quinta-feira, 13 de novembro de 2025

AS MELHORES DE LUIS FERNANDO VERÍSSIMO




Dois grandes cronistas humorísticos me serviram de fonte de inspiração...”

 

Dois grandes cronistas humorísticos me serviram de fonte de inspiração em minha adolescência para que eu um dia enveredasse na prática desse gênero da escrita que, para meu deleite pessoal, prefiro à crônica lírica, engajada ou debatedora.

Não sei se aprendi, mas certamente devo a ambos — e a José Chagas, aqui no Maranhão, a quem humildemente substituí no espaço do Hoje é dia de...— muito do que até hoje enviei para as páginas dos jornais em mais de vinte anos.

Foram eles: Millor Fernandes (contundente, sarcástico   e  cerebral)  e, mais tarde, Luis Fernando Veríssimo  (sutil, irônico e cerebral). Com   estilos um tanto diferentes na composição de suas crônicas, mas com o mesmo impacto demolidor das hipocrisias humanas.  

Morto Luís Fernando Veríssimo esta semana, integro-me a homenagem que lhe é prestada por seus fãs, rememorando algumas de suas frases geniais e, dando-me à ousadia de, como admirador, comentá-las.  

1.     Vou morrer sem realizar o meu grande sonho: não morrer nunca

Obs. Nem tanto.  LFV morreu sim, fisicamente, como todo mundo. Mas — como MIllor—  tão cedo não será esquecido.

2.”Conhece-te a ti mesmo, mas não fique íntimo

Obs. Verdade, aí está um bom conselho.

O perigo acontece quando o sujeito não estabelece freio e vem a apaixonar-se por si mesmo. Neste nosso país, adorar a si mesmo tem dado em presidência da república e, depois, cadeia.

3.”A vida é a melhor coisa que conheço para passar o tempo

Obs. Verdade.

Mas ainda está longe da perfeição, já que acaba muito depressa.

4.” Eu não sei para onde caminha a humanidade, mas quando souber vou pelo outro lado.

Obs. Bom conselho que todos deviam seguir.

Sendo assim, é bom que os brasileiros se apressem porque está vindo aí um monte de chinês”

5.”O mundo não é só ruim. Está é mal frequentado. ”

Obs. Verdade. Parece até que na fila para entrar se descuidaram e deixaram passar um monte de   “patriotas”.

6.” Não há nada que um homem possa fazer no espaço que uma máquina não possa fazer melhor, a não ser morrer. ”

Obs. Outra verdade.

A IA está provando que para fazer melhor que um homem nem precisa ir pro espaço. Basta o espaço do próprio cérebro humano”

7.” Com o tempo os detalhes estragam qualquer biografia. ”

Obs. Verdade.

É por isso que os melhores biógrafos são aqueles que ficam atentos às fofocas e não aos detalhes.

8.” Não vejo vantagens na reencarnação. A não ser que conte tempo para o INSS

Obs. Verdade.

Mas, pensando bem, nem isso compensaria ter de aguentar os humanos de novo.

9. “ O Brasil é esse estranho país de corruptos sem corruptores”.

Obs. Verdade. E, portanto, mais uma pra   completar a memorável frase de Tim Maia que diz:

O Brasil é esse país estranho em que puta goza, gigolô tem ciúme, traficante fuma maconha, comunista é de direita e — com essa — tem corruptos, mas não tem corruptores ” E...

10. “Às vezes, perdemos nossa fé, então descobrimos que precisamos acreditar, tanto quanto precisamos respirar...É nossa razão de existir. ”

VERDADE ABSOLUTA! Sem comentários.

 


 

terça-feira, 11 de novembro de 2025

AS DESVENTURAS DE UM METALÚRGICO



“A sua cabeça, de tanto carregar um capacete, tomou a forma deste. ”

Mimi, o metalúrgico é um rapaz muito esquisito. Sem cor definida (terá entrado fumaça em sua pele?), passa nas ruas, indo ou vindo do trabalho, como um objeto –muito – identificado: é MIMI, o metalúrgico.

A sua cabeça, de tanto carregar um capacete, tomou a forma deste. Onde se viam olhos, boca, nariz, etc hoje se vê — com mais perfeição — as letras CSN. Os seus membros, tão desconjuntados, parece que só se mantêm aderidos ao tronco graças a uma inevitável soldagem e seu tronco terá sofrido uma trefilação, posto que   está   tão magro que dá pena. Enfim, quem olha MIMI diz logo que precisa de urgente tratamento.

MIMI já havia pensado nisso e preferiu o tratamento térmico ao tratamento de minérios. Consta que o médico à vista de seu estado ponderou: MIMI, o que está havendo, rapaz? A tua dureza está muito baixa. Você não é mais, nem de longe, um homem de têmpera.

Quem é metalúrgico sabe que no tratamento dos aços o remédio para aumentar a dureza é um aquecimento a alta temperatura seguido de um resfriamento brusco. Mas MIMI, coitado, não é aço e, se bem que sujeito a sintomas típicos do aço como envelhecimento e corrosão   uma diferença: no seu caso a corrosão se dá de dentro para fora, devido a ação contínua e insaciável dos vermes. Donde a suspeita: teria MIMI entendido mal a receita?

O certo é que MIMI enchia-se de cachaça no bar da esquina   — era o aquecimento, e depois se esquecia nas calçadas em pleno frio do inverno de Volta Redonda — era o resfriamento brusco. O que levou ao diagnóstico: Está desenganado. Já ultrapassou o limite elástico, sua inteligência está em fase de escoamento e em pouco tempo seu corpo entrará em fase de ruptura.  

Causa dó lembrar que um dia MIMI sonhou ser rico; um deputado ou senador, como todo jovem. O destino, como se sabe, faz muitas curvas   só que, no seu caso, foram curvas erradas: curvas de Boudouard, curvas TTT, curvas de equilíbrio. Era inevitável que terminasse assim, encurvado.

Pensando hoje friamente, é forçoso reconhecer que MIMI foi cúmplice desse destino para chegar a essa desastrosa situação. Casou cedo, teve muitos filhos. Não teve planejamento nem controle da produção. Seus filhos se saíram todos ingratos e perdulários — faltou claramente Controle de Qualidade.

A ligação com a esposa, a princípio católica e fiel, degenerou, se tornando o que poderia se chamar de uma ligação co-valente — isto é, com valentia mútua.  Poderia ter se convertido num grande personagem, mas passou fora do Conversor Thomas ou do Conversor Bessemer.  

Hoje chora lágrimas tão sólidas que parecem lingotes. Seu coração se funde em copiosas mágoas e, de tanta febre seu peito mais parece um Alto-Forno ou Auto-Forno, como queiram. Pelo visto vai continuar até o fim refratário ao sucesso e ao bem-estar financeiro. Poderia ter reagido a tempo, mas onde está a sua energia livre de Gibbs? Foi gasta com mulheres na rua.

Mas a vida de um metalúrgico é assim mesmo. E quando chegar a hora de sua morte e, para adaptá-lo ao caixão, for preciso tosar seus cabelos e re-barbas — como se fosse uma usinagem — ninguém lembre um torno.

Para não confundir com o que foi em vida.

 

PS. Essa brincadeira com o profissional da Metalurgia foi publicada  no jornalzinho denominado A CAREPA na Universidade Federal Fluminense de Volta Redonda, quando me formei.

Realçando termos do jargão metalúrgico (em negrito) circulou imediatamente em várias escolas e universidades do sul do país, com seu bom-humor e   irreverência, típica dos universitários da época e dos jovens de todos os tempos.

 

 

domingo, 2 de novembro de 2025

LONGO E DESESPERADO GRITO



                                            AS RUÍNAS

          

                “ Um longo e desesperado grito de horror. ”

 

Um plano   simples é um romance policial que me agradou bastante ter lido. Depois soube que havia virado filme, mas não cheguei a assistir. Não gravei na ocasião, contudo, o nome do romancista.  

Mais recentemente, encontrei entre meus muitos livros ainda não lidos, o romance as Ruínas de um certo Scott Smith, com uma capa que evocava algo parecido com temas da natureza. Mofando nas muitas prateleiras de minhas estantes, destinava-o para venda em minha banca de revista quando chamou-me a atenção uma chamada de Stephen King para o romance: “ Um longo e desesperado grito de horror. ”

Quer atrativo para leitura maior do que uma frase tão acachapante e magnética e, ao mesmo tempo, tão apavorante ou repulsiva quanto essa? Especialmente se assinada por ninguém menos do que   Stephen King?

Malgrado meu atual cuidado preventivo em relação a tudo que possa me induzir a noites mal dormidas (a partir de apreensões, pesadelos e outros que tais) o fato é que   a frase acabou se impondo quase como uma intimação. Não   devido a sentença do autor famoso, mas pela coreografia macabra da dança das palavras num desconcertante apelo irresistível. A que poderia se    assemelhar   um longo e desesperado grito de horror? O que seria tão apavorante e contundente? Lembrei-me da famosa pintura O grito de Edward Munch e, claro, fui ao livro.

Passado algum tempo percebi que o longo e desesperado grito de horror tinha de fato semelhanças com o quadro do pintor —  menos pelo escabroso e mais pelo horror psicológico, cujos embates entre os personagens com suas estruturas mentais deteriorados pelo pavor forneciam um outro atrativo.

Isso evidencia que Scott é um mestre na captura do leitor à sua trama, porque o mantêm sequestrado, malgrado seus escudos, vacinas e válvulas de escape — tão fáceis de executar como simplesmente abandonar a leitura. Bons autores são assim: não permitem que você abandone o seu livro, mesmo que você intente fazer isso.

Ah, sim, depois finalizar o romance, à procura de mais informações sobre o autor descobri para minha surpresa, na própria orelha do livro, que era   o mesmo de O Plano Simples. Scott Smith.

Eu simplesmente esquecera de atentar para esse detalhe   na orelha do livro.