sábado, 21 de junho de 2014

UBIRATAN TEIXEIRA



artigo publicado na seção Hoje é dia de...
Caderno Alternativo, jornal o Estado do Maranhão, hoje,
sábado.


Enfim, um escritor sem estilo”, assim Millor Fernandes anunciava suas páginas humorísticas, ironizando o  meio literário a que pertencia, onde o estilo decantado  de alguns  escritores era uma espécie de grife,  ao seu modo de ver, risível. Millor não foi o primeiro, já havia, em São Luís,  Ubiratan Teixeira, mas não porque sua escrita não tivesse estilo próprio, mas porque assim parecia  se proclamar, sem nunca tê-lo dito, ou talvez, pensado.  Era, certamente, um escritor sem estilo (no sentido libertário de não se prender a nenhuma amarra intelectual) até mesmo por causa de sua versatilidade cultural: repórter, jornalista, teatrólogo, crítico, cronista e romancista.
            E, no entanto, pelo menos na crônica (matéria que entre as que abraçava, me insinuo até por dever de ofício), Ubiratan tinha um estilo inconfundível. Não carecia de sua assinatura em qualquer um de seus textos para que o leitor intuísse que, nas entrelinhas daquela  disposição de letras e palavras, vibrasse um Ubiratan Teixeira, cujas ressonâncias mais recorrentes eram a disposição do enfrentamento, o libelo contra injustiças literárias,  o apego à cultura genuinamente maranhense , a verve iconoclasta e a disposição de se situar à margem dos “refinados ou bem-nascidos”, com um estilo (olha aí o estilo) irreverente e direto, suportando um Eu, por vezes exacerbado, em sua disposição de colocar-se na linha de tiro,  tendo ao fundo personagens que tornava o mais possível fictícios , mesmo que fossem reais: a tal da recriação da realidade.
            Essa tal recriação da realidade, que é o calcanhar de Aquiles de todo escritor e, especialmente, do cronista, quando o domínio da linguajem por si não é suficiente para reinventar o fato corriqueiro. Ubiratan Teixeira certamente tinha esse dom, extraído de suas idiossincrasias que o faziam também, no conto e no romance, galgar patamares mais elevados, como quando atingiu, talvez, o ápice de sua arquitetura literária ao compor a  pequena novela Vela ao Crucificado, cuja dimensão simbólica de denúncia  contra a injustiça social foi de tal natureza que alargou-se a ponto de estender-se ao teatro e ao cinema quando se tornou,  pelas mãos do cineasta Frederico Machado, um curta-metragem que granjeou, com justiça, vários prêmios nacionais e internacionais.




                                                         





            Essa inquietação cultural em Ubiratan, resvalando na paixão,  estendia-se de modo especial ao teatro. Sei pouco da matéria, porém o suficiente para auferir que ele era uma de suas mais preciosas referências locais, mormente porque exercia entre outras facetas desse gênero, a condição de crítico teatral. Mesmo papel que praticou no jornalismo cultural, onde talvez tenha sido o ultimo crítico literário regular deste estado.  E foi exercendo esse ofício que ele, com o título de O Bom Livro Maranhense, destacou,  um dia,  o livro deste cronista O Oficio de Matar, imediatamente depois de republicado pela editora Revan, do Rio, o que muito me envaideceu, pelo inesperado do fato e pela autenticidade já conhecida do seu autor. Penso que foi a partir desse dom de  agudeza  literária, que ele se bateu, meio desordenadamente, talvez, contra a indiferença com que sempre foi tratada pelos departamentos de ensino das escolas desta terra, a matéria produzida pelos escritores locais. Cansei de ver em suas crônicas, como uma voz que clama no deserto,  o lamento contra essa opacidade de visão que fazia – e faz -  com que por aqui o texto literário de um autor maranhense mereça  o desprezo dos que selecionam o material paradidático de nossas escolas, mesmo que o texto seja de melhor qualidade que os de fora, tenha recebido prêmios ou tenha sido distinguido  no sul do pais.

            (A propósito, que tal escolher o conto citado acima, Vela ao Crucificado, como matéria de leitura curricular dos estudantes já  para o próximo ano, caros professores e diretores de escolas maranhenses? Assim se prestaria uma homenagem póstuma ao escritor e se demonstraria, para bem do aprendizado dos alunos,  que o insistente reclame de uma de suas vozes mais vibrantes não deixou de ecoar).

            Ferreira Gullar, poeta de sua geração, quando perguntado sobre o motivo de porque escrevia,  respondia que era porque a vida não bastava. E repetiu isso outras vezes como se tivesse descoberto, num achado originalíssimo, a solução da questão. Ora, qualquer cientista ou estudioso sabe que não só para escritores, como também para o mais mísero organismo vivo, a vida não basta, tanto assim que luta desesperadamente para viver – e sobreviver, sem que a consciência sequer do que seja a vida lhe seja minimamente palpável.  Portanto, não é essa a resposta. Prefiro, como indução de resolução,  para essa e outras questões, a  frase extraída do livro O Quarto do Bispo, do escritor italiano  Piero Chiara quando este, num belo momento, resume toda aventura humana nas palavras “ A gente vive e ama onde está, como pode,  e quando a situação se apresenta”.




                                                          





            Ubiratan Teixeira amava a literatura, ao seu modo, como podia, e quando a situação se apresentava  e,  a partir daí, agora sim, fez com que a vida não lhe bastasse, o que lhe permitiu passar a fazer parte do ilustre panteão dos maranhenses, cuja glória extraída do amor aos livros  e à prática de construí-los, fará com que jamais sejam esquecidos.

                                                                       ewerton.neto@hotmail.com
                                                           http://www.joseewertonneto.blogspot.com


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