artigo publicado na seção Hoje é dia de...Caderno Alternativo,
jornal o Estado do Maranhão, hoje, sábado
Escreveu Tolstói em uma das suas mais bem realizadas aberturas de romance que “As famílias felizes
parecem-se todas; as famílias infelizes são infelizes cada uma à sua maneira.“
Inclusive, a
infelicidade trazida pela morte? Era de
se esperar que esta fosse igual em qualquer lugar já que a dor da perda é um sentimento
universal , mas parece que, mesmo aqui, o
escritor acertou já que as famílias parecem se comportar diferentemente umas das outras, a depender de seu país de origem. Como a ‘família’
brasileira, por exemplo.
Isso
me chamou a atenção depois do atentado de Boston, esta semana, onde três pessoas morreram , causando comoção internacional. Nada mais
pungente e doloroso que a última trajetória de uma das vítimas, uma criança,
sacada da vida pela estupidez de um monstro (sendo humano é mais monstruoso ainda) , no momento
em que corria para abraçar o pai, numa celebração esportiva festiva. Mas o que
distingue essa tragédia, que atingiu a ‘família’ (sociedade) americana,
se comparada à outra - a brasileira de Santa Maria, não é o grau de comoção em
torno da tragédia e, sequer, o número de
mortos que, no caso brasileiro, foi cinqüenta vezes maior.
O
que parece distinguir uma morte da outra, uma tragédia da outra, um absurdo do
outro, nessas distintas ‘famílias’ ,
claro que não é o sentimento das vítimas, indissociável
e intransferível em sua tristeza e revolta, mas a forma como a morte é
encarada pelos outros, sendo esses outros: o vizinho, a sociedade, o governo, a nação
enfim. Pois é fácil constatar que a mesma
crueldade que arranca vidas e reduz as
esperanças dos parentes que ficam, é tratada de forma diferente aqui e lá. Lá o
Estado vai atrás do culpado e lhe faz
pagar. (Assim foi feito com Osama Bin
Laden, o terrorista covarde travestido de herói , que recebeu a contrapartida do que fez, em justa medida,
proporcional ao mal que causou). Aqui ,
ao contrário, se esquece e se perdoa, transformando-se o perdão em licença para
o banditismo e o esquecimento em prêmio para assassinos. Três meses após a tragédia de Santa Maria, os
maiores culpados continuam à solta; desde
o prefeito que continua governando a cidade como se nada tivesse a ver com o que se passou no
submundo da vigilância de sua responsabilidade até o governador Tarso Genro que,
lavando às mãos, sequer assume o pagamento da indenização pleiteada pelas
vítimas – única contrapartida possível ao alcance destas para amenizar o que
sofreram, em conseqüência dos
desmandos de um estado que se mostrou
incompetente para proteger, minimamente, os cidadãos que pagam seus impostos.
Li
certa vez em uma revista científica que esse traço do caráter brasileiro – a leniência excessiva para com assassinos e
ladrões – teria origem na nossa formação
católica, cujos preceitos exaltam o perdão aos criminosos como medida de
humanidade, no que difere de outras religiões que estimulam leis mais rigorosas, como a religião presbiteriana,
por exemplo. Tal interpretação vem a calhar para assassinos e ladrões de todos
os níveis em nosso país, principalmente os encastelados nos salões do poder. Nada
melhor para um ladrão de terno e gravata do que se apossar do dinheiro público e depois
pedir perdão pelos pecados, na missa dominical. Claro que essa interpretação à
brasileira da Bíblia, equivocada e oportunista, é exercida pelos que fazem as leis em
benefício próprio ( o que mais se vê por aqui) , esquecidos de que Jesus Cristo
não só não perdoou os vendilhões do templo como os expulsou a chicotadas.
Agora
mesmo representantes do Governo Dilma vêm a público para defender sua posição contra a intenção de reduzir a maioridade penal , mesmo
que as estatísticas apontem para um apogeu de violência jamais vista em nosso
país. A benevolência histórica neste país para com
assassinos e bandidos de qualquer idade e a ânsia em justificá-los sob o manto
da compaixão esconde, sob a justificativa presunçosa de fazermos isso por sermos um povo
generoso, feliz e cordial, um caráter arrogante e desprezível, que faz de conta
que a morte que ceifou a vida das vítimas jamais atingirá os que sobrevivem e que os mortos neste país fazem parte de uma raça distinta, uma confraria
de infelizes atingidos por uma epidemia – a de infelicidade – que jamais alcançará
os vivos em sua obsessão de alegria e indiferença
a qualquer preço.
Para
bem de todos e felicidade geral de corruptos e assassinos, é assim que tem sido
a morte brasileira, ou melhor, A morte à brasileira.
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