domingo, 8 de abril de 2012

CHICO ANYSIO NÃO MATOU MILLOR





Que sacada humorística seria criada por Millor Fernandes, após ter sido sua morte ofuscada, em termos de repercussão na mídia, pela de Chico Anísio, ocorrida alguns dias antes? Alguma coisa do tipo: “Pô, Chico, você podia ter esperado um pouco mais, essa tua última piada foi tão engraçada que ninguém riu da minha!” O que, guardadas as devidas proporções seria bem próprio dele que dizia coisas do tipo: “A Academia Brasileira de Letras é composta de 39 membros e um morto rotativo”, ou “Não quero participar desse rodízio de mortos”, quando perguntado por que jamais se candidatou à Academia Brasileira de Letras.
            Millor, cujo nome nasceu de um  piada, pois devia se chamar Milton, deve ter acatado essa imposição do destino como uma premonição de que ele iria se tornar  o melhor humorista brasileiro, fazendo literatura das boas, numa época em que isso não existia popularmente. “Enfim, um escritor sem estilo!”, ele dizia , fazendo troça dos escritores fanfarrões que existem por aí e de si mesmo. Em nome desse humor, intelectualizado e sutil, porém, sempre próximo do cidadão comum, jamais abdicou de sua função de humorista para escrever “o grande romance” como é comum se cobrar de escritores geniais como ele. Pensando bem, quem escreveu O Livro vermelho dos pensamentos de Millor, cujo título é uma paródia ao livro dos pensamentos de Mao Tse Tung, não precisaria mesmo de um grande romance.
            A primeira vez em que deparei com alguma interligação dos talentos humorísticos de Chico Anísio e Millor Fernandes foi quando, na adolescência, li uma seção na revista Realidade, em que talentos e celebridades, falavam um do outro. Na época, Chico Buarque, jovem já consagrado depois do avassalador  sucesso de A Banda referia-se a Millor: “Millor é sério, mas Vão Gogô é engraçado”. (Vão Gogô era um pseudônimo que Millor usava, na época). Chico Anísio, por sua vez, falava de Chico Buarque, e introduzia sua música Quem te viu quem te vê como uma das três melhores de toda a MPB, além de Feitiço da Vila, de  Noel, e outra da qual não me recordo.
            Alem de terem sido humoristas geniais  e da quase coincidência na hora da morte, Millor e Chico Anísio guardavam muitos pontos em comum, mas algumas sutis diferenças, uma das quais se pode extrair da própria frase de Chico Buarque sobre Millor. O humor que se consegue extrair de pessoas com essa personalidade, séria, jamais poderia ser como o de Anísio, espontâneo, por vezes extravagante, mas, sim aquele  que nos permite sorrir das fraquezas humanas, nas entrelinhas do que se lê,  a reboque de alguns trocadilhos inesperados. Numa época em que todos os estudantes brasileiros liam Millor e o Pasquim, uma de suas mais comentadas tiradas ocorreu quando ocorreu o primeiro transplante de coração feito pelo médico Christian Bernard que causou sensação no mundo inteiro. Millor saiu-se com esta: “Blaiberg não foi o primeiro. Já havia  o Ricardo Coração de Leão.”
            O humor de Chico Anysio, igualmente genial, tendia pela própria natureza da construção teatral a ser  obrigatoriamente popularesco e imediato, embora traduzisse igual sutileza na construção dos personagens. Coincidiram ambos, porém, no declínio da última década. O humor de Chico Anysio, baseado na criação de personagens, tornou-se rapidamente arcaico, quando não foi mais capaz de se traduzir na criação de protótipos das novas  gerações, pós-internet.
                                                                       
            Millor, por sua vez, apesar de perfeitamente integrado, desde sempre,  às  exigências dessa nova comunicação,  que exigem textos rápidos, velocidade de pensamento e ironia concentrada ( Millor sempre foi um inovador e antecipou-se a escritores como Zé Simão cujo texto ainda é mais acelerado que o dele) , já não tinha a mesma verve, conseqüência, talvez , do envelhecimento. Seu ultimo estágio na revista Veja foi pouco penetrante na receptividade dos leitores e seu blog estava longe de ser um dos mais disputados entre os internautas quando comparados a outros sites de humor que hoje proliferam na rede.
            A morte de Chico Anysio “matou” a de Millor Fernandes? Qual deles ficará para a eternidade? Neste ponto, ouso acreditar que levará vantagem Millor :seu tipo de humor é mais durável por não se basear nas características individuais de personagens estratificados numa época , mas na crítica ao gênero humano como um todo, seus aforismos atravessarão mais facilmente a memória, montados que estão nesse único veículo capaz, talvez, de tanger a eternidade que  é a literatura.
            Porém, o mais certo é que ambos estejam se rindo dessa tal eternidade, em alguma mesa de bar, pros lados do infinito. Chico fazendo o professor Raimundo para os garçons e Millor rabiscando, mais uma vez, num caderno de anotações: “ Certos escritores se pretendem eternos e o máximo que conseguem ser é intermináveis.”
                                                                                  ewerton.neto@hotmail.com

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