sábado, 7 de julho de 2012

CARLOS CACHOEIRA ETIQUETADO



artigo publicado hoje, sábado, na seção Hoje é dia de...
jornal o Estado do Maranhão, caderno Alternativo


Li esta semana neste jornal que um sujeito entendido em etiqueta proclamou que comer frango com o auxílio dos dedos fere a etiqueta. Ora, uma de minhas satisfações referentes ao ato de comer, quando me tornei adolescente, foi saber que justamente os mestres da etiqueta autorizavam comer frango com as mãos, como eu fazia quando criança. O que é, obviamente, muito mais prático e ninguém vai morrer por causa disso.
                        Apreciador de um bom frango grelhado acostumei-me, desde então, a comer a parte mais gostosa, para mim, que é a coxa, com as mãos, por uma razão muito simples, se for comer, com garfo e faca,  sinto que esta perde o sabor. Ora, direis, ‘estás a confundir o sabor com a facilidade de ingerir a  comida.’ Isso mesmo, e por que não? O que vem a ser ‘o sabor’? É apenas sentir o gosto que a comida possui ou fazer disso um ato de puro prazer, advindo da liberdade de se refestelar quando e do que jeito que melhor lhe convier? Respondam se forem capazes, senhores mestres da etiqueta!
                        Mestres da etiqueta! Eis aí algo que nunca consegui entender. Com o que, então, de repente, alguém que nunca soube de onde saiu: se é burro ou inteligente, gordo ou magro, argentino ou corintiano, mete-se a dar palpites na maneira de como devo sentir o sabor de uma comida - que ele não pagou para mim.  Dá para acreditar?
                        E, pior, faz disso uma forma de vida, ganha dinheiro à custa dessa suposta sapiência e a única coisa que existe para  referenda-lo é a informação de que deve ser rico. Sim, porque senão o dito cujo não freqüentaria restaurantes caros,  não estaria dando uma de papagaio de pirata nas fotos com celebridades e não acharia uma editora capaz  de publicar suas regras de ‘bem comer’ que ele aprendeu, sabe-se lá onde. E, principalmente, não acharia um batalhão de idiotas que somos todos nós, seres humanos, ávidos por sair atrás de qualquer um que nos imponha o cerceamento da nossa liberdade de pensar ou agir – ou de comer. “Liberdade, Liberdade!” como disse o poeta: “Como teus grilhões são mais pesados para o ser humano do que qualquer escravidão!”
                        Na edição desta semana da revista Veja li uma entrevista de um arquiteto, por sinal maranhense, na qual este se refere ao mega-corrupto, Carlos Cachoeira. O título da reportagem é “O Cachoeira é um homem muito fino” Fino? Tentei interpretar o conteúdo surpreendente do título, antes de começar a ler a reportagem e logo me veio a imagem do rotundo Cachoeira, muito mais para gordo do que para magro. Percebi que não era por aí. Lendo um pouco adiante foi fácil chegar à conclusão de que o arquiteto maranhense referia-se a uma suposta ‘finura’ do sujeito, mais ou menos do tipo ao qual se referem aqueles que pregam e distribuem regras de etiqueta. Esse ‘fino’ dele alude à elegante, social, chique, prendado etc. O que de pronto me levou, por ilação, a uma conclusão sui-generis. Ora, se alguém com o volume de atos de corrupção dos quais é acusado, como Cachoeira, é um homem fino, isso quer dizer que um sujeito honesto deva ser o quê, grosso? Pronto, acabamos de descobrir que mais da metade da população brasileira é grossa. Pelo menos enquanto ainda for honesta.

                                                                              

                        Finda a leitura é fácil constatar, um tanto amargamente,  que o “fino” do Cachoeira é do mesmo teor que o “gente bonita” de que fala a mídia  quando se refere à gente rica. Sim porque Cachoeira, embora seja acusado de corrupção, é rico por causa disso, portanto, não importa a sua educação,elegância, cultura, tornou-se gente fina ou ‘finíssima’ porque a posse do dinheiro traz esse outro poder: o de transformar um feio em bonito, um burro num intelectual, e um corrupto em fino. O que leva a acreditar que neste país surpreendente onde, ainda segundo Tim Maia: gigolô tem ciúme, puta goza, comunista é de direita e traficante fuma maconha, ainda cabe mais um: “E em que corrupto é fino”.
                        Em outras palavras: ser honesto neste país virou deselegância.

                                                                                  ewerton.neto@hotmail.com
                                                           http://www.joseewertonneto@blogspot.com

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