Artigo publicado hoje, sábado, na seção Hoje é dia de...
Caderno Alternativo, jornal o Estado do Maranhão
Não duvide: esse guerreiro é você. Mesmo sem armas e sem perfeita consciência
disso saiba que você está indo para uma guerra, talvez, a pior de todas: a
guerra do cotidiano. E é dessa que menos chances você tem de voltar vivo. Basta
lembrar os seus inimigos:
1.Motoqueiros. Eles surgirão dos quatro cantos do mundo e
mais um: aquele que você menos espera. Nem adianta tentar se antecipar para
prevenir: eles o cortarão pela direita, esquerda, por cima ou por baixo.
Mantenha a reta, segure firme o volante, contenha-se para não ter um colapso
cardíaco, chegou finalmente o sinal. Ufa!
E pensar que
coisa de dez anos atrás eles não disputavam com você os raros espaços que
sobravam nas avenidas, você era feliz e não sabia. Outro dia disparou um de
dentro de um caixa eletrônico. Você se assustou, freou bruscamente. Nem deu
tempo de perguntar o que ele estava
fazendo lá dentro com moto e tudo, já ele veio perguntando o que você queria lá
também. Você tentou chamar um guarda, mas, ao invés dele, surgiu uma nuvem de
motoqueiros ameaçando linchá-lo. Você, claro, desistiu de ponderar diante de
argumentos tão convincentes e teve que pagar o conserto da moto (e da caixa
eletrônica, idem), dando graças a Deus por ter voltado para casa. Quando ao
amassado do seu próprio carro, você finge até hoje que é só uma ilusão de ótica
passageira.
2.Barreiras
eletrônicas e radares. Você pensava que conhecia as barreiras eletrônicas uma
por uma. Pode-se dizer até que com alguma intimidade, já que elas passaram a povoar seus
pesadelos depois que você pagou uma saravaida de multas. É capaz de dizer qual a mais afoita e até por
quais times elas torcem. (tem uma que deve ser da Gaviões da Fiel, porque mata com sinalizador).
Tanta intimidade não evitou que elas o transformassem no inimigo público número
1. A coisa deve ser absolutamente pessoal porque até quando você passa com o
pneu furado, a vinte por hora, elas o multam. Do jeito como proliferam (além
delas, os radares ) , você está pensando em adotar uma e levar para casa a fim
de multar as muriçocas que passaram a visitar sua casa , a cem por hora. Quem
sabe, assim teriam alguma utilidade.
3.Animais. 50
anos atrás os animais já invadiam o trânsito, mas até que você não se preocupava
tanto, desde que fossem de 4 patas: jumentos , cachorros, vacas e galinhas,eram
quase inofensivos. O que você passou a temer mesmo, de algum tempo para cá, são
os humanos que, na disputa do trânsito, estão sempre próximos de atingir a
perfeição animalesca quando pegam num volante. Então urram, esperneiam, berram,
uivam, cada um se esmerando em ser mais
feroz que o outro, contando para isso com a parafernália tecnológica de seus
automóveis. Se querem zurrar usam uma
caixa de som, se querem uivar , usam uma buzina, se querem espernear usam o
acelerador e se querem escoicear...Bem, aí tentam xingá-lo, mas claro que você
finge que não tem ouvidos, senão se
transforma em mais um.
4.Vagas.Bem
que você batalhou, suou, penou, teve de escutar muito alarme de despertador e
apito de fábrica, até que conseguiu,
finalmente, comprar seu carro com prestações a perder de vista e com juros que
doem a vista. Só para descobrir que não existe lugar para colocá-lo, esteja o
veículo se movendo ou, principalmente,
parado. Se nas ruas já é difícil,
nos estacionamentos, pior ainda. Antigamente, isso acontecia só no Centro da cidade, agora é em shopping center, farmácia, hospital ou cemitério.
A guerra por
uma vaga você já aprendeu que é uma batalha vã, mas você não pode desistir, você é um guerreiro. Depois de mil avisos de
proibição: “Esta é para táxi”, “Esta é para moto” “Esta é para helicóptero”,
você, guerreiro escolado, volta para casa e estaciona em sua própria garagem.
Tem a perfeita consciência de que gastou gasolina, paciência, tempo e
disposição, mas não pode deixar de ser acometido pela sensação, ainda que
tardia, de como pode ser gostosa essa
sensação de vitória: a de ainda estar vivo.
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