artigo publicado na seção Hoje é dia de...
Caderno Alternativo, jornal o Estado do Maranhão, hoje
sábado
Um
esperma fecunda um óvulo e, logo depois, surge o embrião de uma vida humana. A
partir daí... (Bem, não vamos entrar nessa discussão sobre a partir de quando é
vida ou não e, muito menos, em que condições se deveria ser a favor do aborto ou não. Há tempo para
isso). Primeiro vamos acompanhar a vida que chega a partir do quarto mês,
quando esta já adquiriu, digamos assim, alguma maturidade. A partir de então...
4o mês: Aqui estou.
Não sei direito quem eu sou, mas, com certeza, se estou aprendendo a pensar,
então existo. Tanto penso que, embora muitas vezes fique nervoso, quando escuto
o barulho da água fico mais tranqüilo. Existir, pelo que estou vendo, não
significa muita coisa, eu quero mais é viver. Segundo um tal de Oscar Wilde, que eu lerei no futuro,
viver é muito raro, a maioria das pessoas apenas existe. Portanto, existo e já
estou treinando, minuto a minuto, para viver.
5o mês:
Aprendi a urinar. Claro que engulo minha urina, ora bolas, se não há outro
jeito... No mais, a vida aqui é confortável, as noites e os dias são iguais. Há
um silêncio muito profundo e bom, às vezes ouço um tuc tuc como o de um relógio
e sinto uma coisa assim profunda dentro de mim que não sei explicar, parece
algo assim como um relógio de esperança que bate sem pressa; quando chego à
conclusão de que é isso mesmo: bate profundo, em mim, o ritmo da esperança
e esse é o primeiro presente que vou
levar para fora quando me derem as boas-vindas : um olhar cheio de esperança.
6º mês: Ninguém me olha
nem me vê por enquanto, chego a pensar que isso é uma quase felicidade. Ninguém
me acha gordo, bonito, feio ou magro, ninguém fala mal de mim ainda. Às vezes, acho
que eu poderia continuar eternamente nessa viagem, rumo ao mundo, sem muito
prejuízo, já que não preciso lutar para comer, durmo umas 22 horas por dia e
ninguém se importa com isso, nem me chama de vagabundo. O que faço nas duas horas
que faltam? Penso, e acho até que faço isso cada vez melhor. Às vezes, fico
imaginando quando chegar a hora. Sei que me desprotegerão a partir desse dia e
logo conhecerei o sol e a chuva. Depois virá a morte, mas não quero pensar
nisso agora, cada coisa a seu tempo. Sonhei ontem que Deus disse que não nos
devemos preocupar com o amanhã, que basta ao dia o seu próprio mal. Disse
também: “Olhai as aves do céu e os lírios do campo, eles não tecem nem fiam e
nem Salomão com toda a sua glória se vestiu como um deles”.
7o mês: Meus
olhos já se abrem e fecham o que, a rigor, nem precisava. Também não preciso de
brinquedo, se tenho o meu cordão umbilical prá isso. Aviso aos navegantes: não
estou indo de trem nem de avião, esse transporte que me conduz e protege, ao
mesmo tempo em que me torna parte do futuro, tem um nome e uma explicação que
jamais será encontrada nas leis físicas que um dia tentarão explicar tudo:
chama-se mãe. Acho que acabo de conhecer o único meio de transporte capaz de
levar alguém das trevas para a luz.
8o mês: Estou
cada vez mais apertado neste meu cantinho e começo a ficar incomodado. Mas não
é por causa de estar aqui, ao contrário do que os cientistas pensam. Certo, já
não consigo movimentar-me muito bem, mas isso seria o de menos comparado a permanecer
assim, mais do que junto , dentro dela. O que me incomoda mesmo é que ela deve
estar penando para me carregar dum lado para o outro. Só por isso anseio que
chegue logo esse dia do parto que deveria chamar-se, ao invés, como disse
alguém, dia do fico. Pois não estarei partindo, mas ficando, não é?
9o mês: Bem,
agora todos sabem que eu sou. E não apenas mais um, agora sou alguém, sou único,
sou universal e principalmente eterno, pois jamais sairei da memória mais
valiosa para mim que é a desta que ainda me carrega. Chamo-me vida, vim através dela. Descubro que ela,
bem mais que humana, é divina, mas continuarei a chamá-la de mãe que dá no
mesmo.
“A todas as mães do mundo e à memória da
minha.”
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