sábado, 26 de fevereiro de 2011

MORRA!

Artigo publicado na seção Hoje é dia de...
O Estado do Maranhão, sábado

MORRA!

José Ewerton Neto

ewerton.neto@hotmail.com



Morra! Disse o prefeito de Manaus Amazonino Mendes a uma mulher da periferia que se recusava a sair do lugar onde ocupava, por não ter para onde ir. Morra! Diz o sujeito dirigindo uma camioneta, do tamanho de sua arrogância, quando vê à sua frente um desavisado pedestre. Morram! Pensam os homens do mensalão a respeito dos que lhes querem enquadrados nos rigores da lei. Morra! Disse o marginal carrasco – que continuou vivo –, ao decapitar o infeliz, condenado por crime sexual, numa cadeia de Pinheiro. Morra eu, morramos nós, enfim, morramos todos para bem de todos e felicidade geral da Nação.
O que não deixa de ser uma boa promessa, já que para lá vamos todos. Antecipar a morte, assumindo-a previamente, pensando bem, não vai mudar o espírito da coisa e, no fim de contas, os que têm o poder de ordenar aos outros que morram para que jamais os atrapalhem, já pensam assim há muito tempo.
Nada de nos iludir. Somos os mesmos animais dos primórdios, cada vez mais irracionais, lutando pela sobrevivência. A única diferença é que, no caso de alguns, a luta é para perpetuar suas cada vez mais desejadas mordomias. “99% dos homens são seres completamente irracionais” dizia um grande autor russo, “O que sobra, são aqueles que têm consciência disso.”1% ? Quanto otimismo! Será que o porcentual de racionais chega a isso, nos milhões que assistem ao Big-Brother?

2. No fundo, desejar a morte alheia sempre foi uma forma espontânea de autodefesa competitiva, bem a gosto dos nossos instintos, quando lutávamos contra animais mais poderosos nas savanas. Milhares de anos após a coisa continua igual, só muda o alvo. Todo aquele que mete a mão no dinheiro público seja aceitando que receba salário muito acima do que seria ético e justo, seja usurpando valores destinados a comunidades carentes está antecipando, ou, mais do que isso, desejando a morte de muita gente.
Ou dá para acreditar que quando um sujeito mete a mão em montanhas de dinheiro destinado a hospitais e escolas, não está sabendo que com isso, condena centenas de seres humanos a morrer mais cedo? Que morram! Esse é o pensamento vigente e muito consciente, apesar de irracional, na mente desses senhores, quer sejam capazes de ir à igreja rezar ou não, de pedir perdão ou não, de terno e gravata ou não, com discursos empolados ou não. Justamente porque, selvagens de gravata, para que a própria morte seja adiada e, temporariamente, esquecida, a morte dos outros não faz diferença.
Sendo assim, o sr. Amazonino Mendes, prefeito de Manaus, não precisa pedir perdão, nem justificar-se - como tentou fazer - ou sequer se desculpar. Apenas externou um pensamento humano, (demasiadamente humano, como diria Nietzche), corriqueiro, e até banal, de quem não conseguiu às custas de reflexão, leitura e/ou espírito humanitário adquirido, domar seus instintos de besta fera que, 300 mil anos após Neandertal, ainda são predominantes no gênero humano. Como diria Hemingway em seu Por quem os sinos dobram, para desejar a morte alheia não precisa sequer pedi-la, ou clamá-la, basta ser indiferente a ela.
Pobres dos desejados à morte: eles não podem pretender que o Sr Amazonino Mendes um dia leia John Donne, ou sequer entenda suas palavras:

“Nenhum homem é uma ilha, isolado em si mesmo; todo homem é um pedaço do continente, uma parte da terra firme. Se um torrão de terra for levado pelo mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse o solar dos teus amigos ou o teu próprio; a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano, e por isso não me perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”.


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