texto publicado na seção Hoje é dia de...
Caderno Alternativo, jornal o Estado do Maranhão, hoje, sábado
A primeira entrevista de Capitu está abaixo. Sim, ela mesma:
Capitu, a ambígua heroína de Machado de Assis, aquela do eterno “botou chifre
no marido ou não?”.
A
necessidade de reproduzi-la ( já que foi
publicada neste jornal em 20/09/2008),
advêm de o escritor Mario Prata estar
lançando um livro de entrevistas com personagens do passado. Talvez Capitu esteja
no seu livro, como estaria no meu, que se chamaria Entrevistas
com seres improváveis.
Mario Prata,
um de nossos melhores cronistas, claro, não tem culpa se alguém lá nos confins
do Maranhão teve uma ideia parecida, deve ter tido mais tempo, talento – e
quiçá- disposição e, assim, concluiu o livro que, ainda não li, mas já gostei. Porém, antes que um dia alguém
me acuse de plágio, registro que a primeira entrevista que alguém um dia ousou
fazer com Capitu foi essa. Ei-la:
- A que devo sua visita, senhor?
- Sou seu fã, há muito tempo.
- De mim?
- Sim, todos os leitores de Dom Casmurro são seus fãs, a
senhora é um grande mistério na literatura.
- E veio de tão longe por causa de um mistério? E, ainda
por cima, da literatura?
- Não é somente pelo mistério. É mais que isso, creia.
Seus olhos oblíquos, de ressaca, parecendo uma epilepsia do mar. É uma
fascinação tão grande!...Não sei como explicar.
- Vai dizer que se apaixonou por mim, um mero personagem.
- Sim, como todos.
- Correspondo à sua imagem?
- Sim, é assim mesmo que eu lhe via. Foi desse jeito a imagem que me
ficou. Dia, após dia...
- O senhor parece nervoso. Gostaria de entender. Não passo de uma pobre
personagem, de um grande escritor. O que quer de mim? O que todos querem de
mim?
- Na verdade...
- Ah, já sei... A pergunta de sempre. Está em seus olhos.
- Não me leve a mal, por favor. Não gostaria de
ofendê-la.
- Vamos lá, crie coragem. Pergunte se eu fui mesmo
adúltera e satisfaça sua curiosidade mórbida. Todos querem me perguntar isso: a
humanidade, o sol, o mar, a eternidade. Ninguém quer saber de mim, da mulher
que eu personifiquei. Dá a impressão de que só valho por um potencial
adultério, e não pela mulher que fui.
- Não perguntarei mais. Isso pouco importa. Basta-me
estar em sua presença, tê-la visto.
- Mentira! Não seja hipócrita, faça seu papel. Pergunte,
pois você sabe tanto quanto eu que foi para isso que veio.
- Que assim seja,
dona Capitu. Acho que é hora mesmo de acabar com isso, com todo esse
dilema. A senhora traiu Bentinho, ou não?
- Quer mesmo que eu lhe diga?
- Por favor!
- Leia o livro ainda uma vez. Depois repita, dez, cem, mil vezes. Você encontrará
sempre a mesma Capitu. Todos sabem quem eu sou, o que fiz, o que deixei de fazer, está muito claro. Façam
teses literárias, especulem, deliciem-se com a minha sina, provoquem discussões
estéreis e ainda serei a mesma Capitu, com o espírito eternamente sem paz por
causa disso. Mas a humanidade é mendiga
de mistério e fofoca, não é mesmo? Até com personagens literários.
- Mas...que devo concluir?
- Vejo que não entendeu e não entenderá nunca. Volte para
casa e continue o mistério. Não tenha dó de mim, estarei sempre ponta para
servir à imaginação do meu autor, para isso fui concebida por ele. Assim como
Judas talvez tenha sido apenas um servo de Deus para trair Cristo, eu apenas sou
sua serva para enredar-me na especulação sobre uma traição. Que o mistério
permaneça para sempre à custa da pobre Capitu. Isso é sonho! Isso é literatura!
Isso é romance!
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