artigo publicado hoje, sábado, na seção Hoje é dia de...
jornal o Estado do Maranhão, caderno Alternativo
Li
esta semana neste jornal que um sujeito entendido em etiqueta proclamou que
comer frango com o auxílio dos dedos fere a etiqueta. Ora, uma de minhas
satisfações referentes ao ato de comer, quando me tornei adolescente, foi saber
que justamente os mestres da etiqueta autorizavam comer frango com as mãos,
como eu fazia quando criança. O que é, obviamente, muito mais prático e ninguém
vai morrer por causa disso.
Apreciador de um bom frango
grelhado acostumei-me, desde então, a comer a parte mais gostosa, para mim, que
é a coxa, com as mãos, por uma razão muito simples, se for comer, com garfo e
faca, sinto que esta perde o sabor. Ora,
direis, ‘estás a confundir o sabor com a facilidade de ingerir a comida.’ Isso mesmo, e por que não? O que vem
a ser ‘o sabor’? É apenas sentir o gosto que a comida possui ou fazer disso um
ato de puro prazer, advindo da liberdade de se refestelar quando e do que jeito
que melhor lhe convier? Respondam se forem capazes, senhores mestres da
etiqueta!
Mestres da etiqueta! Eis
aí algo que nunca consegui entender. Com o que, então, de repente, alguém que
nunca soube de onde saiu: se é burro ou inteligente, gordo ou magro, argentino
ou corintiano, mete-se a dar palpites na maneira de como devo sentir o sabor de
uma comida - que ele não pagou para mim.
Dá para acreditar?
E, pior, faz disso uma
forma de vida, ganha dinheiro à custa dessa suposta sapiência e a única coisa
que existe para referenda-lo é a informação
de que deve ser rico. Sim, porque senão o dito cujo não freqüentaria
restaurantes caros, não estaria dando
uma de papagaio de pirata nas fotos com celebridades e não acharia uma editora
capaz de publicar suas regras de ‘bem
comer’ que ele aprendeu, sabe-se lá onde. E, principalmente, não acharia um
batalhão de idiotas que somos todos nós, seres humanos, ávidos por sair atrás
de qualquer um que nos imponha o cerceamento da nossa liberdade de pensar ou agir
– ou de comer. “Liberdade, Liberdade!” como disse o poeta: “Como teus grilhões
são mais pesados para o ser humano do que qualquer escravidão!”
Na edição desta semana
da revista Veja li uma entrevista de um arquiteto, por sinal maranhense, na
qual este se refere ao mega-corrupto, Carlos Cachoeira. O título da reportagem
é “O Cachoeira é um homem muito fino” Fino? Tentei interpretar o conteúdo surpreendente
do título, antes de começar a ler a reportagem e logo me veio a imagem do
rotundo Cachoeira, muito mais para gordo do que para magro. Percebi que não era
por aí. Lendo um pouco adiante foi fácil chegar à conclusão de que o arquiteto
maranhense referia-se a uma suposta ‘finura’ do sujeito, mais ou menos do tipo
ao qual se referem aqueles que pregam e distribuem regras de etiqueta. Esse ‘fino’
dele alude à elegante, social, chique, prendado etc. O que de pronto me levou,
por ilação, a uma conclusão sui-generis. Ora, se alguém com o volume de atos de
corrupção dos quais é acusado, como Cachoeira, é um homem fino, isso quer dizer
que um sujeito honesto deva ser o quê, grosso? Pronto, acabamos de descobrir que
mais da metade da população brasileira é grossa. Pelo menos enquanto ainda for
honesta.
Finda a leitura é fácil
constatar, um tanto amargamente, que o
“fino” do Cachoeira é do mesmo teor que o “gente bonita” de que fala a mídia quando se refere à gente rica. Sim porque Cachoeira,
embora seja acusado de corrupção, é rico por causa disso, portanto, não importa
a sua educação,elegância, cultura, tornou-se gente fina ou ‘finíssima’ porque a
posse do dinheiro traz esse outro poder: o de transformar um feio em bonito, um
burro num intelectual, e um corrupto em fino. O que leva a acreditar que neste país surpreendente
onde, ainda segundo Tim Maia: gigolô tem ciúme, puta goza, comunista é de
direita e traficante fuma maconha, ainda cabe mais um: “E em que corrupto é
fino”.
Em outras palavras: ser
honesto neste país virou deselegância.
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