quarta-feira, 9 de março de 2011

2 ou 3 vítimas do Trio Elétrico

artigo publicado na seção Hoje é dia de...
Caderno Alternativo, sábado

2 ou 3 VÍTIMAS DO TRIO ELÉTRICO

ewerton.neto@hotmail.com

Não, não estamos falando da moça que caiu, poucos dias atrás, no Rio de Janeiro de cima de um trio elétrico, nem das mais de vinte eletrocutadas, não faz uma semana, no interior do Rio Grande do Sul, em torno de um. Estamos falando de vítimas mais amenas, carnavalescas.

1. O Rei Momo.
De todas as bizarrias do carnaval o Rei Momo é a mais fácil de entender sob o ponto de vista da lógica carnavalesca, justamente porque não tem lógica. É uma extravagância, como o próprio carnaval, e pronto. Imagine um sujeito imenso, largura maior que a altura, vestido de rei feito um idiota, sorrindo feito um idiota, todo suado e abraçando uma mulata nos intervalos em que abraça outra mulata. Quer algo mais carnavalesco que isso? Um rei momo é tão carnavalesco que finge que está bêbado, e fica bêbado mesmo, meio que na base de um Fernando Pessoa, aplicado aos carnavais: “Finge tão completamente que chega a fingir...”
Outra é que ninguém o vê fora do carnaval. Onde mora? Alguém já o viu algum dia em sua rua, no futebol, ou na praia? Se sobrevivem, certamente não é trabalhando, porque ninguém neste mundo já foi colega de trabalho de um. O Rei Momo é tão integrado à sua sina carnavalesca que, por causa disso hiberna até Fevereiro. Só então resolve voltar à realidade, por 4 dias, como se quisesse lembrar: eu existo.
Portanto, se há alguém que representa o espírito carnavalesco esse alguém é o Rei Momo e, por isso, é difícil acreditar que um povo, que se diz gostar de carnaval, queira acabar com o mesmo. Mas é isso o que estão fazendo duas populações que adoram propagar que são o máximo em matéria de carnaval. Primeiro a de Salvador, agora a de Recife. No entendimento dos “especialistas” dessas plagas o Rei Momo tem que passar a ser magro, o que é o mesmo que imaginar que uma cachaça possa vir a ser light, ou uma escola de samba possa desfilar de terno e gravata.
Ora, e o que isso tem a ver com trio elétrico? - devem estar se perguntando os leitores. Respondendo a tão cruciante questão posso arriscar que, por coincidência ou não, tal impulso demolidor nasceu justamente nas cidades onde o trio elétrico nasceu e proliferou. Se a parafernália eletrônica conseguiu acabar com as marchinhas carnavalescas e obrigou o povo a brincar carnaval vestido de farda (abadá ) por que não acabaria também com o Rei Momo, tornando-o cada vez mais fino, até se extinguir completamente?
Alguém vai dizer que estou imaginando coisas, mas jamais vi um Rei Momo Gordo em cima de um trio elétrico, até mesmo porque isso seria inconcebível (o trio pode desabar, ou uma montanha de gordura pode cair em cima de alguém). Por outro lado, ninguém com um corpanzil desses pode sonhar em ter a mesma desenvoltura dos “saradões” que, em cima dos trios, balançam os quadris mais do que Ivete e Claudia Leite juntas, e rebolam como se tivessem levado um choque elétrico de alta tensão no rabo.
Para um Rei Momo Gordo isso seria impossível.

2. A Alegria.
Imagine o seu modesto radinho de pilha tocando no mais alto volume possível. Isso pode lhe irritar ou não, a depender do que você estiver fazendo. Mude para o som automotivo: desses que alguns estúpidos carregam nas avenidas e ligam num tom de espantar muriçoca quando estão calmos, e à carga total quando estão a fim de aparecer. Insuportável? Daí para cima e mais além. Ou você extermina o sujeito ou vai para casa, sendo mais conveniente, na maioria das vezes, ir para casa.
Agora imagine a potência desse som elevado trinta, quarenta, um milhão de vezes. Uma hecatombe? Uma tragédia? Também depende. Você pode ter ido até lá de livre e espontânea vontade, para brincar carnaval, por exemplo. Como fará, então, para suportar? Pulando, amigo, claro que pulando e gritando cada vez mais, até fazer de conta que está gostando. Ou seja, diante de um ataque desenfreado de decibéis a cem por hora você não tem outra alternativa a não ser dançar. Ou fingir que está dançando, tanto faz.
Alguns chamam isso de alegria. E pode até ser que seja, afinal de contas a cerveja cobra isso. Só não vão poder dizer é que essa seja a mesma alegria de quem escuta, com um som audível, uma marchinha de carnaval como Pierrot Apaixonado ou Anda Luzia, tocado por uma boa orquestra ou pelo coro embriagado de sua turma do Barril. Num ambiente onde é possível descobrir até sua ilusão de felicidade tornar-se palpável, sem correr o risco de vê-la , subitamente, ser pisoteada por um vândalo.
Certamente, o trio elétrico não vitimou a alegria, mas substituiu a vibração espontânea ( dos carnavais verdadeiros ) por uma outra, desenfreada e oportunista. Que pode até ser alegria, mas não é natural, e parece mais arrancada a fórceps. Como se extrai um dente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário