pobre de alguma maneira. No final do filme de Peter Weber a pintura de Vermeer substitui a atriz em cena e toma conta da tela substituindo a ação. O espectador, extasiado, não fica sem entender. A moça do brinco de pérola finalmente viveu a sua história. Agora já pode retornar ao quadro. 


 

domingo, 1 de junho de 2025

TUDO É VIROSE

 



A entrada do novo século simplificou tudo de forma avassaladora:  Tudo é VIROSE. ”

 

Bons tempos aqueles em que quando você sentia febre, dor de cabeça, resfriado ou diarreia o médico lhe examinava e identificava a origem da doença, cujas causas mais comuns popularmente eram: infecção, má digestão, pulmão afetado, contusão, causas psíquicas, etc etc

A entrada do novo século simplificou tudo de forma avassaladora:  Tudo é VIROSE.

O médico, concentrado no celular, nem mais lhe fita direito. Antes mesmo que você comece sua fala ele já interrompe a ladainha de seus males dizendo: Deve ser Virose. Vou lhe passar alguns exames só para confirmar.

Desconsolado, você esboça alguma reação

- Doutor, que remédio então devo tomar?

- Viroses não são curáveis com remédios, mas fique tranquilo. Você vai ficar bom mais dia menos dia.

Como seu mal-estar continua, você trata de obter   o resultado dos seus exames o mais breve possível. Novamente diante do médico, este, depois de contemplar as imagens por brevíssimos dois segundos, conclui:

- Não lhe falei? Sabia que era virose.   Está liberado.

- Mas...  Que tipo de virose? Como se chama? Que posso fazer para combate-la?

- Não existe ainda vacina específica para ela. Só posso lhe garantir   que você não é o único e que essa danada está atacando na cidade toda. Procure relaxar e dar tempo ao tempo.

Sem remédio você sai do consultório mais frustrado do que ao chegar, isso porque acabou de saber que essa tal   virose que lhe acompanha em todos os   seus instantes  de agonia não tem sequer um nome para chamar de seu.  É Virose e ponto final.  

 

2. Tenho um amigo que depois de tanto ser diagnosticado com virose (sua família, seus amigos e até o cachorro de sua casa), adquiriu tanta experiência em medicina que automaticamente   diagnostica como Virose a tudo que acomete os múltiplos clientes que lhe procuram à cata de orientação na farmácia onde trabalha, como enfermeiro

De uns dias para cá anda pensando em abrir um consultório e exercer legalmente (pelo conhecimento de causa) o ofício da Medicina. Sabe que quando receber os doentes terá prontas   95% das respostas possíveis.

Pensa, inclusive, em   apor diante de seu consultório   uma placa com os dizeres: Diagnóstico em poucos segundos, sabendo que estará possibilitado a identificar até as doenças de origem sentimental, como dores de cotovelo ou de corno. 

Neste caso a experiência lhe facilitará o diagnóstico.

“ É um vírus muito comum hoje em dia que, em épocas festivas como Carnaval e são João, se propaga que é uma beleza! O remédio é relaxar. “


segunda-feira, 26 de maio de 2025

UMA ENTREVISTA


 


ENTREVISTA  CONCEDIDA  À REVISTA LITERÁRIA VIRTUAL SACADA LITERÁRIA.

ENTREVISTADOR: POETA PAULO RODRIGUES  


1 Paulo Rodrigues – José Ewerton Neto, o Fernando Pessoa afirmou: “A literatura, como toda arte, é uma confissão de que a vida não basta”. Você pensa a literatura da mesma forma que o Pessoa?

 

José Ewerton Neto – Não. Inclusive não sei porque as pessoas têm tanta admiração por essa frase que originou outra, de Ferreira Gullar, muito repetida. Ora, penso que a vida não basta para todo mundo já que ninguém quer morrer. Não basta para o artista, como também não basta para o médico, para qualquer camelô, para o mais humilde carroceiro e, nem por isso, todo mundo é artista. Acho que a literatura existe -  ou a arte em geral - como expressão da necessidade que  algumas pessoas têm de transmitir algo pensado e que lhe foi revelado como um dom, graças à sua capacidade imaginativa. Como todo trabalho na vida e todo exercício profissional alguns fazem isso com talento, a maioria não. Simples assim. Não acredito nessa interpretação de que alguém só porque escreveu uma poesia (que ninguém sabe ainda se é boa) ou tentou escrever uma história (idem) só por isso possa de antemão inferir que foi dotado de um destino especial, transcendente e distinto de todos os demais   seres humanos que não são artistas.     

 

 

 

2 Paulo Rodrigues – Você é um grande romancista, contista, cronista e também um poeta potente. Há proximidade entre a prosa e a poesia? Como observa essa questão?

 

José Ewerton Neto – O ‘grande’ fica por conta de sua delicadeza, mas, sem dúvida, diria que há muita proximidade e até que ambas sejam gêmeas, oriundas da mesma mãe, a Literatura. Acontece que,  muitas vezes, alguns leigos ou até mesmo escritores incautos tendem a achar que se trata da mesma coisa ou que quem exerce uma, pode  exercer a outra. Nem todo grande poeta ou grande escritor exerceu,  a todas as luzes, como Edgar Allan Poe, Jorge Luis Borges e Machado de Assis incursões vitoriosas em ambos os gêneros. O poema que mais gosto em língua portuguesa é A Mosca Azul, de Machado de Assis, mas   tem gente do mundo literário que nem sabe que Machado foi um grande poeta. Voltando à sua pergunta a principal distinção que vejo entre os dois gêneros está na sua execução e prática que,  no caso da poesia, pode ser menor em tamanho (tornando-se, a princípio, mais breve). Assim não demanda, quase sempre,  a mesma carga de dedicação, disciplina e tempo, o que faz com que a proliferação do exercício poético redunde, pela disseminação e fragmentação, em mais erros que acertos. Lembro uma frase de um grande violonista que dizia que o Violão era o instrumento mais fácil para se tocar mal e o mais difícil para se tocar bem. Julgo que o mesmo se pode dizer da poesia e a grande profusão de poetas na Internet comprova isso. Há muita quantidade, qualidade nem tanto, infelizmente. (Embora eu considere salutar essa proliferação e fragmentação, sempre  preferível à falta de adesão ou à indiferença) .

 

 

 

 

3 Paulo Rodrigues – Ewerton, o romance O prazer de matar foi premiado no Concurso Cidade de São Luís e publicado pelo SIOGE. Fale um pouco sobre ele.

 

José Ewerton Neto – Este romance marcou minha estreia na cena literária maranhense numa época em que minhas obrigações profissionais como engenheiro metalurgista, trabalhando na Alumar, mal me davam tempo de  escrever crônicas publicadas nos jornais. Acontece que, por essa época,  tive de fazer uma cirurgia e aproveitei a convalescença para colocar nas páginas uma ideia que tivera: de um personagem inusitado, matador simplório e, ao mesmo tempo trágico,  que se oferecia para matar suicidas por falta de outra opção para sobreviver. Por sugestão do saudoso amigo e escritor Jomar Moraes enviei os originais para José Louzeiro, que, para surpresa minha, recomendou o livro com palavras que vieram a compor a contracapa da primeira edição premiada. Isso me estimulou a que dois anos depois tirasse férias de 20 dias para poder escrever outro romance com uma nova ideia e nascia assim A Ânsia do prazer, também laureada. O curioso é que entre a primeira edição do romance, em São Luís,  até uma terceira edição nacional pela editora Arte Pau Brasil, SP,  com o título O oficio de matar suicidas, aconteceram dois casos, na vida real, semelhantes aos relatados no livro, o que comprova o dito de Oscar Wilde de que a vida é que  imita a ficção,  muito mais que o vice-versa.  

 

 

 

 

4 Paulo Rodrigues – Na poesia, o livro Cidade Aritmética obteve, em 1995, o prêmio Sousândrade, no Concurso Literário e Artístico Cidade de São Luís. Fale um pouco sobre a experiência com a poesia.

 

José Ewerton Neto – Eu já havia tido uma experiência anterior no gênero com o livro Estátua da Noite, de poemas, este sim, o meu primeiro livro, editado pelo SIOGE e cuja orelha foi feita por Erasmo Dias, de quem me tornara amigo. Nessa época eu já morava no Rio de Janeiro, trabalhava na Cia. Siderúrgica Nacional e as demandas profissionais me afastavam das atividades literárias. Não fiz lançamento, nem sabia direito como era isso rsrs e o sonho da literatura parecia longínquo. Somente quando retornei a São Luís e escrevi O Prazer de matar e o livro teve excelente repercussão da crítica maranhense voltei a pensar em publicar os poemas que eu produzira anos atrás e dos quais Erasmo Dias apreciara até mais  que os de Estátua da Noite. Da composição originou-se esse livro de poemas com construções formatadas como uma Engenharia na segunda parte e com alusões à Matemática na primeira. Tenho a pretensão de acreditar que esse é um dos poucos livros de poesia, escritos no Brasil, somente com temas matemáticos.

 

 

 

5 Paulo Rodrigues – Ewerton, quando você se tornou um leitor de literatura? Qual é o lugar dos livros na sua vida?

 

José Ewerton Neto – Comecei a gostar de ler desde criança primeiro através de revistas   em quadrinhos, inclusive fotonovelas, até romances que comecei a gostar quando deparei, por acaso, nas prateleiras da estante da minha saudosa tia professora Rosa Ewerton com o livro A Marca do Zorro de Jonhston Mc Culley (um deslumbramento!). Posso dizer que a leitura foi uma das maiores dádivas recebidas durante a minha vida e pela qual serei eternamente agradecido a Deus. A leitura, com todas as possibilidades que traz é uma felicidade! e, confesso, não entendo que nas Escolas  se obrigue um estudante ainda em formação à leitura obrigatória de livros antes de lhe dar condições, primeiro,  de ler aquilo que lhe traga prazer. Claro que um mestre tem por obrigação sugerir a leitura de determinados livros, mas sugerir é uma coisa, obrigar outra e a leitura só se tornará a felicidade (que tive e tenho) se vier junto ao “prazer” de estar lendo o livro que se tem nas mãos.  

 

 

 

 6 Paulo Rodrigues – Como você enxerga o romance contemporâneo brasileiro e maranhense?

 

José Ewerton Neto – O romance maranhense praticado em São Luis, não tem a mesma vitalidade da produção poética. As condições de subsistência, como se sabe, são precárias para um escritor local que pretenda extrair seu ganha-pão da prática de narrativas longas já que estas demandam muito mais tempo e dedicação. Essa pode ser uma das explicações para isso. Bons romancistas maranhenses de envergadura nacional são Ronaldo Costa Fernandes e José Sarney e ambos não residem aqui. Nosso país tem ótimos autores mas sinto que o romancista brasileiro, diante da concorrência internacional (que é muito boa, até porque os livros que vêm de fora traduzidos, já foram referenciados) permanece no dilema entre   agradar o público ou a crítica, e acaba muitas vezes não se estabelecendo em nenhuma dessas vertentes. Dos romances brasileiros muito comentados recentemente Li Torto Arado que não me agradou. Ganhei de presente e pensei que não fosse gostar de Bambino a Roma, de Chico Buarque ( por causa da leitura que fizera de seus primeiros romances)  mas esse livro me surpreendeu agradavelmente.

 

7 Paulo Rodrigues – Fale para os leitores sobre o livro A Última Viagem de Gonçalves Dias e Outros Contos. É um livro de ficção? Ou é mais um trabalho de pesquisa?

 

Admiro os pesquisadores, mas além de não saber praticar acho extenuante o trabalho de pesquisa. O surgimento da ideia, apareceu justamente em uma conversa com o escritor e pesquisador Agenor Gomes (que fez um trabalho marcante no gênero sobre a vida de Maria Firmina dos Reis). Eu sugeri a ele: “Agenor, já que a última viagem do poeta dá margem a tantas contradições e mistérios, sendo , portanto, um tema fascinante, você faz um trabalho de pesquisa sobre a mesma e eu fico com a ficção, que é a parte mais fácil.”  Rs Rs.  Enfim, como tenho dito nas entrevistas, A última viagem de Gonçalves Dias tenta suprir as lacunas de uma viagem nunca suficientemente esclarecida, com forte dose de conteúdo poético, como forma, também,  de homenagear esse escritor tão querido de todos nós.

 

 

 

8 Paulo Rodrigues – Quais são os novos projetos literários do José Ewerton Neto?

 

José Ewerton Neto – Você acredita, o livro vencedor do último prêmio Odylo Costa, filho, do Concurso Literário e Artístico Cidade de São Luís, (tão tradicional e tão desprezado, pelas autoridades) foi um título deste autor chamado O que dizem os olhos. Ficaria muito grato se alguma instituição, empresa, secretaria, ou universidade, se dispusesse a publicá-lo até mesmo como forma de servir de recado às autoridades, pois, embora o regulamento contemplasse a publicação do livro, esta não foi realizada, o que constitui uma grosseira transgressão da Lei que impõe o Concurso, criado com o propósito de estimular a produção cultural maranhense. Independentemente disso, sempre tenho títulos prontos em diversos gêneros (na crônica até por obrigação) pois sou colaborador assíduo do site do Imirante, para onde migrou o jornal O estado do Maranhão.

 

 

9 Paulo Rodrigues - Deixe uma mensagem para os nossos leitores.

 

José Ewerton Neto – Escrevam. Como disse José Saramago, para escrever um romance é muito simples: “Comece com uma letra maiúscula e no final você coloca um ponto. E, no meio, você põe a ideia”   

Porém, antes disso, há algo que considero fundamental: Leiam, leiam muito, leiam bastante, não parem de ler. Jamais.