Artigo publicado na seção Hoje é dia de...
Caderno Alternativo, jornal o Estado do Maranhão, hoje, sábado
As
últimas palavras nos últimos momentos de um ser humano dizem mais da
personalidade do indivíduo que seus epitáfios. Os epitáfios são concebidos na
plenitude da vida, quando é possível iludir-se de que se é capaz de fazer pose
com os desígnios da morte.
Já as palavras ditas no ultimo momento,
são ditas no paroxismo do desvanecimento de nossas ilusões, onde não há mais
espaços para artifícios ou malabarismos com palavras, no duro exercício da
confrontação final consigo mesmo. É como se, na primeira situação, a pessoa efetivasse uma parceria com a morte, que se
permite ser colocada como atriz coadjuvante na vida, para que se obtenha o efeito desejado na
frase. Mas, na segunda, já não há espaço
nem tempo para isso; a vida do ser
humano, ou o que resta dela, é que passa a ser a atriz coadjuvante da morte.
“Droga...Não ouse pedir a Deus que me
ajude!” foram as ultimas palavras de
Joan Crawford, ditas a uma empregada, que rezava por ela.
Desnecessário lembrar
o quanto a atriz colocava de vaidade em
cada segundo de sua vida, sem distinção do último. “Dia após dia me apaixonei
por livros”, disse Ray Bradbury, ele um eterno apaixonado por livros, que escreveu Zen a arte da escrita, no qual expôs, em muitas palavras tudo o que
resumiria no fim. Já Barry White, o
cantor, apenas repetia “Me deixa em paz, estou ótimo”, como se fosse o refrão
de uma de suas canções, que cantava tão bem.
“Senhor, ajude minha pobre alma”, disse
Edgar Allan Poe, o genial escritor e poeta que via aves de mau agouro na sua derrocada, não
passando de lenda a versão de que teria dito, ao invés, “Nunca mais”,
exatamente como no poema, quando lhe perguntaram pelos amigos. Desse jeito, teria
sido mais poético, mas lembremos,
estamos falando de últimos momentos, não de epitáfios.
“Ele não vai se importar nem um pouco
com isso”, foram as ultimas palavras de Abraham Lincoln, presidente dos USA, apertando
a mão de sua mulher Mary, e referindo-se à sua preocupação com o fato de que um
amigo os estivesse observando. Nem de longe ele desconfiaria de que viesse
a morrer em seguida, de um tiro. Nestas ocasiões, em que não há suspeita
da morte introduzindo-se nos segundos que instalam a interrupção súbita do futuro de alguém, o que é dito não segue a
lógica da personalidade afetada pelo abismo próximo, mas do vulgar e do cotidiano
transbordando por todos os poros, como se houvesse um excesso de vida a contrastar com a vizinhança do trágico
Elas podem ser ainda agônicas como as
de Virgínia Wolf em sua derradeira depressão antes do suicídio. “Tenho certeza de que enlouqueci de novo, não
vou passar novamente por essa experiência terrível!”; de lancinante entrega “Jesus, eu te amo;
Jesus, eu te amo”, como as de Madre Teresa; saudosas como as de Martin Luther
King “Por favor, toquem ‘Take my hand, precious lord’. Toquem bem bonito!” De
sábia lamentação “ O dinheiro não compra a vida” de Bob Marley; ou de tardio êxtase
semiconsciente “Ok, não vou!” de Elvis Presley confirmando à sua namorada que
desta vez não ia dormir no banheiro, após a overdose.
Já as últimas palavras de Hugo Chávez:
“Não quero morrer. Por favor, não me deixe morrer”, de subserviente e
súplice desespero ditas ao chefe da guarda venezuelana não chocam pelo
inusitado ( já que são próprias de qualquer ser humano em seu ancestral pavor
diante da morte e do desconhecido), mas, sim, impactam pelo contraste diante de
sua costumeira arrogância no trato com os cidadãos venezuelanos e suas
instituições
Ao se expor dessa forma diante daquela
que nos iguala a todos, Chavez sequer
conseguiu, como farsante que foi, exercer seu talento histriônico e se sair com
mais uma de suas bravatas.
Ficou do tamanho que todos são e sua frase, que não
chega a ser de covardia (não há covardia, nem heroísmo diante da indesejada das
gentes), mas de submissão e pavor diante do incognoscível, deveria servir de lição para todos aqueles que
espezinham o próximo, seu vizinho ou o povo, com a arrogância oriunda de um
poder que, por definição, e´ fortuito e
breve, principalmente quando é obtido, como no caso de políticos e empresários
brasileiros corruptos, pelo dinheiro rapinado
através da usurpação e da presunção de impunidade.
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