sábado, 2 de agosto de 2014

MEU EU x EU




artigo publicado na seção Hoje é dia de...Caderno Alternativo,
jornal o Estado do Maranhão, hoje, sábado.

ESSE TAL DE MEU EU


MEU EU ( ninguém jamais se deu ao trabalho de tentar saber exatamente quem ele é) é aquele sujeito que a gente julga , por comodismo, tão parecido com  a gente que permanece dentro de nosso corpo e, principalmente,  de nossa mente. E que nos socorre quando tentamos explicar o inexplicável ou entender o ininteligível.

            Como por  exemplo, quando às vezes dizemos: “Meu Eu tinha razão quando me disse para não comer aquela feijoada”, ou “ Certo, te neguei aquele empréstimo, mas , acredite, Meu Eu até hoje está sofrendo com isso.” Portanto Meu Eu é , na pior das hipóteses um sujeito de fé, um amigo como hoje dia já não há, uma boa solução para as nossas burradas incontroláveis, alguém até certo ponto confiável, com a vantagem de que raramente protesta, até mesmo porque não fala.

            Mas, por que só até certo ponto?  Deve ser porque o ser humano tem a natureza frágil e traiçoeira e até Meu Eu sofre a influência do Nosso Eu, de todos os seres humanos. Quando, pesarosos, tentamos nos justificar: “Não pude fazer nada, fui mais uma vez traído pelo Meu Eu”, isso não passa, claro, de uma grande mentira, ou ilusão.  Apenas estamos tentando encontrar alguém em quem jogar a culpa pelos nossos erros. Na falta de alguém mais conveniente, Meu Eu serve.



                                                     
     



            - E aí, Meu Eu, como vais?
            - Como sempre, servindo a humanidade e, principalmente, a você.
            - Não estava me referindo ao Meu Eu, particular, mas ao Meu Eu, de cada um.
            - Bem, estão você está se referindo ao Nosso Eu, ou melhor, ao Meu Eu de todos vocês, e aí já é um sujeito diferente.
            - Como? Eu o quê?
            - O Eu coletivo, de toda humanidade. Pergunte novamente para que eu possa explicar.
            - Nosso Eu?
            - Sim, o Eu coletivo, de toda humanidade: esse  é um sujeito asqueroso, absurdo, que foi capaz de matar Jesus Cristo, idolatrar Hitler, perdoar assassinos e corruptos. Ele não tem memória, é capaz de votar em políticos ladrões, assistir programas de tevê como o de Faustão e o BBBrasil, justificar terroristas e bandidos e, pior,    é capaz de fazer tudo isso escutando porcarias como música sertaneja.
            - Êpa, acho que aí você está exagerando. Se você é mesmo Meu Eu não tem o direito de criticar Nosso Eu, mesmo que este seja, como você disse, esse eu cruel que está por trás de todos nós, impondo-nos nossos instintos ancestrais. Não adianta querer dar uma de diferente, você é da mesma raça nossa, para não dizer da mesma laia.
            - De você ou do seu Meu Eu?
-           - Não me confunda. Lembre-se que você não passa de um clone, de um escravo, vive para me servir e devia se contentar com isso. Tenho a impressão de que você está querendo ser muito mais do que apenas Meu Eu.
            - Pois pode ficar certo de que jamais vou querer ser você. Desse desejo estou livre, já basta o peso de ter que trabalhar para isso. Aliás, você um dia já parou para pensar que, apesar de ser seu Eu, também posso ter sentimentos, esperanças, frustrações?
            - O que é isso, Meu Eu? Do jeito que você fala até parece que você está propondo que eu pague um analista para você e outro para mim. Sentimentos, esperanças, frustrações são coisas minhas, doadas por Deus, que eu repasso para você quando me for conveniente. Qualé? Não estou te entendendo.
            - A coisa que eu mais queria era ser o Eu do Meu Eu e não o seu, entende? Queria ser livre, que a minha vida fosse independente da sua.
            - Quanta idiotice! Você esquece de que assim você teria de ser também  um humano e logo estaria buscando um outro Meu Eu para lhe servir
            - Céus!, nem havia pensado nisso, Quer dizer que...
            - Que não existe solução para você. Que nem eu, muito menos você  podemos nos livrar de nosso destino, que é o mesmo da humanidade imperfeita. Sempre estará faltando alguma coisa: estaremos sempre à caça de um Meu Eu para nos quebrar um galho de vez em quando e que sequer nos damos ao trabalho de tentar conhecer. E, quer saber de uma coisa? Acho que é muito melhor assim...
            - Muito melhor assim, como?
            - Muito melhor nunca conhecer o Meu Eu, ora bolas? Não é assim que todo mundo faz? O que eu tinha de iniciar essa conversa com meu próprio Eu?




                                                     





            - Como assim, está me criticando? Acha que eu fui longe demais?
            - Você não, Eu é que fui. Estou muito arrependido de ter dado trela pra você. Quer saber de uma coisa? Agora que lhe conheci melhor posso dizer: Quem tem um Meu Eu igual a você como amigo, juro que não precisa de inimigo!
                                                                                  ewerton.neto@hotmail.com

                                                           http://www.joseewertonneto.blogspot.com

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