artigo publicado hoje, sábado, na sessão Hoje é dia de...
Caderno Alternativo, jornal O estado do Maranhão
Imagine
um time de futebol pelo qual não torcemos, mas admiramos. Mas que, ao fim,
vamos acabar torcendo porque admiramos cada vez mais. Um time cujos jogadores
joguem um futebol tão espetacular que o torne maior do que as paixões regionais
ou clubísticas.
Que não se apressem os
leitores em imaginar que poderíamos estar falando do Barcelona atual, de Messi,
Xavi, Iniesta etc. Bote mais excelência nisso e estamos tratando do Santos F.C., esse time de futebol que acaba
de comemorar cem anos de existência e que teve um dia em suas fileiras um
garoto de dezesseis anos chamado Edson Arantes do Nascimento (êpa, Pelé!) a comandá-lo
nessa aventura incomparável, de evoluir de
time pequeno, do interior e sem torcida, para transformar-se, em poucos anos, no
melhor time do mundo, durante toda uma década.
Não pensem, porém, que o
Santos foi o melhor porque ganhava títulos quando, ao invés, ganhava títulos
porque era o melhor. (Uma coisa nem sempre tem a ver com a outra e como faz
diferença!). As estatísticas da imprensa, que mostram resultados de ocasião para
tentar equivaler, por exemplo, o São Paulo F.C. de três títulos mundiais, ao Santos
de Pelé, Coutinho, Pepe, etc. cometem uma atrocidade. O Santos só não ganhou
mais títulos internacionais, como a Libertadores da América, porque, simplesmente,
não quis. Abandonou a competição, e nisso foi seguido pelos demais times
brasileiros, quando tentaram lhe impor jogos contra os desqualificados Emelecs e Cobreloas da vida. (Na época, os ardilosos
cartolas sul-americanos aumentaram o número de competidores da Taça, incluindo
o vice-campeão, para que todos pudessem ver Pelé jogar de graça). Tanto não
precisou disso que o Santos foi homenageado pela FIFA, em 2001 como o melhor
time das Américas do século XX.
Livre para exibir a arte
de Pelé e cia. onde houvesse espetáculo o Santos, dava-se ao luxo de suspender
guerras, como aconteceu entre duas nações
africanas. Eis mais dois exemplos breves, para se ter uma idéia da magnitude de
um time de soberana aceitação universal.
1.
Após ter sido
expulso durante um jogo, na Bolívia, Pelé foi intimado a voltar a campo pelo
próprio juiz que lhe pedia alvoroçadas desculpas, já que se via na iminência
de fugir sob escolta policial, porque a
torcida, revoltada, ameaçava invadir o estádio.
2. No interior
paulista, depois de dar três lençóis seguidos em adversários distintos Pelé
chutou a bola a gol e esta, caprichosamente, não entrou. O juiz validou o gol e
quando os zagueiros correram para cima dele, este, candidamente respondeu: “Pra mim foi gol e acabou.”
Ninguém reclamou .
Lenda? Folclore? Parece
que sim, mas a culpa não é da realidade, por não ter conseguido se impor, mas
do sobrenatural por tê-la ultrapassado em existência. E da
predestinação também, talvez. Como
explicar que a epopéia vitoriosa do time não tenha cessado de vez, após a
“ressaca” da era Pelé, quando o time passou a comer o pão que o diabo amassou, apanhando de todo mundo? Por um longo período
esteve em vias de ser obscurecido pela sombra de antigo time pequeno,
recrudescendo com toda fúria.
Só
mesmo essa predestinação explica porque o time praiano jamais adotou, mesmo nesses
momentos mais sombrios, o futebol defensivo e de resultados, o futebol de
brutamontes que, egresso do Rio Grande
do Sul, passou a fazer a cabeça de técnicos, comentaristas, jogadores e
torcedores, e se espalhou feito praga por esse Brasil afora. E
foi assim, devido a essa predestinação, que o time superou o estio de vitórias e aos poucos renasceu: primeiro
com Pita e Juari, depois Giovani, mais tarde Robinho e
Diego e agora Neymar e Ganso. Que time brasileiro hoje pode se dar ao luxo de
dispor em seu elenco de jogadores de talento tão excepcional, egressos da
própria escolinha, que, no caso do Santos, parece guardar uma aliança entre o
destino e o craque?
E o que mais for dito, a
respeito dessa sina, pouco será acrescentado. Maior glória que ganhar
campeonatos é não se render à apatia geral de talento que reina no futebol
brasileiro, onde times submissos a técnicos cujo objetivo é ganhar a qualquer
custo, encobrem a mediocridade de suas equipes sob o falso emblema de grupo de
“garra”. Graças a Deus parece que isso jamais acontecerá com esse time. Está no
DNA.
ewerton.neto@hotmail.com
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