artigo publicado na seção Hoje é dia de...Caderno Alternativo,
jornal o Estado do Maranhão, hoje, sábado.
ESSE TAL DE MEU EU
MEU EU ( ninguém jamais se deu ao trabalho de tentar saber
exatamente quem ele é) é aquele sujeito que a gente julga , por comodismo, tão
parecido com a gente que permanece
dentro de nosso corpo e, principalmente, de nossa mente. E que nos socorre quando
tentamos explicar o inexplicável ou entender o ininteligível.
Como por exemplo, quando às vezes dizemos: “Meu Eu
tinha razão quando me disse para não comer aquela feijoada”, ou “ Certo, te
neguei aquele empréstimo, mas , acredite, Meu Eu até hoje está sofrendo com
isso.” Portanto Meu Eu é , na pior das hipóteses um sujeito de fé, um amigo
como hoje dia já não há, uma boa solução para as nossas burradas
incontroláveis, alguém até certo ponto confiável, com a vantagem de que
raramente protesta, até mesmo porque não fala.
Mas, por que
só até certo ponto? Deve ser porque o
ser humano tem a natureza frágil e traiçoeira e até Meu Eu sofre a influência
do Nosso Eu, de todos os seres humanos. Quando, pesarosos, tentamos nos justificar:
“Não pude fazer nada, fui mais uma vez traído pelo Meu Eu”, isso não passa,
claro, de uma grande mentira, ou ilusão. Apenas estamos tentando encontrar alguém em
quem jogar a culpa pelos nossos erros. Na falta de alguém mais conveniente, Meu
Eu serve.
- E aí, Meu
Eu, como vais?
- Como
sempre, servindo a humanidade e, principalmente, a você.
- Não estava
me referindo ao Meu Eu, particular, mas ao Meu Eu, de cada um.
- Bem, estão
você está se referindo ao Nosso Eu, ou melhor, ao Meu Eu de todos vocês, e aí
já é um sujeito diferente.
- Como? Eu o
quê?
- O Eu
coletivo, de toda humanidade. Pergunte novamente para que eu possa explicar.
- Nosso Eu?
- Sim, o Eu
coletivo, de toda humanidade: esse é um
sujeito asqueroso, absurdo, que foi capaz de matar Jesus Cristo, idolatrar
Hitler, perdoar assassinos e corruptos. Ele não tem memória, é capaz de votar
em políticos ladrões, assistir programas de tevê como o de Faustão e o BBBrasil,
justificar terroristas e bandidos e, pior, é
capaz de fazer tudo isso escutando porcarias como música sertaneja.
- Êpa, acho
que aí você está exagerando. Se você é mesmo Meu Eu não tem o direito de
criticar Nosso Eu, mesmo que este seja, como você disse, esse eu cruel que está
por trás de todos nós, impondo-nos nossos instintos ancestrais. Não adianta
querer dar uma de diferente, você é da mesma raça nossa, para não dizer da
mesma laia.
- De você ou
do seu Meu Eu?
- - Não me
confunda. Lembre-se que você não passa de um clone, de um escravo, vive para me
servir e devia se contentar com isso. Tenho a impressão de que você está
querendo ser muito mais do que apenas Meu Eu.
- Pois pode
ficar certo de que jamais vou querer ser você. Desse desejo estou livre, já
basta o peso de ter que trabalhar para isso. Aliás, você um dia já parou para
pensar que, apesar de ser seu Eu, também posso ter sentimentos, esperanças,
frustrações?
- O que é
isso, Meu Eu? Do jeito que você fala até parece que você está propondo que eu
pague um analista para você e outro para mim. Sentimentos, esperanças,
frustrações são coisas minhas, doadas por Deus, que eu repasso para você quando
me for conveniente. Qualé? Não estou te entendendo.
- A coisa
que eu mais queria era ser o Eu do Meu Eu e não o seu, entende? Queria ser
livre, que a minha vida fosse independente da sua.
- Quanta
idiotice! Você esquece de que assim você teria de ser também um humano e logo estaria buscando um outro Meu
Eu para lhe servir
- Céus!, nem
havia pensado nisso, Quer dizer que...
- Que não
existe solução para você. Que nem eu, muito menos você podemos nos livrar de nosso destino, que é o
mesmo da humanidade imperfeita. Sempre estará faltando alguma coisa: estaremos
sempre à caça de um Meu Eu para nos quebrar um galho de vez em quando e que sequer
nos damos ao trabalho de tentar conhecer. E, quer saber de uma coisa? Acho que
é muito melhor assim...
- Muito
melhor assim, como?
- Muito
melhor nunca conhecer o Meu Eu, ora bolas? Não é assim que todo mundo faz? O
que eu tinha de iniciar essa conversa com meu próprio Eu?
- Como
assim, está me criticando? Acha que eu fui longe demais?
- Você não, Eu
é que fui. Estou muito arrependido de ter dado trela pra você. Quer saber de
uma coisa? Agora que lhe conheci melhor posso dizer: Quem tem um Meu Eu igual a
você como amigo, juro que não precisa de inimigo!
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