sábado, 20 de abril de 2013

MORTE À BRASILEIRA


artigo publicado na seção Hoje é dia de...Caderno Alternativo,
jornal o Estado do Maranhão, hoje, sábado



Escreveu Tolstói  em uma  das suas mais bem realizadas  aberturas de romance que “As famílias felizes parecem-se todas; as famílias infelizes são infelizes cada uma à sua maneira.“

Inclusive, a infelicidade trazida pela  morte? Era de se esperar que esta fosse igual em qualquer lugar  já que a dor da perda é um sentimento universal , mas parece que,  mesmo aqui, o escritor acertou já que as famílias parecem se comportar diferentemente  umas das outras,  a depender de seu país de origem. Como a ‘família’ brasileira, por exemplo.
                Isso me chamou a atenção depois do atentado de Boston, esta semana, onde  três pessoas morreram  , causando comoção internacional. Nada mais pungente e doloroso que a última trajetória de uma das vítimas, uma criança, sacada da vida pela estupidez de um monstro (sendo  humano é mais monstruoso ainda) , no momento em que corria para abraçar o pai, numa celebração esportiva festiva. Mas o que distingue essa tragédia,   que atingiu a ‘família’ (sociedade) americana, se comparada à outra - a brasileira de Santa Maria, não é o grau de comoção em torno da tragédia e, sequer,  o número de mortos  que,  no caso brasileiro,  foi  cinqüenta  vezes maior.
                O que parece distinguir uma morte da outra, uma tragédia da outra, um absurdo do outro, nessas  distintas ‘famílias’ , claro que não é o sentimento das vítimas,  indissociável  e intransferível em sua tristeza e revolta, mas a forma como a morte é encarada pelos outros, sendo esses outros:  o vizinho, a sociedade, o governo, a nação enfim. Pois é fácil constatar que  a mesma crueldade que arranca vidas  e reduz as esperanças dos parentes que ficam, é tratada de forma diferente aqui e lá. Lá o Estado  vai atrás do culpado e lhe faz pagar. (Assim foi feito com  Osama Bin Laden, o terrorista covarde travestido de herói , que recebeu  a contrapartida do que fez, em justa medida, proporcional ao mal que causou).  Aqui , ao contrário, se esquece e se perdoa, transformando-se o perdão em licença para o banditismo  e o esquecimento em prêmio  para assassinos.  Três meses após a tragédia de Santa Maria, os maiores culpados continuam  à solta; desde o prefeito que continua governando a cidade como  se nada tivesse a ver com o que se passou no submundo da vigilância de sua responsabilidade até o governador Tarso Genro que,  lavando às mãos, sequer assume  o pagamento da indenização pleiteada pelas vítimas – única contrapartida possível ao alcance destas para amenizar o que sofreram,  em conseqüência dos desmandos  de um estado que se mostrou incompetente para proteger, minimamente,  os cidadãos que pagam seus impostos.  
                                                                       

                Li certa vez em uma revista científica que esse traço do caráter brasileiro – a  leniência excessiva para com assassinos e ladrões  – teria origem na nossa formação católica, cujos preceitos exaltam o perdão aos criminosos como medida de humanidade, no que difere de outras religiões que estimulam  leis mais rigorosas, como a religião presbiteriana, por exemplo. Tal interpretação vem a calhar para assassinos e ladrões de todos os níveis em nosso país, principalmente os encastelados nos salões do poder. Nada melhor para um ladrão de terno e gravata  do que se apossar do dinheiro público e depois pedir perdão pelos pecados, na missa dominical. Claro que essa interpretação à brasileira da Bíblia, equivocada e oportunista,  é exercida pelos que fazem as leis em benefício próprio ( o que mais se vê por aqui) , esquecidos de que Jesus Cristo não só não perdoou os vendilhões do templo como os expulsou  a chicotadas.
                Agora mesmo representantes do Governo Dilma vêm a público para defender sua posição contra  a intenção de reduzir a maioridade penal , mesmo que as estatísticas apontem para um apogeu de violência jamais vista em nosso país.   A benevolência histórica neste país para com assassinos e bandidos de qualquer idade e a ânsia em justificá-los sob o manto da compaixão esconde, sob a justificativa  presunçosa de fazermos isso por sermos um povo generoso, feliz e cordial, um caráter arrogante e desprezível, que faz de conta que a morte que ceifou a vida das vítimas jamais  atingirá os que sobrevivem  e que os mortos neste país  fazem parte de uma raça distinta, uma confraria de infelizes atingidos por uma epidemia – a de infelicidade – que jamais alcançará os vivos em sua  obsessão de alegria e indiferença a qualquer preço.  
                                                                    
                                                                         
                Para bem de todos e felicidade geral de corruptos e assassinos, é assim que tem sido a morte brasileira, ou melhor,   A morte à brasileira.
                                                                                              ewerton.neto@hotmail.com
                                                               http://www.joseewertonneto.blogspot.com

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