artigo publicado na seção Hoje é dia de...
Caderno Alternativo, jornal o Estado do Maranhão, hoje,
sábado.
“Enfim, um escritor sem estilo”, assim Millor Fernandes
anunciava suas páginas humorísticas, ironizando o meio literário a que pertencia, onde o estilo
decantado de alguns escritores era uma espécie de grife, ao seu modo de ver, risível. Millor não foi o
primeiro, já havia, em São Luís, Ubiratan
Teixeira, mas não porque sua escrita não tivesse estilo próprio, mas porque
assim parecia se proclamar, sem nunca
tê-lo dito, ou talvez, pensado. Era,
certamente, um escritor sem estilo (no sentido libertário de não se prender a
nenhuma amarra intelectual) até mesmo por causa de sua versatilidade cultural:
repórter, jornalista, teatrólogo, crítico, cronista e romancista.
E, no
entanto, pelo menos na crônica (matéria que entre as que abraçava, me insinuo até
por dever de ofício), Ubiratan tinha um estilo inconfundível. Não carecia de
sua assinatura em qualquer um de seus textos para que o leitor intuísse que,
nas entrelinhas daquela disposição de
letras e palavras, vibrasse um Ubiratan Teixeira, cujas ressonâncias mais
recorrentes eram a disposição do enfrentamento, o libelo contra injustiças
literárias, o apego à cultura
genuinamente maranhense , a verve iconoclasta e a disposição de se situar à
margem dos “refinados ou bem-nascidos”, com um estilo (olha aí o estilo)
irreverente e direto, suportando um Eu, por vezes exacerbado, em sua disposição
de colocar-se na linha de tiro, tendo ao
fundo personagens que tornava o mais possível fictícios , mesmo que fossem
reais: a tal da recriação da realidade.
Essa tal
recriação da realidade, que é o calcanhar de Aquiles de todo escritor e,
especialmente, do cronista, quando o domínio da linguajem por si não é
suficiente para reinventar o fato corriqueiro. Ubiratan Teixeira certamente
tinha esse dom, extraído de suas idiossincrasias que o faziam também, no conto
e no romance, galgar patamares mais elevados, como quando atingiu, talvez, o
ápice de sua arquitetura literária ao compor a pequena novela Vela ao Crucificado, cuja
dimensão simbólica de denúncia contra a injustiça
social foi de tal natureza que alargou-se a ponto de estender-se ao teatro e ao
cinema quando se tornou, pelas mãos do
cineasta Frederico Machado, um curta-metragem que granjeou, com justiça, vários
prêmios nacionais e internacionais.
Essa
inquietação cultural em Ubiratan, resvalando na paixão, estendia-se de modo especial ao teatro. Sei
pouco da matéria, porém o suficiente para auferir que ele era uma de suas mais
preciosas referências locais, mormente porque exercia entre outras facetas desse
gênero, a condição de crítico teatral. Mesmo papel que praticou no jornalismo
cultural, onde talvez tenha sido o ultimo crítico literário regular deste
estado. E foi exercendo esse ofício que
ele, com o título de O Bom Livro Maranhense, destacou, um dia, o livro deste cronista O Oficio de Matar, imediatamente
depois de republicado pela editora Revan, do Rio, o que muito me envaideceu,
pelo inesperado do fato e pela autenticidade já conhecida do seu autor. Penso
que foi a partir desse dom de agudeza literária, que ele se bateu, meio desordenadamente,
talvez, contra a indiferença com que sempre foi tratada pelos departamentos de
ensino das escolas desta terra, a matéria produzida pelos escritores locais.
Cansei de ver em suas crônicas, como uma voz que clama no deserto, o lamento contra essa opacidade de visão que fazia
– e faz - com que por aqui o texto
literário de um autor maranhense mereça o desprezo dos que selecionam o material paradidático
de nossas escolas, mesmo que o texto seja de melhor qualidade que os de fora, tenha
recebido prêmios ou tenha sido distinguido no sul do pais.
(A
propósito, que tal escolher o conto citado acima, Vela ao Crucificado, como
matéria de leitura curricular dos estudantes já
para o próximo ano, caros professores e diretores de escolas maranhenses?
Assim se prestaria uma homenagem póstuma ao escritor e se demonstraria, para
bem do aprendizado dos alunos, que o insistente
reclame de uma de suas vozes mais vibrantes não deixou de ecoar).
Ferreira Gullar, poeta de sua geração,
quando perguntado sobre o motivo de porque escrevia, respondia que era porque a vida não bastava.
E repetiu isso outras vezes como se tivesse descoberto, num achado originalíssimo,
a solução da questão. Ora, qualquer cientista ou estudioso sabe que não só para
escritores, como também para o mais mísero organismo vivo, a vida não basta,
tanto assim que luta desesperadamente para viver – e sobreviver, sem que a consciência
sequer do que seja a vida lhe seja minimamente palpável. Portanto, não é essa a resposta. Prefiro, como
indução de resolução, para essa e outras
questões, a frase extraída do livro O Quarto
do Bispo, do escritor italiano Piero
Chiara quando este, num belo momento, resume toda aventura humana nas palavras
“ A gente vive e ama onde está, como pode, e quando a situação se apresenta”.
Ubiratan
Teixeira amava a literatura, ao seu modo, como podia, e quando a situação se
apresentava e, a partir daí, agora sim, fez com que a vida
não lhe bastasse, o que lhe permitiu passar a fazer parte do ilustre panteão
dos maranhenses, cuja glória extraída do amor aos livros e à prática de construí-los, fará com que
jamais sejam esquecidos.
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